12 Novembro 2022
Após uma repressão mortal contra manifestantes na nação centro-africana, “a questão básica é se o atual governo pode organizar eleições livres e transparentes”.
A recente repressão brutal das manifestações pró-democracia no Chade deixou as autoridades católicas da nação centro-africana irritadas e céticas em relação à promessa do governo militar de entregar o poder. Cerca de 50 pessoas foram mortas e cerca de 300 ficaram feridas na violência que eclodiu em 20 de outubro em várias cidades em todo o vasto país sem litoral de 16 milhões de habitantes.
“Muitas pessoas acreditam que nunca na história recente do Chade uma manifestação pública foi tão reprimida”, disse o padre jesuíta Ludovico Lado, antropólogo que dirige o Centro de Estudos e Formação para o Desenvolvimento – CEFOD, em N'Djamena, capital do país. Um jornalista que trabalha para seu centro estava entre os mortos na “repressão” do governo aos protestos.
“O atual governo de transição terá dificuldade em conquistar os corações da grande maioria das pessoas, que não perdoam tamanha barbárie”, relata Lado.
A entrevista é de Lucie Sarr, publicada por La Croix International, 11-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Qual é a situação no Chade, agora mais de duas semanas após os massacres de 20 de outubro em que até um dos seus colegas do CEFOD perdeu a vida?
É uma falsa tranquilidade que reina no país, especialmente porque as operações de repressão realizadas pelos serviços de segurança a mando das autoridades de transição continuam. Muitas famílias não sabem onde estão seus entes queridos que foram sequestrados ou presos, e teme-se que tenham sido assassinados. Famílias enlutadas como a do nosso colega estão enterrando seus mortos. Os corações estão fumegando de raiva e isso não é um bom sinal.
Mapa do continente africano, com destaque para o Chade.
Fonte: MapChart
As pessoas parecem estar cuidando de seus negócios, mas ninguém sabe o que o amanhã trará, especialmente porque o toque de recolher permanece em vigor das 22h às 5h. Muitas pessoas acreditam que nunca na história recente do Chade uma manifestação pública foi tão reprimida. O atual governo de transição terá dificuldade em conquistar o coração da grande maioria do povo, que não perdoa tamanha barbárie.
A Igreja Católica retirou-se do diálogo nacional e criticou duramente a brutal repressão das manifestações de 20 de outubro. Como você interpreta a posição da Igreja desde o início desta crise no Chade?
A Igreja no Chade está, naturalmente, do lado dos feridos. Afastou-se do diálogo nacional para não apoiar uma armadilha. Ofereceu sua mediação para ajudar a tornar o diálogo mais inclusivo, mas não foi do agrado da junta. A oposição radical e a sociedade civil não participaram e, portanto, organizaram as manifestações de 20 de outubro que se transformaram em tragédia.
Nos últimos dias, alguns bispos do Chade, como o bispo de Moundou e o arcebispo de N'Djamena, fizeram algumas propostas para sair da crise, mas serão ouvidas? É uma pena que alguns leigos católicos encarregados deste regime de transição permaneçam em silêncio sobre esta barbárie. A quem eles servem? Deus ou dinheiro?
Ainda podemos esperar uma mudança política neste país onde Idris Deby Itno teve cinco mandatos presidenciais? Ele queria concorrer a um sexto mandato, mas morreu no ano passado e foi substituído por seu filho…
Muitos criticam o filho de Deby justamente porque ele não entregou o poder aos civis após o período inicial de transição, como havia prometido. Foi isso que a União Africana pediu quando tolerou a tomada do poder pela junta militar após a morte de Deby Pai. Pior ainda, o diálogo nacional inclusivo deu-lhe plenos poderes por mais dois anos após dezoito meses de transição, especialmente com a possibilidade de concorrer nas próximas eleições presidenciais. Claro, muitos suspeitam que ele está tentando manter o poder por qualquer meio necessário.
A repressão bárbara das manifestações de 20 de outubro, infelizmente, parece apoiar essa visão. A questão básica é se o atual governo pode organizar eleições livres e transparentes. Não há garantia disso no momento.
Qual é a sua leitura mais geral da dificuldade que muitos chefes de estado africanos têm em abrir mão do poder?
A falta de alternância política é uma praga na África Central em particular, que hoje tem o presidente mais velho do continente, e talvez até do mundo. Este é Paul Biya (de Camarões). Ele tem quase 90 anos e completou 40 anos no poder em 6 de novembro.
A tentação dos reflexos dinásticos na transmissão do poder reina em quase toda parte e envenena os esforços de democratização. Se pelo menos o desenvolvimento econômico e social fosse assegurado, estaríamos satisfeitos. Mas esses autocratas são conhecidos por saquear e desperdiçar as receitas do Estado em detrimento do serviço ao bem comum e à justiça social. Essa é a triste realidade.
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Chade. Jesuíta diz que governo militar é apegado ao poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU