19 Outubro 2022
Parece realmente absurdo continuar vivendo como se fosse um dia qualquer, já que este pode ser o último dia. Não aprendemos nada com a enorme tragédia de Hiroshima e Nagasaki.
A reflexão é do historiador da arte italiano Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles. O artigo foi publicado no caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 14-10-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Uma coisa eu digo a vocês, irmãos: o tempo se tornou breve. De agora em diante, aqueles que têm esposa, comportem-se como se não a tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se alegram, como se não se alegrassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; os que tiram partido deste mundo, como se não desfrutassem. Porque a aparência deste mundo é passageira.”
Esse famoso trecho escatológico da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios está martelando na minha cabeça há dias. Porque realmente poderíamos estar muito perto do fim do mundo. Eu me pergunto, enquanto escrevo, se esta coluna será publicada: ou se, antes, a loucura maligna de Vladimir Putin e o irresponsável belicismo dos governos atlânticos não dizimarão a humanidade com um holocausto nuclear.
Ninguém tem uma resposta. E parece realmente absurdo continuar vivendo como se fosse um dia qualquer, já que este pode ser o último dia. Não aprendemos nada com a enorme tragédia de Hiroshima e Nagasaki.
Então, vamos cortar o fio das preocupações de todos os dias e fixemos o nosso olhar nos olhos monstruosos da górgona nuclear. Iri (1901-1995) e Toshi Maruld (1912-2000) eram dois artistas, marido e mulher. Chegaram a Hiroshima, onde tinham parentes e amigos, três dias depois da explosão nuclear de 6 de agosto de 1945.
Iri e Toshi Maruki. The Hiroshima Panels, II, 1950. Maruki Gallery, Higashi-Matsuyama, Saitama, Japão
Foto: Art Tribune
Como contariam mais tarde, “a pouco mais de dois quilômetros do centro da explosão, a casa da família ainda estava de pé. Mas o telhado, as telhas e as janelas haviam sido varridas pela explosão, junto com panelas, tigelas e utensílios da cozinha. Mesmo assim, a estrutura incendiada havia ficado de pé, e um grande número de feridos havia se reunido ali e jazia no chão. Transportamos os feridos, cremamos os mortos, procuramos comida e encontramos folhas de latão queimadas para consertar o telhado. Com o fedor da morte e as moscas e os vermes ao nosso redor, vagávamos justamente como aqueles que experimentaram a bomba”.
A única maneira de conviver com aquele horror foi representá-lo, ao longo de uma vida inteira. Somente em 1982 foram concluídos os 15 painéis, medindo dois metros por sete: assim nasceram os “Gebanku no zu”, os painéis da bomba atômica.
É uma obra grandiosa e terrível, que somente vista no seu conjunto consegue restituir todo o horror que seus autores experimentaram. Todo o horror, mas também toda a vontade de o recordar: e de viver novamente.
Mas e nós? Onde está a nossa memória? Onde está a nossa vontade de viver? Um dos painéis representa a mobilização popular pela paz que se espalhou graças às mães do bairro Suginami, em Tóquio. E nós, o que ainda estamos fazendo fechados dentro de casa?
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O horror como vontade e representação. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU