03 Fevereiro 2023
O segundo dia da visita do Papa Francisco ao Congo foi marcado por dois momentos: a Missa com centenas de milhares de pessoas lotando a pista do aeroporto de Ndolo desde a madrugada e o encontro com uma delegação de mulheres e homens vítimas de violência vindos da região em guerra de Kivu.
A reportagem é Fabrizio Floris, publicada por Il Manifesto, 02-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Às seis da manhã o acesso à pista do aeroporto foi fechado e a organização coordenou o a multidão que se moveu de maneira ordenada. A espera durou até as 9h, quando o pontífice chegou. Foi uma síntese entre uma celebração eucarística, um concerto e um momento de orgulho nacional. Os baixos cadenciam o movimento das bandeiras de um "woodstock" congolês muito ensolarado. Cinco horas de cantos, danças e orações.
O Papa agradeceu antes de tudo aos presentes: “Estou feliz – começou -, esperava por este momento há mais de um ano”. Depois comentou o Evangelho do Ressuscitado, recordando que aquelas três palavras, "paz para vós", são "uma entrega, mais que uma saudação". Ressaltando que as fontes da paz, as "fontes para continuar a alimentá-la são o perdão, a comunidade e a missão".
Palavras que não tiveram eco entre os candidatos à presidência da República que, foi visto claramente, se recusaram a trocar o sinal de paz. Bergoglio concluiu pronunciando algumas palavras em lingala: moto azalí na matoi ma koyoka (“quem tem ouvidos para entender”) e a multidão respondeu ayoka ("entenda").
À tarde, na nunciatura, o Papa ouviu testemunhos do Kivu, como o de um jovem de 16 anos de Eringeti, no território de Beni: “Sou agricultor. Meu irmão mais velho foi morto em circunstâncias que ainda não conhecemos hoje. Meu pai foi morto na minha presença, de onde eu estava escondido, vi como eles o trucidaram e como levaram minha mãe. Ficamos órfãos, eu e minhas duas irmãzinhas. Nossa mãe nunca mais voltou e não sabemos o que aconteceu com ela. Não consigo dormir à noite."
A jovem Léonie Matumaini mostrou um facão igual aquele que matou todos os membros de sua família diante dela; Kambale Kakombi Fiston, de apenas 13 anos, contou ter sido sequestrado por 9 meses; depois foi a vez de uma jovem de 17 anos da área de Goma reduzida em condições de escravidão sexual por um comandante durante 19 meses, até que com uma amiga conseguiu fugir: “Mas nessa altura descobri que estava grávida. Eu tive meninas gêmeas, nunca conhecerão seu pai." Depois continuou dizendo que “as pessoas foram tiradas de suas casas várias vezes, as crianças ficam sem pais, são exploradas nas minas ou nos exércitos rebeldes”.
Outra mulher de Bukavu também conta que foi "mantida como escrava sexual. Eles nos fizeram comer uma massa de milho e a carne dos homens mortos”.
De Bunia (Ituri) uma testemunha conta: “Sobrevivi a um ataque no acampamento de deslocados de Bule, no povoado de Bahema Badjere, no território de Djugu, na província de Ituri.
Esse campo é conhecido como “Plaine Savo”. O ataque ocorreu na noite de 1º de fevereiro de 2022 por um grupo armado que matou 63 pessoas, entre as quais 24 mulheres e 17 crianças. Vivemos em campos de refugiados sem esperança de voltar para casa".
Francisco, visivelmente emocionado, disse estar sem palavras "diante da violência desumana que vocês viram com seus próprios olhos e sentiram na pele. Ficamos chocados e sem palavras, resta apenas chorar, em silêncio. O meu coração – continuou – está hoje no Leste deste imenso País".
Naquela região, prosseguiu o Papa, “se entrelaçam dinâmicas étnicas, territoriais e sociais e de grupo; conflitos relacionados com a propriedade da terra, com a ausência ou fragilidade das instituições, ódios nos quais se infiltra a blasfêmia da violência em nome de um falso deus. Mas é, acima de tudo, a guerra desencadeada por uma ganância insaciável de matérias-primas e dinheiro, que alimenta uma economia armada, que exige instabilidade e corrupção".
Bergoglio em seguida recordou o embaixador Luca Attanasio, o carabineiro Vittorio Iacovacci e o motorista Mustapha Milambo, mortos há dois anos no leste do país. “Eram semeadores de esperança e seu sacrifício não será perdido."
Mais do que um segundo dia de visita, um programa político decenal.
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Woodstock congolês para Bergoglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU