23 Novembro 2022
Os bispos católicos da região de língua neerlandesa da Bélgica foram manchetes no último mês de setembro quando publicaram um serviço de oração que incluía uma benção para casais homossexuais. Alguns críticos reclamaram que por fazer isso estariam desafiando o Dicastério para a Doutrina da Fé, a qual publicou uma nota meses atrás dizendo que a Igreja não tinha autoridade para dar tal bênção.
Espera-se que a questão apareça na próxima semana quando os bispos belgas estarão em Roma para sua visita ad limina, a qual incluirá um encontro com o Papa Francisco e autoridades do Vaticano.
Mas o monsenhor Philippe Bordeyne, presidente do Instituto João Paulo II para Estudos sobre o Casamento e a Família, baseado em Roma, diz que a bênção não tem o objetivo de validar um modo de vida particular. Em vez disso, é uma forma de manifestar o bem que Deus quer para a humanidade. O teólogo francês de 62 anos, que foi reitor do prestigiado Institut Catholique de Paris de 2011 a 2021, dá mais detalhes nesta entrevista.
A entrevista é de Clémence Houdaille, publicada por La Croix International, 18-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Dar uma bênção significa necessariamente validar uma prática?
Eu não penso que seja certo introduzir à bênção uma noção de avaliação ou validação. Uma bênção é uma oração direcionada a Deus, para louvar a Deus, pedir a Deus por ajuda e proteção. Isso preocupa as pessoas, e possivelmente também as atrapalha em suas relações pessoais... mas esse papel não é para validar uma prática.
Abençoar, porém, é manifestar o bem que Deus “diz” das pessoas e que Deus quer para elas. Na linguagem cotidiana, dizer “está certo” ou “está errado” é julgar. Mas, na Bíblia, o bem precede o justo: “Deus viu que era bom” (Gn 1).
Uma nota do Dicastério para a Doutrina da Fé do ano passado, no entanto, declara “ilícita qualquer forma de bênção que tenda a reconhecer (as) uniões” de homossexuais.
O pedido de bênção pode conter um pedido de reconhecimento dirigido à comunidade ou instituição. Nesse caso, assume uma dimensão de apelo, protesto ou mesmo reclamação.
Pede-se a Deus o que não se conseguiu obter da Igreja. No Evangelho, o cego Bartimeu é repreendido pelos discípulos que o mandam se calar quando implora a Jesus: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” A atitude de Jesus obriga os discípulos à conversão: “Coragem, levanta-te, ele te chama”.
Por trás do pedido de bênção, muitas vezes há a mesma sede de inclusão.
Para além deste pedido de validação de práticas, é legítimo um pedido de bênção?
Ninguém pode ser privado da bênção de Deus. Como toda oração verdadeira, a bênção nos convida a reconhecer nossa fragilidade. Isso é o oposto de um processo de autovalidação.
Vemos isso na parábola do publicano e do fariseu. Este último está em processo de autojustificação: “Sou melhor que os outros”. Enquanto o publicano implora: “Tem piedade de mim porque sou um pecador”.
A bênção que acompanha um sacramento também ajusta a maneira como o encaramos. Insiste no fato de que, apesar da força que o sacramento dá, permanece a pobreza e a fragilidade de cada um para viver o que vem dele. Daí a necessidade de um acompanhamento adequado que dê sentido à bênção.
Como você vê o pedido específico para abençoar casais homossexuais?
O sacramento do matrimônio une um homem e uma mulher. A bênção de um casal do mesmo sexo, precisamente como casal, seria muito parecida com a bênção que segue a troca de consentimento no sacramento. Por outro lado, as pessoas ainda podem ser abençoadas.
Lembre-se, uma bênção nunca pretende validar um estilo de vida. O fato de os homossexuais pedirem à Igreja que os abençoe nos convida a ouvi-los, a entrar na complexidade de sua história e de sua situação.
Jesus comeu com os pecadores, conversou com uma samaritana, deixou-se tocar pelo grito de um cego... A sua liberdade despertou nestas pessoas o desejo de Deus.
Sejamos realistas: nem todas as pessoas que não podem casar têm capacidade para viver sozinhas. Eles não têm direito ao apoio da Igreja em seu caminho de fé e conversão? Devemos ousar ser pastoralmente criativos.
De forma discreta e solidária a nível pessoal, a bênção é um sinal tangível da proximidade de Deus através da disponibilidade de um ministro da Igreja, leigo, diácono, sacerdote ou bispo.
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“Não se pode negar bênção a ninguém”, afirma Philippe Bordeyne, presidente do Instituto João Paulo II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU