09 Novembro 2022
"O potencial destrutivo da técnica é o ponto de partida de toda a reflexão: o problema, porém, é ela induzir as tradições cristãs a se unirem à demagogia irracionalista que propõe um retorno a um imediatismo com a natureza que na realidade nunca existiu", escreve Fulvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense, em Roma, em artigo publicado por Confronti, novembro de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 1967, o historiador da ciência e da tecnologia Lynn White publicou um artigo na revista Science, dedicado às raízes históricas de nossa crise ecológica. Segundo o estudioso, a tradição judaico-cristã favoreceu uma compreensão dessacralizada da natureza; em decorrência do desenvolvimento da técnica, tal leitura profana do ambiente abriu as portas para uma exploração drástica e até voraz dos recursos, com consequências que pareciam catastróficas já na época da publicação do artigo.
White, cristão protestante, propõe como antídoto, àqueles que não queiram abandonar as raízes bíblicas, integrá-las à sabedoria oriental e valorizar impulsos “cristãos” ecologicamente sensíveis, como aqueles de Francisco de Assis. Muitos viram na encíclica Laudato si' de 2015 um passo significativo na direção almejada pelo estudioso.
Nas décadas seguintes desenvolveu-se um debate muito amplo, agora objeto de inteiras monografias.
Provavelmente não seria incorreto afirmar que, no plano da pesquisa especializada, as teses de White foram bastante redimensionadas.
Na recepção cultural mais ampla, no entanto, elas se tornaram quase um lugar-comum.
Um exemplo interessante é oferecido pela exegese bíblica. Praticamente todos os comentários recentes sobre o primeiro livro das Escrituras se sentem compelidos a explicar que o "domínio" humano referido em Gênesis 1,26 não pode ser entendido como autorização para o assalto ambiental; e que, no máximo, a tarefa do ser humano é a do "guardião", identificado em Gênesis 2,15, ou seja, dentro do outro relato da criação.
Se ignorarmos o evidente anacronismo (os humanos em que a Bíblia pensa devem prioritariamente se defender de uma natureza muito forte e perigosa, além de arrebatar-lhe os recursos para sobreviver: o Antropoceno ainda está bastante longe), não há nada de recriminável na recomendação: como qualquer relação, também aquela com o meio ambiente deve ser orientada para a responsabilidade, ao contrário do que realmente acontece.
As coisas mudam quando, no contexto do empenho necessário para interromper o processo de destruição da natureza do qual fazemos parte, muitas orientações teológicas propõem uma visão “romântica” do meio ambiente ou até mesmo sua ressacralização.
A intenção é obviamente louvável, mas é legítimo, ainda que impopular, opor-se em relação ao caminho intelectual escolhido para implementá-la.
A ideia de que o mundo não é nem divino (como gostaria o panteísmo de todos os tipos) nem demoníaco (contra múltiplas visões religiosas do tipo maniqueísta), mas profano, não é apenas efetivamente central em ambas as narrativas bíblicas da criação, mas constitui uma das mais explosivas contribuições de libertação oferecidas à humanidade pelas Escrituras judaicas e cristãs. A mesma imagem da “casa”, geralmente utilizada em sentido ecológico, tem um caráter profano e não sagrado.
Precisamente se a natureza é uma morada e não um templo, também a liturgia e o templo encontram o seu significado autêntico. A ciência da natureza e a tecnologia são frutos relativamente recentes, mas muito significativas, do mesmo processo: também nisso White e seus seguidores estão certos.
O potencial destrutivo da técnica é o ponto de partida de toda a reflexão: o problema, porém, é ela induzir as tradições cristãs a se unirem à demagogia irracionalista que propõe um retorno a um imediatismo com a natureza que na realidade nunca existiu. Não existe nenhum motivo teológico ou mesmo simplesmente lógico para considerar uma nova sacralização da natureza, de qualquer tipo, como alternativa à destruição suicida do meio ambiente.
A catástrofe climática e outros aspectos da crise ecológica constituem um apelo dramático à responsabilidade, não ao neorromantismo ou ao panteísmo. O lugar onde a responsabilidade é exercida é um mundo entrelaçado com a humanidade (“antropizado”).
Se esta última quer sobreviver, não pode deixar a natureza entregue a si mesma, mas nem mesmo destruí-la. Acredito que esta seja a mensagem sóbria, mas também feliz, das tradições bíblicas para o nosso tempo.
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Neopaganismo ecológico? Não, obrigado. Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU