06 Novembro 2018
Não há ecologia sem justiça social. A Laudato Si' explica isso muito bem naquele conceito de ecologia integral à qual o Papa está fortemente ligado: tudo está conectado, como conectado estão as duas grandes crises que atravessamos, ambiental e social. A crescente escassez de recursos naturais, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade são crises ligadas a fenômenos sociais, como a migração forçada, o aumento da disparidade econômica, a fome e a pobreza.
O artigo é de Carlo Petrini, publicado por Vita Pastorale, novembro de 2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para poder ouvir o clamor da terra, devemos dar voz àqueles que são as primeiras vítimas da atual crise ambiental e que geralmente não têm voz: os pobres. Aquelas pessoas que são privadas de direitos humanos básicos e que são os protagonistas dessa economia do descarte de que Francisco também fala e que devemos combater.
O que está acontecendo hoje à nossa casa comum, de fato, afeta principalmente os menores e fracos que vivem no hemisfério sul, onde a seca e aumento das temperaturas já provocaram a morte das terras férteis, criando novos desertos onde não há água nem comida e o instinto de sobrevivência leva à migração. A estreita relação entre esse problema crescente e a presença de refugiados nas costas europeias é imediata. Chegando ao lugar que, até recentemente, representava a maior esperança possível, em condições vitais vulneráveis, encontram um povo atemorizado que, por sua vez, luta de outras maneiras para sua sobrevivência e que, portanto, tem restrições em recebê-los.
O Papa Francisco, no entanto, repetidamente nos lembrou que os pobres não são "diferentes de nós", são nossos irmãos. E que devemos reagir à cultura do desperdício, abraçando antes a cultura do encontro. Encontrar e não simplesmente acolher, interagir e não apenas integrar. Acolhimento e integração pressupõem uma parte que recebe e uma que doa: a mudança precisa ocorrer justamente ali, entendendo que é uma troca e uma relação mútua.
Nisso, o alimento nos ensina muito, porque sempre foi o principal instrumento de interações vencedoras. Na história do mundo quem migrou sempre levou consigo sua própria cultura alimentar, que tem interagido com aquela local modificando-a e sendo modificada, moldando-a e sendo moldada. Além disso, dever-se-ia entender que o "problema" dos pobres é uma realidade que afeta também aqueles que, por sua sorte e não por seu mérito, não o vivem em primeira pessoa.
Não com objetivo de discurso filantrópico, mas porque o destino da comunidade a que pertencemos é a mesma, a terra mãe que nos hospeda é compartilhada e nenhum homem é uma ilha.
Portanto, não se fala em "ajudar" ou sentir piedade por alguém, mas sim de voltar a sentir aquele sentimento maravilhosamente humano da irmandade. A boa notícia é que o caminho a percorrer para melhorar a situação existe, e podemos persegui-lo todos nós, ninguém excluído. Para poder ouvir e compreender o clamor por ajuda daqueles que estão sofrendo hoje, devemos necessariamente desacelerar e começar a nos perguntar como chegamos até aqui. E, consequentemente, o que pode ser feito e o que deve ser mudado. Os dados não são animadores: o último relatório da FAO, O Estado de Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo, nos diz que a fome está crescendo: em 2017 o número de pessoas desnutridas aumentou, atingindo 821 milhões de pessoas, cerca de uma em nove, os níveis de quase dez anos atrás.
Ao mesmo tempo, os adultos obesos são 672 milhões, mais de um em oito, especialmente na América do Norte.
O último relatório da Oxfam diz que existe uma restrita elite de bilionários que compartilha a quase totalidade das riquezas mundiais: 1% da população divide entre si 82% da riqueza global, enquanto 789 milhões de pessoas estão em "pobreza absoluta". O desnível entre riqueza e pobreza é sempre maior. Uma mudança no sistema é extremamente necessária.
É por isso que existe a necessidade de trabalhar, ao mesmo tempo, para uma contração dos excessos da sociedade da opulência, onde se fica doente por obesidade e doenças decorrentes do consumo errado e imoderado de alimentos, e para promover uma convergência por parte das sociedades de escassez. Somente com uma visão geral desse tipo pode-se ter credibilidade, tanto diante daqueles que sofrem por fome, quanto daqueles que têm o estômago cheio. Com demasiada frequência, a política internacional busca soluções unívocas e definitivas, que, por sua natureza, não podem abarcar a complexidade.
É por isso que, de fato, às políticas unívocas é melhor preferir um "fazer política" diferente e diversificado, abrangendo as ações cotidianas de todos, porque – parafraseando uma frase de Padre Milani - fazer política significa produzir todos juntos a partir de um problema compartilhado. Uma verdadeira mudança requer o compromisso de todos, a consciência de ter uma influência e ser responsável não só pelo planeta em que vivemos, mas também por aqueles que habitam este planeta e não têm como reivindicar o direito.
Se a mudança tiver que ocorrer em escala global, nosso comportamento individual e nossas ações cotidianas podem orientar o futuro e fazer a diferença. Essa consciência só pode ser alcançada através da informação e educação, dois instrumentos complementares e necessários.
Se, de fato, por um lado, temos à disposição, em tempo zero e 24 horas por dia, uma quantidade infinita de informações, pelo outro, o acesso ao conhecimento é ainda algo elitista. O verdadeiro desafio é a democratização do saber.
Portanto, é necessário reconstruir um verdadeiro diálogo entre os saberes tradicionais e os conhecimentos acadêmicos.
Hoje a academia parece ser o único repositório de saber. E, em vez disso, os conhecimentos tradicionais das comunidades, dos idosos, dos camponeses e dos artesãos deveriam ter igual dignidade para poder trabalhar junto. Construir pontes ao invés de muros e ser promotores de novas alianças são os métodos para enfrentar a complexidade e as diversidades do mundo. Encontrar, interagir e conhecer parecem ser os elementos fundamentos para ouvir o clamor dos pobres, não ser incomodados por ele, mas compreender as causas e agir em conformidade, vivendo uma vida responsável e consciente, mais aberta à beleza do mundo, variado por natureza.
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O clamor da terra e a voz dos pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU