22 Novembro 2021
Muitas comunidades religiosas usam há muito tempo as suas carteiras de investimentos para tratar de várias questões sociais e ambientais. Agora, muitas estão dizendo que podem – e devem – usar esse capital para combater especificamente as mudanças climáticas.
A reportagem é de Dan Stockman, publicada em Global Sister Report, 18-11-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Ir. Patricia Daly, das Irmãs Dominicanas de Caldwell, disse que as carteiras de investimento devem ser consideradas uma parte da forma como a comunidade vive o seu carisma, especialmente porque o número de irmãs está diminuindo e, por sua vez, está aumentando a proporção de irmãs que não estão mais no ministério ativo. E, se os investimentos são vistos como parte do carisma de uma congregação, então esses investimentos não deveriam apenas não prejudicar a Terra e o seu clima, mas também melhorá-lo ativamente, disse Daly, uma liderança de longa data no campo dos investimentos socialmente responsáveis.
“Precisamos reconhecer que a nossa carteira tem um poder para além de simplesmente sustentar a congregação”, disse Daly aos participantes do congresso anual do Centro de Recursos para os Institutos Religiosos, que ocorreu de 26 a 28 de outubro. “O ministério da nossa carteira se tornou profundo.”
Enquanto os cientistas alertam que as mudanças climáticas criarão uma catástrofe ambiental, Daly disse que o ministério precisa abordar as causas provocadas pelo ser humano. Daly é líder em investimento de impacto social há mais de 40 anos e é a representante de responsabilidade corporativa da sua comunidade e de outras pessoas.
Poucos dias antes do início da conferência global sobre mudanças climáticas COP26, várias oficinas do Centro de Recursos para os Institutos Religiosos, incluindo a de Daly, analisaram o modo como os investimentos feitos por religiosos podem enfrentar as mudanças climáticas.
Mas, até recentemente, isso não era fácil. A experiência contada pela Ir. Nancy Murphy em uma oficina ilustrou como era preciso persistência por parte da sua congregação, as Filhas da Caridade, para buscar uma abordagem de investimento consciente do clima. Ela disse em uma oficina que, em 2015, depois que as Nações Unidas divulgaram seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e depois que o Papa Francisco publicou a Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum, a sua congregação informou o seu consultor de investimentos que queria eliminar os combustíveis fósseis da sua carteira.
A resposta foi substancialmente que isso não poderia ser feito.
“Quando olhamos para a nossa carteira, apenas cerca de 6% eram em combustíveis fósseis, e tentamos nos convencer de que não era algo tão ruim”, disse Murphy, conselheira provincial e membro da comissão de investimentos da congregação. “Mas continuamos ouvindo sobre outras comunidades que estavam chegando a zero.”
As barreiras eram muitas: Murphy disse que foram informadas de que remover empresas do setor de combustíveis fósseis reduziria a diversidade da carteira e a tornaria mais vulnerável às oscilações do mercado, de que o processo seria difícil e demorado, de que o desinvestimento poderia prejudicar os mercados emergentes em áreas que as irmãs estavam tentando ajudar, e de que isso poderia nem mesmo resultar em uma mudança real.
Então, em 2018, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica do Vaticano publicou o documento “Economia a serviço do carisma e da missão” [disponível em inglês aqui].
“Fomos desafiadas a usar o nosso dinheiro e os nossos recursos de uma forma que promovesse o nosso carisma”, disse Murphy. “Se isso não foi um chamado à ação, então não sei o que foi.”
Assim, a comissão de investimentos mudou a pergunta que vinha fazendo à sua consultoria: de “Podemos desinvestir completamente nos combustíveis fósseis?”, passaram a perguntar: “O que é necessário para desinvestir completamente nos combustíveis fósseis?”.
Desta vez, a sua consultoria, a Ascension Investment Management, estava aberta à ideia, mas tinha muitas dúvidas, por exemplo, se “desinvestir completamente” incluiria não apenas mineradoras e perfuradoras de combustíveis fósseis, mas também grandes usuários, como as companhias aéreas; que tipo de linha do tempo elas levariam em consideração; e que nível de tolerância elas teriam, como produtores de produtos que são grandes consumidores de combustíveis fósseis, como os automóveis.
O outro problema era que a Ascension, que atende apenas organizações de base católica, reúne seus investimentos entre todos os seus clientes, o que significa que a carteira das Filhas da Caridade teria que ser dividida a um alto custo, ou todos os seus clientes teriam que desinvestir também. Além disso, alguns dos investimentos não eram em bens públicos, como ações; eles estavam em ativos privados que estavam sob contratos de longo prazo, e seria muito caro se livrar deles.
Mas a Ascension contatou seus outros clientes, e eles estavam dispostos a fazer a mudança. Em julho, a empresa mudou a sua política de investimentos e começou a desinvestir nos combustíveis fósseis. Murphy disse que o plano é que, dentro de três a cinco anos, a carteira esteja substancialmente livre de combustíveis fósseis e os ativos privados em combustíveis fósseis sejam convertidos quando expirarem.
“O que nos disseram que não poderia ser feito, foi feito”, disse Murphy. “Se você ouvir algo da sua atual consultoria ou grupo de investimento que diga: ‘Absolutamente não, não queremos mais falar sobre isso’, você precisa procurar em outro lugar. Você precisa falar com outras pessoas.”
David Erickson, diretor de investimentos da Ascension, disse na mesma oficina que muita coisa mudou desde quando as Filhas da Caridade começaram a pedir o desinvestimento.
“A conversa está muito diferente agora do que era antes”, disse ele. “O jogo está mudando, o custo está caindo, e a solução é o crescimento em outras opções.”
Bryan Pini, presidente e diretor de investimentos da Mercy Investment Services, que lida apenas com os investimentos das Irmãs da Misericórdia das Américas e dos seus ministérios, disse que as mudanças climáticas são como ter a sua própria casa pegando fogo, enquanto você está na calçada discutindo sobre a melhor forma de apagar o fogo.
“Todos nós temos que pegar um balde, pegar uma mangueira e começar a fazer alguma coisa”, disse Pini. E isso é realmente parte da solução – o problema é tão grande e complexo que um único método não será suficiente. O desinvestimento terá de ser combinado com o investimento em indústrias sustentáveis e com o reinvestimento em indústrias poluentes quando elas se transformarem em modelos sustentáveis.
Pini disse que a Mercy Investment Services começou a desinvestir nos combustíveis fósseis anos atrás e agora está investindo em indústrias para combater ativamente as mudanças climáticas.
É aí, disse John Quigley em outra oficina, onde reside a oportunidade: embora a maioria das pessoas presuma que esses tipos de mudanças de carteira afetarão o desempenho, ele acredita que você pode combater as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, se dar bem no mercado. Quigley é o diretor de investimentos de ações disciplinadas da Great Lakes Advisors.
Ele disse que as mudanças climáticas prometem uma disrupção massiva em todas as áreas da vida, mas uma grande disrupção significa grandes oportunidades para os investidores: o desinvestimento nos combustíveis fósseis é um bom começo, mas precisa ser combinado com o investimento em novas tecnologias, novas indústrias, velhas indústrias que se transformam e compensações de carbono. Significa investir em empresas como a Microsoft, que se comprometeu a ser carbono-negativa até 2030.
Ele disse que a Great Lakes Advisors lançou recentemente o primeiro produto de investimento público nos Estados Unidos que é uma carteira neutra em carbono.
“Até onde sabemos, é a única carteira de ações públicas desse tipo disponível hoje”, disse Quigley.
A Great Lakes Advisors administra os investimentos das Beneditinas de Rock Island, Illinois. A irmã beneditina Susan Hutches disse na oficina com Quigley que a criação foi o primeiro dom de Deus para a humanidade – e não deveria ser o primeiro presente a desaparecer.
“O clamor da Terra e o clamor dos pobres são o mesmo, e durante anos ouvimos e respondemos ao clamor dos pobres”, disse Hutches. “Hoje, estamos ouvindo o clamor da Terra e incluindo aquilo que ouvimos nas nossas carteiras de investimentos.”
O lançamento de um produto de investimento voltado para o combate às mudanças climáticas é algo com que Daly está familiarizada: ela foi uma das líderes de um esforço de 16 congregações dominicanas em parceria com o Morgan Stanley para estabelecer um novo fundo de investimentos voltado para soluções de financiamento para o combate das mudanças climáticas e a assistência de comunidades em maior risco de todo o mundo.
O esforço de cinco anos resultou na possibilidade de as irmãs investirem 46,6 milhões de dólares [259 milhões de reais] no fundo, que cresceu mais do que outros investidores, incluindo algumas outras congregações de irmãs, chegando a 130 milhões de dólares [723 milhões de reais] no momento em que foi lançado em 2020. Agora está capitalizado em 160 milhões de dólares [889 milhões de reais]. O fundo tem uma opção de investimento privado, que investe diretamente em empresas da mesma forma que as empresas de capital de risco, e uma opção que negocia ações públicas, como ações e títulos.
Enquanto o fundo da Great Lakes Advisors está aberto ao público, o lado das ações públicas do Fundo de Impacto do Clima Global do Morgan Stanley está aberto apenas para organizações sem fins lucrativos, e o lado do investimento privado – que agora está fechado para novos investidores – funciona apenas por convite. Como um fundo de empréstimo, os investimentos são escolhidos e negociados pelos administradores de fundos do Morgan Stanley.
Kristina Van Liew, diretora-executiva de gestão de fortunas da Graystone Consulting, que é a divisão de investimentos institucionais do Morgan Stanley, disse que os governos precisam agir contra as mudanças climáticas, mas isso não será suficiente: os mundos corporativo e financeiro terão que desempenhar um papel importante também.
“É um caminho muito perigoso que estamos trilhando”, disse Van Liew.
Van Liew conheceu Daly em 2015, quando Daly e outros estavam abordando dezenas de bancos de investimento em busca de uma forma de tornar as suas carteiras não apenas livres dos combustíveis fósseis, mas também proativas no combate às mudanças climáticas e na ajuda às comunidades que elas mais prejudicam.
“Elas queriam ir além do investimento socialmente responsável e enfrentar ativamente as mudanças climáticas”, disse Van Liew. “Mas elas deram um passo a mais: trabalharam com Wall Street para democratizar o acesso a uma categoria inteira de investimentos.”
Daly disse em uma entrevista no dia 16 de novembro que os fundos têm investido em setores como a energia eólica e solar, mas também em inovações como uma empresa que recicla plástico para fazer paletes de transporte, retirando o plástico do fluxo de resíduos e reduzindo a quantidade de árvores cortadas para fazer paletes de madeira. Outra fornece energia solar para aldeias remotas que nunca tiveram eletricidade antes ou dependem de geradores a gasolina.
Daly disse que a mudança pode ter sido inovadora, mas foi apenas o próximo passo em uma jornada de décadas para tornar as carteiras de investimentos das congregações uma parte ativa do seu carisma e missão. O fundo também atende aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
“Estávamos realmente focadas em criar uma alternativa”, disse Daly. “Vamos investir naquilo que precisa ser investido.”
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Religiosas revisam seus investimentos para enfrentar as mudanças climáticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU