23 Dezembro 2022
"Dom Mimmo não quer dar receitas fáceis, mas convidar os padres a 'retornar à fonte', a afastar-se de novo para aprender tudo e de novo de Jesus, a fazer nossa a sua paixão pela fragilidade, descobrindo que Deus se serve dela para nos tornar mais humanos e mais capazes de anunciar o Evangelho", escreve Francesco Cosentino, teólogo, professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma e membro da Secretaria de Estado do Vaticano, em artigo publicado por Settimana News, 18-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para revelar a beleza do rosto de Deus, Jesus costumava contar histórias. À cátedra do Templo sempre preferia a estrada poeirenta onde podia encontrar os rostos do povo e ao rigor da doutrina preferia a narração das parábolas. Jesus tinha um olhar "poético", ou seja, capaz de entrar na realidade, para extrair dela a misteriosa beleza de Deus e da vida humana.
Por isso, e não por uma simples habilidade linguística, era apaixonado por construir parábolas, oferecer imagens tiradas da vida e cavar poços de água fresca até nos desertos da vida. Além disso, quando se tratava de traduzir em gestos a compaixão do Pai e a ternura do seu amor, ele se curvava sobre as feridas dos homens, afagava as crianças, deixava-se tocar pelos impuros, abria braços hospitaleiros aos perdidos, para curar todos com o toque de um amor gentil. Sem jamais oprimir, sem jamais esmagar, sem jamais fechar o caminho possível da esperança e do renascimento.
O Papa Francisco nos remete constantemente a essa humanidade de Jesus e, ao longo de seu magistério, fez dela o "lugar" onde melhor se revelam a misericórdia, a compaixão e a ternura de Deus. Um estilo de proximidade que, com sua carga profética, o pontífice argentino recomenda ao toda a Igreja e, em particular, aos párocos.
Ao mesmo tempo, especialmente hoje, é exatamente isso que se espera do padre. Não um funcionário do sagrado, um burocrata da lei religiosa ou um professor apartado da vida, que sobe na cátedra para atirar pedras nos outros. Queremos e desejamos o pastor manso e humilde de coração, que se faz companheiro de caminho, ternura de Deus, olhar hospitaleiro para todos, ninguém excluído.
Todos esperam isto, mas às vezes esquecem-se de que têm um tesouro em vasos de barro (cf. 2 Cor 4, 7). Que é um homem imbuído de fragilidade, de uma humanidade que ainda precisa acertar as contas com a própria pobreza, que muitas vezes se desmente e precisa se reencontrar. E, então, o questionamento urgente é este: enquanto todos esperam tudo do padre, quem pensa na sua humanidade, na sua solidão, nas suas necessidades?
Dom Mimmo Battaglia, hoje arcebispo de Nápoles depois de uma vida sacerdotal voltada para as encruzilhadas das estradas, deixa-se indagar por essa pergunta porque a pobreza de mulheres e homens esmagados pela solidão, pela dependência e pela dor a olharam nos olhos muitas vezes, a receberam como um soco no estômago, a acolheram como uma inquietação perene que vem desafiar a tentação de um ministério confortável, a acariciaram e ao mesmo tempo combateram para levantar aqueles que haviam ficado à margem da vida.
Sobre ele se pode dizer o que o Papa Francisco recomenda a todos nós: tocou a carne ferida dos pobres. E, portanto, como demonstra esse livro apaixonante, não fica indiferente às necessidades, às demandas e aos gritos de seus padres; aliás, falando dos discípulos e falando aos padres, afirma:
“Confesso que é precisamente esta humanidade frágil e ao mesmo tempo apaixonada que mais me fascina nesse grupo de viandantes despreocupados... Por isso escrevo a vocês, porque neles eu me vejo e vejo cada um de vocês. Vejo as nossas incertezas, a fragilidade dos nossos percursos, as tantas dúvidas que muitas vezes nos devoram a ponto de nos roubar o sono”.
A partir dessa comovente premissa, Dom Mimmo começa com seu estilo próprio a chamar pelo nome os padres aos quais dirige a carta; e por trás de cada nome está a história de um homem, de um viandante que se sente cansado e precisa de refrigério humano e espiritual.
Há a história de quem não consegue “dar sentido aos acontecimentos do dia-a-dia” e “viver com entusiasmo a monotonia de dias que parecem assemelhar-se um ao outro”; há lágrimas discretas e dignas pela incompreensão dos outros coirmãos no ministério, pela inveja e pelo ciúme, por alguma fofoca a mais; há a solidão de quem vive e leva o Evangelho como "libertação" dentro de um contexto marcado pelo mal e pela criminalidade, tendo que suportar a solidão de se sentir como "uma mosca branca" que quase "sempre tem que se justificar" diante de seus pares.
Mas não só histórias de sofrimento, mas também vivências sacerdotais que se perdem na nostalgia do passado e que se movem segundo critérios que se chocam com o Evangelho, justamente como muitas vezes também aconteceu com os Apóstolos. E para tudo e para todos, a palavra de Mimmo:
“Também por isso vos escrevo, caros amigos padres. Aliás, talvez principalmente por isso. Porque também eu sinto uma forte necessidade de parar e deixar-me levar pelo Mestre de Nazaré, de poder me confidenciar, confessar a minha fragilidade e os meus sonhos, mas também de renovar junto com vocês o sonho desta boa nova que Ele colocou em nossas mãos".
E, dentro dos eventos narrados com graça e delicadeza, o texto traz à tona o acompanhamento que o bispo pretende oferecer e, ao mesmo tempo, sua serena mas firme profecia que denuncia os males da vida do padre: o demônio do individualismo, a o medo do enfrentamento, o imobilismo diante das provocações de um mundo em turbulência, o não se deixar tocar pelas feridas dos que sofrem, as agendas pastorais que se substituem às relações humanas, a anestesia da consciência que nos torna soldadinhos obedientes por fora, prontos para reclamar e criticar pelas costas.
Mimmo não quer dar receitas fáceis, mas convidar os padres a "retornar à fonte", a afastar-se de novo para aprender tudo e de novo de Jesus, a fazer nossa a sua paixão pela fragilidade, descobrindo que Deus se serve dela para nos tornar mais humanos e mais capazes de anunciar o Evangelho.
Nesse tom confidencial, o texto propõe um gesto de bênção que Mimmo deseja oferecer aos seus padres. Também aqui não há teoria fria, mas os nomes e as histórias concretas de tantos padres que conheceu e que agora lhe aprazeria abençoar sua história, sua juventude, sua fragilidade, sua tenacidade, sua perseverança escondida por trás de uma rotina ou a raiva por tantas decepções e experiências negativas. Porque Mimmo tem a certeza disto: que um bispo, como irmão e como pai, deve sobretudo abençoar os esforços de cada um que, juntos, fazem a beleza da Igreja.
O livro que vocês têm nas mãos está escrito com a carne e com o sangue. Exala a experiência de um padre apaixonado por Cristo, que hoje o Senhor chamou ao episcopado e que não perdeu a capacidade de se maravilhar e se comover. Fala de histórias vividas, de padres frágeis e humanos e não de “santos” com rosto angelical.
Domenico Battaglia, Torniamo alle sorgenti. Scrivo a voi amici preti, (Voltemos às fontes. Escrevo a vocês, amigos padres, em tradução livre) San Paolo, Cinisello Balsamo (MI) 2022, 112 p., € 10,00 (Foto: Divulgação/Amazon)
Acima de tudo, fala com eles, com os padres: para que mesmo nos tropeços e nos fracassos não percam a coragem de voltar sempre à fonte e a alegria de abraçar novamente o Evangelho. E para que o Senhor, como escrevia o amado e saudoso bispo Tonino Bello, preencha sempre de paixão o coração dos seus sacerdotes, preencha a sua solidão com amizades discretas, os conforte com a gratidão das pessoas e com o óleo da comunhão fraterna, os refresque de todo cansaço. E o mais importante, os liberte de todo medo.
Francesco Cosentino, sacerdote calabrês, é professor de teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana. Reproduzimos o seu Prefácio ao livro de Domenico Battaglia, Torniamo alle sorgenti. Scrivo a voi amici preti, (Voltemos às fontes. Escrevo a vocês, amigos padres, em tradução livre) San Paolo, Cinisello Balsamo (MI) 2022, 112 p., € 10,00.
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“Escrevo a vocês, amigos padres”. Artigo de Francesco Cosentino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU