No Maranhão, uma das questões mais urgentes a serem discutidas diz respeito à violência contra quilombolas, comunidades tradicionais, posseiros e assentados da reforma agrária. Os conflitos de terra que se voltam contra essas populações colocaram o Estado no mapa da violência no campo, ao mesmo tempo em que ocorre a expansão do agronegócio e, particularmente, o avanço da fronteira agrícola da soja. Só no primeiro trimestre deste ano, foram registrados 92 conflitos de terra, segundo a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (Fetaema).
A reportagem é de Nicoly Ambrosi, publicada pelo site Amazônia Real, 27-09-2022.
É no Maranhão que lideranças camponesas, indígenas e quilombolas sofrem um processo de perseguição sem tréguas. Em 2012, seis membros do grupo Guardiões da Floresta, criado por indígenas Guajajara, com apoio de outras etnias, como os Kaapor e Gavião, foram assassinados. Ao longo desses dez anos, a luta para fazer a proteção e a vigilância de terras indígenas permaneceu, assim como as ameaças. O último assassinato aconteceu este mês, na Terra Indígena (TI) Arariboia, onde Janildo Oliveira Guajajara foi morto com tiros nas costas. Ele atuava como guardião desde 2018.
Em condições normais, essas questões seriam levadas em conta nas propostas de governo. Mas não é o que se vê entre os três principais candidatos para a eleição no Maranhão do próximo domingo (2/10): Carlos Brandão (PSB), Weverton Rocha (PDT) e Lahesio Bonfim (PSC). Em suas propostas registradas junto ao Tribunal Superior Eleitoral, não existe o termo “Amazônia Legal”. Na do médico Lahesio Bonfim, a palavra “Amazônia” nem aparece. Estado pertencente à região Nordeste, o Maranhão integra também a Amazônia Legal, mas esta parece ter pouca importância para o seu futuro governante.
Campeão em violência no campo, o Maranhão tem cerca de 11,4 milhões de hectares de terra ainda sem destino fundiário, o que representa 44% do total do Estado, segundo estudo do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
A devastação das porções da Amazônia e do cerrado colocou o Maranhão entre os quatro Estados que mais desmataram no Brasil entre 2019 e 2021, segundo o Relatório Anual de Desmatamento do Brasil. O levantamento mostra que a vegetação amazônica foi a mais destruída nesses três anos e que a devastação foi causada pelo agronegócio. A atividade é responsável pelo desmatamento de mais de 97% de toda essa área e é defendida pelos três principais candidatos ao governo estadual. O estudo aponta ainda irregularidades em quase todos os casos analisados, onde a cada dez locais com registro de desmatamento, sete estão no Cadastro Ambiental Rural.
Em cima, á esquerda: Lahesio Bonfim (PSC), candidato ao governo do Maranhão com o apoio de Bolsonaro (PP) | Em cima, á direita: Weverton Rocha (PDT), candidato ao governo do estado do Maranhão | Em baixo: Carlos Brandão (PSB), candidato ao governo do Maranhão, ao lado do ex-presidente José Sarney (Foto: Divulgação/Redes sociais)
O governador Carlos Brandão era vice de Flávio Dino, que agora tenta o Senado pelo PSB. Apoiador de Lula, o candidato ao governo conta com um vice filiado ao PT, Felipe Camarão. Ele cita em seu plano de governo propostas ambientais, mas a pauta ambiental é mencionada em projetos destacados superficialmente, entre eles o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas (PPCDQ), a defesa dos recursos naturais, o reflorestamento e o apoio a comunidades indígenas e do campo que possam desenvolver planos de conservação ambiental. Entre as propostas está a implementação do Projeto Amazônico de Gestão Ambiental e Social Sustentável e o plantio de 200 mil mudas no bioma amazônico.
Quanto às populações tradicionais e quilombolas, o candidato do PSB promete assegurar, em parceria com os municípios, o cadastro destes grupos sociais e a atualização contínua dos dados no Cadastro Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais.
Brandão defende o acesso e o direito à educação e a capacitação profissional para essas comunidades, assim como atestar produtos feitos a partir de técnicas ancestrais quilombolas e realizar um inventário de produtos, modos de produção e receitas tradicionais. Mas não há em suas propostas algum item sobre os direitos à terra para essas populações.
Desmatamento, queimadas e expansão pecuária dentro dos Territórios Indígenas no estado do Maranhão (Foto: Victor Moriyama/Greenpeace)
Weverton Rocha é senador do Maranhão e se diz “melhor amigo de Lula”, mesmo sendo do partido de Ciro Gomes (PDT) e tendo como vice o deputado estadual e bolsonarista Hélio Soares (PL). Seu plano de governo, na eleição no Maranhão, limita-se a citar uma proposta de apoio à capacitação dos operadores do Sistema de Garantia dos Direitos Humanos para a proteção de indígenas, quilombolas, ciganos e povos e comunidades tradicionais. Por meio de uma parceria com a Fetaema, defende desenvolver uma política pública para a agricultura familiar.
O debate ambiental para Weverton Rocha gira em torno de questões como a possível reorganização do banco de dados sobre a Amazônia Maranhense e saneamento básico, sem citar medidas para impedir o desmatamento, as invasões e a grilagem de terras em territórios ameaçados como a Amazônia Maranhense e o cerrado.
Já a candidatura de Lahesio Bonfim, que se assume de direita e é alinhada ao presidente Jair Bolsonaro, enxerga o Maranhão como “um dos mais promissores polos de produção no agronegócio”. Algumas de suas propostas têm caráter assistencialista, prometendo assistência técnica, sementes e implementos agrícolas, energia solar e “proporcionar condições de educação formal nas comunidades indígenas, quilombolas e áreas rurais distantes”.
Com previsão de segundo turno, a disputa pelo governo do Maranhão se dá em torno de nove candidatos. Além dos três principais, que fazem campanha procurando se espelhar na eleição presidencial, estão na disputa Edivaldo (PSD), Enilton Rodrigues (Psol), Frankle Costa (PCB), Hertz Dias (PSTU), o Professor Joas Moraes (DC) e (Solidariedade).
Para o advogado Diogo Cabral, que atua junto a Fetaema, a destruição dos biomas naturais do Estado bem como a exploração que causa violência as populações do campo, quilombolas e indígenas, decorre de ações planejadas dos governantes, ancoradas por um modelo de desenvolvimento predatório e excludente. “Por conta desse modelo adotado com ações programadas do Estado, e eu falo tanto do governo federal quanto do estadual, temos um cenário de completa devastação que submete povos e comunidades tradicionais a situações de brutalidade, de mortes, ameaças e expulsões”, diz.
O Maranhão ainda se ressente de leis de terra frágeis, como por exemplo a falta de um prazo limite para ocupações que podem ser regularizadas. As leis estaduais 5.315/1991, 10.398/2015 e a Instrução Normativa Iterma 005/2016 citam somente o prazo de um ano como exigência legal de tempo de ocupação para terras que podem ser regularizadas, não exigindo a recuperação ambiental da área desmatada antes da titulação ou consulta prévia a outros órgãos fundiários e à sociedade antes da destinação das glebas públicas à regularização por venda ou doação destes territórios.
O advogado defende que a garantia do acesso à terra para as comunidades tradicionais deve ser priorizada pelo próximo governo, sendo de fundamental importância para amenizar as desigualdades sociais e econômicas que assolam o Maranhão. O Índice de Desenvolvimento Humano é de 0,639, o penúltimo do Brasil. O Estado possui o pior indicador de pobreza do País, em torno de 60% de sua população.
“A raiz de todas as desigualdades e toda a miséria no Maranhão está centrada exatamente nessa questão fundiária e nesse modelo de desenvolvimento predatório”, afirma. Em 2021, o Estado concentrou um terço dos assassinatos do Brasil ligados a conflitos de terra, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Procurados, os candidatos Carlos Brandão, Weverton Rocha e Lahesio Bonfim não responderam aos pedidos para entrevistas pela Amazônia Real.