Na próxima segunda-feira, 14-11-2022, o teólogo italiano Vito Mancuso ministrará palestra virtual no Instituto Humanitas Unisinos - IHU
Uma das discussões circundantes à nova era geológica, o antropoceno, diz respeito ao papel do ser humano nas transformações geradas na Terra. Segundo alguns cientistas, a ação humana no planeta gerou o que se denomina de novo regime climático, manifesto através dos efeitos climáticos extremos, como secas, chuvas e ondas de calor, além da destruição da biodiversidade e da poluição da atmosfera e dos oceanos.
A antiga questão filosófica sobre o antropocentrismo, portanto, está no centro deste debate e na tentativa de compreender igualmente o ser humano em relação ao restante da natureza. O que é o ser humano? Será o ser humano só mais um entre os demais seres que habitam o planeta ou será ele próprio um ser que tem primazia sobre os demais? Para o teólogo Vito Mancuso, "é verdade que somos antropocêntricos e que o antropocentrismo diz respeito tanto ao judaísmo quanto ao cristianismo" e "caracteriza também os gregos". Em outras palavras, resume, "todo o Ocidente é antropocêntrico". A questão que se coloca diante desta constatação é: "E, então, está certo ou errado?", disse ele ao participar de um debate sobre os dilemas da crise climática no início deste mês, em 06-11-2022, no Pianeta Terra Festival, na Itália.
A resposta, embora possa parecer ambígua à primeira vista, diz algo fundamental sobre o ser humano: "Está errado, se pensarmos nas extinções e na poluição. As imagens terríveis dos plásticos nos mares estão debaixo dos nossos olhos e causam um frio na barriga. Mas o antropocentrismo também está certo, ou melhor, é inevitável. Trata-se de interpretar este princípio. Somos a única espécie capaz de elaborar informações e de fazer isso em relação à nossa vontade de poder: vem à minha mente o termo greed [ganância]. Consumimos sem parar. Em vez disso, deveríamos pôr essa capacidade a serviço de nós mesmos e dos povos mais pobres. Qual é a solução, então? Entender que fracassamos."
A constatação de que o ser humano tem em si mesmo a capacidade destruidora de provocar o mal, seja através das guerras, seja através da destruição do planeta e das demais espécies, colocando em questão a sua própria sobrevivência, mas também a capacidade de agir no sentido contrário, tem levado Vito Mancuso a refletir igualmente sobre a necessidade de reconstruir a humanitas, a humanidade. Este foi o tema de seu artigo, publicado em maio deste ano no jornal La Stampa e reproduzido na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos – IHU. "É estranho: existe um progresso objetivo em uma série de indicadores, mas a sensação mais generalizada é a decadência, a crise, o desgaste, o medo. (...) A sensação pervasiva de decadência, de fato, se dá pelo fato de não nos sentirmos mais sócios uns dos outros, de não estarmos mais reunidos em um projeto comum, em uma societas", observa.
Estes sintomas da crise civilizacional, que pode ser abordada a partir de diferentes aspectos e de modo interdisciplinar, segundo o teólogo, nos conduz ou deveria nos conduzir a uma ação específica: reconstruir. "Mas o que deve ser reconstruído?", questiona. Aquilo que faz não nos sentirmos mais sócios uns dos outros "porque ficamos desprovidos de um ideal maior do que o interesse pessoal que conecte as nossas consciências". Isto é, "a consciência na sua capacidade de conscientização, de criatividade, de responsabilidade e, portanto, livre. Ou seja, a humanidade. É 'o humano no ser humano'. E é essa humanitas que deve ser reconstruída". Em outras palavras, pontua, "a sociedade, é claro. A sociedade como um conjunto de sócios capazes de expressar um ordenamento global cujo nome é política, entendida como 'ciência diretiva e arquitetônica no mais alto grau'" (Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1094b).
A construção de novos sentidos para a vida no Antropoceno será o tema da conferência virtual de Vito Mancuso no Instituto Humanitas Unisinos – IHU nesta segunda-feira, 14-11-2022. A palestra, que integra o Ciclo de Estudos Manifesto Terrano. Construindo uma geofilosofia de Gaia será ministrada às 10h e transmitida na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no Canal do YouTube IHU Comunica.
A proposta de reconstrução da humanitas, segundo Mancuso, não pode ser compreendida como um mero desejo, mas como uma necessidade. Foi assim que ele expressou seu entendimento em diálogo com Massimo Ammaniti, professor no Departamento de Psicologia e Dinâmica Clínica da Universidade La Sapienza. "Sinto-o primeiramente dentro de mim e depois também fora, entre as pessoas com quem convivo, e sinto que é acompanhado por um medo da desintegração, do crepúsculo, do fim. Um medo que se agitava dentro de nós antes da Covid e mesmo antes da guerra, e que agora começamos a manifestar".
No debate entre ambos, publicado pelo jornal La Stampa em junho deste ano e reproduzido na página do IHU, Mancuso reiterou a necessidade de a sociedade ser reconstruída no sentido de ser entendida como societas, "um conjunto de sócios e, portanto, também de comunidades. Tenho a impressão de que até um passado recente as duas coisas se mantinham firmes, porque havia uma vontade de mantê-las firmes: os vizinhos eram vizinhos não só no sentido físico, mas também no sentido psíquico. Você fala de partidos: eram casas da mente, assim como o eram as igrejas. E eles conferiam pertencimento. Agora nem os times de futebol o permitem".
A reconstrução, explicou a Ammaniti, é uma tarefa humana a ser empregada por seres singulares. "Em seu ensaio sobre o Iluminismo, Kant dizia que é preciso ter a coragem de usar a própria inteligência e razão. Pois bem, eu penso que esse retorno à singularidade e à dignidade humana, que são duas coisas praticamente coincidentes, deve levar a considerar-nos como seres pensantes, a recordar-nos que somos primeiramente isso. Se pudesse, não reformularia as noções de educação e instrução, mas a aquisição da confiança nas capacidades humanas de pensar, sentir, perceber, raciocinar. O ser humano é senciente: é sapiens. Homo sapiens é o rótulo que demos à nossa espécie e, há algum tempo, o usamos para conotar o que parece ser a pior catástrofe do planeta: nos pensamos e contamos como habitantes invasivos, cruéis, devastadores. O planeta se superaquece e nós, que somos planeta, nos superaquecemos por nossa vez, e de fato nos agredimos e não somos mais capazes de cooperar".
A compreensão do ser humano como alguém meramente destruidor, e não criativo ou capaz de mudança, pode ter como consequência a adesão a um discurso pós-humanista, que privilegia as máquinas aos humanos. "Entendo o discurso do pós-humanismo, até daqueles que preferem a inteligência artificial e confiam mais nas máquinas do que no fator humano. Sentimo-nos mais próximos do que não é humano: das plantas, dos animais, que amamos em contraposição aos homens. Não amamos os oleandros porque são bonitos, mas porque pensamos que são melhores e menos decepcionantes do que os outros homens. Experimentamos a morte de Deus, ou melhor, a falta de uma religião, no sentido latino. Não quero culpar o movimento de pensamento que levou à morte de Deus, ou seja, os mestres da suspeita (Marx, Nietzsche, Freud), porque era fisiológico derrubar a religião que muitas vezes gerava aquele superego negativo de que falamos antes. Quando falo em reconstrução, não pretendo de forma alguma restaurar".
Reconstruir, esclarece, "é uma função a que a religião pode nos conduzir, fazendo-nos acertar as contas com uma ausência: a falta, como dizia, de algo que nos ultrapassa, nos transcende porque é maior que nós, do nosso ego. Se reconhecemos, por exemplo, que a lei constitucional é maior do que nós, do que todos os nossos interesses, fazemos de forma a nos ordenar com base nela, a obedecê-la, porque a respeitamos. É disto que sinto a necessidade: de um passo atrás para acolher algo maior. Mencionei a reforma da escola, mas também eu, como você, acredito que a única possibilidade de mudança está na ação cotidiana de cada um, mas sinto que nessa frente devemos fazer, pois as crianças necessitam de algo que a escola não lhes dá e, ao contrário, a escola lhes dá muitas coisas com as quais eles não sabem o que fazer e, assim, gera-se uma frustração que os afasta da beleza do estudo".
Vito Mancuso foi professor de teologia moderna e contemporânea na Faculdade de Filosofia da Universidade San Raffaele de Milão de 2004 a 2011. De 2013 a 2014, foi professor de História das Doutrinas Teológicas na Universidade de Pádua. Entre 2009 e 2017, colaborou com o jornal italiano La Repubblica.
Vito Mancuso (Foto: Reprodução)
Seus escritos atraíram considerável atenção do público, em particular A alma e seu destino (Raffaello Cortina, 2007), Deus e eu: um guia para os perplexos (Garzanti, 2011), A força do princípio da paixão que nos leva a amor (Garzanti, 2013), Deus e seu destino (Garzanti, 2015), quatro best-sellers de mais de cem mil exemplares com traduções para outros idiomas e receptividade crítica na imprensa, no rádio e na televisão. Seu último livro é I Quattro Maestri (Garzanti, 2020).
O Ciclo de Estudos Manifesto Terrano. Construindo uma geofilosofia de Gaia busca debater, de modo transdisciplinar, os desdobramentos sociais, políticos, ecológicos e epistemológicos da crise civilizacional contemporânea, considerando os diferentes agentes humanos e não humanos do colapso climático, sanitário e social repousado em nossas sociedades. As quatro conferências ministradas neste semestre estão disponíveis aqui.
O discussão sobre a crise climática como uma das facetas da crise civilizacional, a partir de uma perspectiva interdisciplinar, pode ser acompanhada diariamente na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, através de entrevistas, notícias e artigos publicados e dos eventos promovidos pelo IHU.