30 Novembro 2022
A Pontifícia Academia de Ciências Sociais publicou o primeiro documento estabelecendo critérios para medidas embasadas na fé no mundo das finanças.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 29-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em um documento que está sendo elaborado há vários anos, a Santa Sé emitiu um novo texto que estabelece critérios éticos para investimentos financeiros. Mensuram Bonam, um documento de 50 páginas emitido em 25 de novembro pela Pontifícia Academia de Ciências Sociais, pretende estabelecer “medidas baseadas na fé para investidores católicos”.
É a primeira vez que um órgão do Vaticano propôs explicitamente um conjunto de critérios que os investidores nos mercados financeiros devem levar em consideração. Embora não se trate de elaborar uma lista de ações ou títulos financeiros que são permitidos ou aceitos, Mensuram Bonam acredita que “24 categorias” deveriam constituir “preocupação” ou mesmo “proibição” para os investidores católicos.
Entre eles estão alguns temas clássicos condenados pelo Ensino Social da Igreja, como a promoção do aborto, das armas — nucleares ou não —, além da pena de morte, da contracepção e da pornografia. Mas outras são menos comuns, como a “engenharia genética” (incluindo o setor de transgênicos), “jogos e brinquedos de computador desumanizadores” ou as “violações de direitos dos povos indígenas”. “Abuso/experimentação animal” também fazem parte dos “critérios de exclusão” publicados pelo Vaticano.
Além desta lista, a Santa Sé estabelece valores mais gerais que encorajam os investidores a considerar suas escolhas. A pessoa humana, o bem comum, a justiça social e a solidariedade são alguns deles, assim como a ecologia integral e a inclusão dos mais vulneráveis.
O documento diz que há muitas perguntas que os investidores devem fazer ao avaliar o valor ético de uma carteira de ações. Estes incluem o seguinte:
“A governança empodera as decisões no nível da comunidade?”;
“Os mais impactados deram sua opinião?”;
“Este investimento aumentará ou desgastará a confiança social?”;
“As políticas de investimento incluem lições dos marginalizados?”, dentre outras.
A Pontifícia Academia de Ciências Sociais também defende a necessidade de integrar os princípios da CST em todo o processo de investimentos de uma empresa em contextos cada vez mais complexos. “Os mercados são sempre frenéticos e, portanto, podem consumir toda a atenção”, lê-se na Mensuram Bonam. “Cada investidor terá seus próprios objetivos e trará à sua maneira seus compromissos de fé para suas decisões e práticas”, apontam os autores do documento.
A preparação do Mensuram Bonam começou em 2016, quando o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral formou um grupo de trabalho de cerca de uma dezena de economistas. Mais de 60 outros especialistas em diversas áreas relacionadas a finanças, investimentos e ética também foram consultados. O texto estava prestes a ser publicado em 2020, mas alguns no Vaticano acharam que ele seguia uma linha liberal. Assim, o projeto passou por uma revisão.
O Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral esperava publicá-lo em janeiro passado, mas esse plano foi descartado no último momento com a partida inesperada de seu prefeito, o cardeal Peter Turkson. O ganês de 74 anos, que foi nomeado chanceler tanto da Pontifícia Academia de Ciências quanto da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, levou consigo o texto e o publicou “sob a égide” desta última.
Embora a reflexão ainda seja incipiente, as apostas são altas e vão muito além dos investimentos financeiros feitos pelas comunidades religiosas.
Alguns estudos estimam que mais de dois trilhões de dólares de “dinheiro cristão” são investidos em todo o mundo, provenientes tanto de instituições cristãs quanto de crentes. Nos Estados Unidos, alguns especialistas estimam em 800 bilhões as economias diocesanas oriundas de instituições vinculadas à Igreja Católica, bem como das poupanças de católicos praticantes.
Essas enormes somas de dinheiro são a prova, para os autores do Mensuram Bonam, de que é possível usar os mercados financeiros para promover o Ensino Social da Igreja e exercer pressão para incentivar negócios e práticas virtuosas. Este texto, que a rigor não faz parte do magistério da Igreja Católica, é, no entanto, um passo importante. Isso deixa alguns esperando por um documento mais oficial sobre o assunto, desta vez diretamente assinado pelo próprio Papa Francisco.
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Vaticano determina novos critérios para investimentos éticos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU