26 Outubro 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 30º Domingo do Tempo Comum, 28 de outubro (Mc 10, 46-52). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com o trecho que lemos neste domingo, o Evangelho segundo Marcos conclui o relato da subida de Jesus a Jerusalém, ou seja, o itinerário do discipulado durante o qual Jesus deu ensinamentos, formou aqueles que o seguiam, cientes de que, tendo chegado a Jerusalém, ocorreria “o fim do profeta”, mediante a sua condenação à morte.
Logo depois, Jesus entrará na cidade santa, escoltado festivamente e aclamado como filho de Davi, isto é, Messias (cf. Mc 11, 7-11), evento, de algum modo, antecipado na nossa página.
Estamos em Jericó, a porta da Judeia a oriente. Enquanto não só os discípulos, mas também muitos outros seguem Jesus, um cego que traz o nome de Bar-Timeu (filho de Timeu), um homem marginal, reduzido a mendigar na rua, um “descartado” do qual ninguém cuida, ouve dizer que Jesus de Nazaré está prestes a passar.
Sendo cego, obviamente nunca o vira, nem o encontrara, mas a fama desse rabi galileu chegara até ele. No seu coração, certamente estava presente, pelo menos, o desejo de ver, a esperança de ter a visão, para poder sair da noite. Tendo ouvido que Jesus está passando, portanto, começa a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!”.
Nesse grito, há uma grande espontaneidade, está a sua fé judaica no Messias que vem, está a expectativa de uma cura, da salvação, está a força de gritar e de se fazer ouvir, na convicção pessoal de que aquele rabi pode fazer algo por ele, pois é um mestre capaz de cuidado e de amor para com aqueles com quem ele se encontra.
Bartimeu repete com outras palavras aquilo que Pedro afirmava: “Tu és o Cristo” (Mc 8, 29). Naquele caso, porém, Pedro havia sido imediatamente repreendido por Jesus pela sua incapacidade de compreender a sua verdadeira messianicidade (cf. Mc 8, 30-34). O filho de Timeu, em vez disso, está diante do filho de Davi, animado pela confiança de que o Messias abriria os olhos aos cegos, realizando também nisso as Sagradas Escrituras (cf. Is 35, 5; 42, 7).
Mas, naquela época como agora, entre Jesus e aqueles que o buscam, estão outros: aqui é a multidão, em outros casos são os próprios discípulos, isto é, a sua comunidade que se torna obstáculo, barreira entre Jesus e quem deseja encontrá-lo. Atenção, isso também acontece por razões “santas”: medo de perturbar o mestre, vontade de protegê-lo dos ataques do povo...
Bartimeu, porém, não desiste, põe-se a gritar mais alto, e, assim, a sua invocação chega até Jesus. Este para e manda chamá-lo. Isso ocorre pontualmente, com as palavras que tantas vezes os discípulos de Jesus tinham ouvido durante os seus encontros com aqueles que se encontravam no sofrimento ou no pecado: “Coragem, levanta-te!”. No convite expressado com “coragem!” (cf. Mt 9, 2-22; 14, 27; Mc 6, 50), está o coração de Jesus, que diz acima de tudo: “Coragem, não tenha medo, tenha confiança!”.
Essa é a primeira atitude necessária para o encontro com Jesus: é preciso sair do temor, da desconfiança, da falta de expectativa, da visão de si mesmo como de alguém não digno de ser amado por ele. Nesse ponto, trata-se de se levantar – verbo egheíro, que também expressa o ressurgimento (cf. Mc 5, 41; 6, 14.16; 12, 26; 14, 28; 16, 6)! – do leito à postura do homem que tem esperança (homo spe erectus).
Uma vez em pé, pode-se escutar e compreender que o Senhor chama cada um de modo muito pessoal e pleno de afeto (“Chama a ti”).
Aquele cego, então, “jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus”. É um pobre que não tem nada, a não ser o manto, sinal da sua identidade de excluído, sua única propriedade inalienável (cf. Dt 24, 13). Ao contrário do homem rico que não soube se livrar do lastro dos seus bens e, então, tinha ido embora triste (cf. Mc 10, 21-22), Bartimeu se despoja de toda segurança, mesmo que mínima, do seu passado, da sua própria vida e, dando um pulo e pondo-se de pé, põe-se em movimento às apalpadelas e vai até Jesus.
Grande é a audácia desse homem, que nasce da sua liberdade: na sua pobreza nua e na sua cegueira, ele está diante de Jesus, esperando tudo dele... Este último não presume a necessidade de quem o invocou, não se dirige a ele de modo mecânico e anônimo, mas, justamente para conhecer a partir das suas palavras a necessidade que o habita, lhe pergunta: “O que queres que eu te faça?”. E Bartimeu responde, em um tom de confiança humilde e audaz: “Rabboni, meu mestre, que eu veja!”.
A oração é desejo expressado diante de Jesus, e Bartimeu deseja ver, bem além da simples visão com os olhos: quer ver também com o coração, quer ver na fé, quer estar na luz, e não nas trevas...
Jesus, sempre atento a cada homem ou mulher com quem se encontra, sempre capaz de comunicar “em situação”, se dá conta do que Bartimeu está vivendo. Por isso, dirige-se a ele com uma afirmação extraordinária: “Vai, a tua fé te salvou”, palavras que ele repetia muitas vezes diante daqueles que lhe pediam salvação (cf. Mc 5, 34 e par.; Lc 7, 50; 17, 19; 18, 42). Acima de tudo, ele lhe diz: “Vai”, isto é, ele o convida a se pôr a caminho, sem lhe pedir nada. À liberdade daqueles que entram em relação com ele, Jesus responde potencializando essa mesma liberdade, convidando o seu interlocutor a exercer a liberdade. E essa prática de libertação se enraíza em uma atitude que distingue Jesus, a ponto de podermos entendê-lo como a sua característica específica, peculiar: a sua capacidade de captar e de fazer emergir nas pessoas a fé-confiança que as anima.
É assim que Jesus faz emergir a fé já presente no outro: através da sua presença de homem confiável e hospitaleiro, que não diz que é ele quem cura e salva, mas sim a fé daqueles que a ele se dirigem. Fé-confiança na vida, nos outros, antes ainda que em Deus: de fato, não é possível, parafraseando a Primeira Carta de João, “crer em Deus que não se vê, se não soubermos crer no outro, no irmão que se vê” (cf. 1Jo 4, 20)...
Cura não só física, a de Bartimeu, mas sim salvação que o investe inteiramente: de fato, “no mesmo instante, pôs-se a seguir Jesus pelo caminho”.
A salvação é experimentada pelo crente não tanto como condição para se instalar, mas como caminho perseverante atrás de Jesus, como relação cotidiana com ele. Bartimeu se põe no seguimento de Jesus, como os discípulos que sempre o seguem (cf. Mc 1, 18; 2, 14.15; 5, 37; 6, 1; 8, 34; 10, 21.28.32; 11, 9; 14, 51.54; 15, 41), vão atrás dele (cf. Mc 1, 17.20; 8, 33.34). Aquele que era cego, às margens da estrada, mendicante, após o encontro com Jesus, é capaz de segui-lo como discípulo, rumo a Jerusalém.
Além disso, o seu grito dirigido a Jesus – “Filho de Davi!” –logo depois é retomado pela multidão, durante a entrada de Jesus na cidade santa: “Bendito seja o Reino que vem, o reino de nosso pai Davi!” (Mc 11, 10). Pode-se dizer que foi esse cego que entoou por primeiro os gritos de glória em relação a Jesus...
Esse episódio é muito mais do que um simples relato de milagre, como o leitor de Marcos já pode entender. Jesus está prestes a entrar na cidade santa para a sua paixão e morte, mas os seus Doze discípulos, ao longo de todo esse caminho, permaneceram cegos. Escutavam as suas palavras, mas não entendiam, mostrando que estavam bem longe de ver os acontecimentos como Jesus os via: primeiro Pedro (cf. Mc 8, 32), depois todos os Doze (cf. Mc 9, 34), enfim, Tiago e João (Mc 10, 35-37) pareciam cegos diante de cada revelação que lhes era feita por Jesus. Mas agora cada leitor pode se identificar com esse cego de Jericó; deve apenas tomar consciência da própria cegueira, gritar ao Senhor: “Tem piedade de mim!” e ter fé de que ele pode arrancá-lo das trevas e lhe fazer ver aquilo que seus olhos não conseguem ver.
Sim, nesse pôr-se a caminho atrás de Jesus, Bartimeu é, para nós, mais exemplar do que os Doze. E então? Que cada um de nós se ponha diante do Senhor Jesus e, olhando para ele com fé e expectativa, se descubra cego. Então, tenha a força e a coragem de lhe gritar apenas: “Senhor, tem piedade de mim”, “Kýrie eleison”, essa invocação brevíssima, mas tão completa, dirigida a ele, com plena confiança de que ele pode nos salvar.
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''A tua fé te salvou'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU