17 Janeiro 2023
"Reunião de Lula com Marina supera desavenças passadas e aponta para o que mais interessa: controlar e reduzir os fatores de emissões", escreve Márcio Santilli, sócio fundador do Instituto Socioambiental - ISA, em artigo publicado originalmente por Ninja e reproduzido por Instituto Socioambiental - ISA, 16-01-2023.
Lula inicia seu terceiro mandato como presidente. Marina é a única pessoa a compor o seu ministério nos três mandatos, embora não o tenha integrado durante a maior parte do segundo. Depois de 15 anos, ela retorna ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o acréscimo de “e Mudança do Clima” no seu nome.
Esse acréscimo não é formalidade, mas institucionaliza o que já foi feito e o que é preciso fazer. Lula e Marina lideraram um processo, envolvendo muitas outras pessoas e partes, que promoveu a maior redução de emissões de gases do efeito estufa já ocorrida na história recente, através da redução do desmatamento na Amazônia entre 2006 e 2012. Isto ocorreu através do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que foi retomado pelo presidente e pela ministra já nos primeiros dias de governo. O novo mandato começa sob a égide da emergência climática, com muitas cidades do Sudeste inundadas pelas fortes chuvas, enquanto o interior do Rio Grande do Sul amarga uma severa estiagem.
No âmbito pessoal e político, a reunião de Lula com Marina supera desavenças passadas e aponta para o que mais interessa: controlar e reduzir os fatores de emissões, enquanto se buscam as melhores opções de proteção aos diversos atores sociais e à sua própria condição de diversidade.
Porém, a Amazônia não é mais a mesma dos primeiros dois mandatos de Lula. Já se sabia antes que o desenvolvimento econômico sustentável requer investimentos públicos e privados contínuos e estrategicamente direcionados para superar a concorrência predatória, além de articulações sólidas nas cadeias envolvidas, para isolar a produção predatória. Com anos seguidos de desinvestimento público e de aprofundamento da conivência do Estado, a grilagem de terras e a extração ilegal de madeira, de ouro e de outras riquezas se agravaram.
A deliberada fragilização das operações de fiscalização e controle nos últimos anos, resultando em maior impunidade, bem como o estímulo à compra e à posse de armas, elevaram a criminalidade a patamares inéditos, em especial o tráfico de drogas, que disputa o uso de pistas clandestinas e de rotas fluviais estratégicas.
Houve, também, um lamentável recuo na ação fiscalizadora do Exército que, em outros tempos, reivindicava o exercício do poder de polícia na faixa de fronteira. Hoje, vastas regiões de fronteira estão sob o controle do tráfico, como se viu nos recentes assassinatos ocorridos no Vale do Javari (AM). A capacidade militar e de articulação política interna e externa das frentes predatórias está exponencialmente maior.
Um caso emblemático é o do interflúvio Tapajós-Xingu, cortado pela BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). Grande parte do investimento federal na Amazônia, desde os governos anteriores do Lula, destinou-se a obras públicas nesta região, como a pavimentação da BR-163 e de outras estradas, a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e a implantação da Hidrovia do Tapajós. No entanto, não foram projetos focados na economia regional, mas na geração de energia para o sistema nacional, que atende, sobretudo, à demanda do centro-sul do país, e na exportação da produção de grãos do Centro-Oeste para os países do hemisfério Norte.
Em 2003, quando Lula anunciou a pavimentação da BR-163, movimentos e organizações sociais realizaram eventos em Itaituba, Santarém e Altamira, no Pará, e em Sinop, no Mato Grosso, para formular e sugerir ao governo um plano de desenvolvimento regional que se chamou “BR-163 Sustentável”, com medidas em várias direções. Parte delas foi efetivada, como a criação de um mosaico de conservação estadual e federal no interflúvio Xingu-Iriri, mas a maior parte foi descontinuada, por falta de presença e de atuação articulada dos poderes públicos na região.
Os investimentos federais resultaram em incremento menor do que o anunciado na geração de energia e no escoamento de grãos, e em danos maiores do que o previsto. Na região, favoreceram o aumento do desmatamento, da grilagem de terras, da contaminação dos rios e da violência armada. A população de cidades que dependem do garimpo predatório, como Itaituba e Jacareacanga, apresentam os piores índices de desenvolvimento humano do país.
Não por acaso, a BR-163 foi objeto de vários bloqueios golpistas após a eleição de Lula, e de lá vieram pessoas e recursos para bancar acampamentos e atos terroristas em Brasília. Esse caso evidencia que a redução do desmatamento em regiões críticas da Amazônia – e de outros biomas – dependerá da retomada de políticas públicas estratégicas pelo Estado.
Grande parte do ouro, do ipê, da cocaína e dos peixes ornamentais extraídos ilegalmente da Amazônia se destina ao mercado mundial. Da mesma forma, embora os danos socioambientais diretos afetem muito mais as populações locais, o aumento das emissões oriundas do desmatamento pode anular o resultado, do ponto de vista do clima, dos esforços dos países que tentam reduzi-las de fato.
Para sanear as cadeias produtivas contaminadas pela violência socioambiental, assim como para impedir a lavagem do respectivo dinheiro, serão necessárias providências transversais, dentro e fora do país. Da mesma forma, a redução do desmatamento e a gestão de projetos sustentáveis dependerá tanto de recursos públicos quanto dos oriundos da cooperação internacional, mas também da abertura de mercados e da valorização dos serviços agregados às cadeias produtivas da sociobiodiversidade.
É providencial o retorno de Lula e Marina e de um governo comprometido com a soberania efetiva da Amazônia e com a saúde do clima mundial. Com mais quatro anos de predação, talvez chegássemos ao ponto do não-retorno. O Brasil e o mundo não podem perder essa preciosa oportunidade de reverter a emergência climática e permitir melhores perspectivas de vida para as futuras gerações.
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Marina no clima. Artigo de Márcio Santilli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU