28 Setembro 2022
"A Ucrânia é tão importante quanto a Guerra Civil Espanhola: apoiar Kiev, mas ser contra a UE é uma contradição insuperável", diz o professor da Universidade de Princeton, que explica a posição dos EUA: "Washington será pragmática. Sobre os direitos, no entanto, fomos críticos com a Hungria, e seremos críticos com a Itália, se ocorrerem ataques semelhantes".
O filósofo de Princeton Michael Walzer não vê alternativa: "Ser a favor da Ucrânia, mas contra a UE é uma contradição insuperável. Giorgia Meloni terá de se tornar mais europeia do que pensava, se quiser realmente deter Putin”.
A entrevista é de Paolo Mastrolilli, publicada por La Repubblica, 27-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como avalia o resultado das eleições italianas?
Um choque, para aqueles como eu, que cresceram com as lições de Bobbio e dos irmãos Rosselli. Anima-me um pouco que a coalizão de direita esteja dividida na política externa. Meloni afirma favorecer a Ucrânia, e espero que seja verdade, mas há divisões profundas.
Você acredita quando diz que o fascismo pertence ao passado?
Não há dúvida de que alguns de seus apoiadores descendem daquela história. Veremos como ela vai governar.
Será capaz de se manter firme quanto à Ucrânia, se Salvini e Berlusconi pedirem uma mudança de linha, e as dificuldades econômicas mobilizarem as pessoas contra as sanções?
Espero que ela não faça compromissos. Espero que ela seja forte e corajosa o suficiente, mas Salvini e Berlusconi têm posições diferentes e isso é um problema.
Por que é tão vital que a Itália não mude de linha?
O que acontece na Ucrânia é tão importante quanto a Guerra Civil Espanhola. É um momento de prova. Se as pessoas decentes permanecerem unidas, a agressão russa pode ser derrotada, mas exige resistência, determinação política e moral por parte do Ocidente. Nos anos 1930 falhamos, com as consequências que conhecemos. Espero que não volte a acontecer.
Meloni pode ser a favor da Ucrânia, mas contra a UE?
É uma contradição insuperável. Espero que a Itália não siga o exemplo da Hungria. Se Meloni realmente apoiar a frente unida contra Putin, terá que se tornar mais europeia do que pensa que é. Haverá restrições à imigração, mas dividir a UE compromete a frente ocidental contra as autocracias.
Do ponto de vista econômico, a Itália pode prescindir da UE?
Muitos dos problemas atuais de Londres derivam do Brexit, não acredito que a Itália possa prosperar com a autarquia. A pressão econômica e empresarial das empresas italianas será a favor da UE.
Os direitos correm o risco de se tornar uma frente de discussão com os EUA?
É difícil interpretar Meloni sobre o aborto. Os países europeus seguiram um processo legislativo que não tivemos nos EUA, para encontrar acordos. O acesso ao aborto é fácil, mas não ilimitado. Será difícil cancelar esses acordos.
Você vê uma reação coordenada entre os conservadores sobre os direitos?
Claro, está acontecendo. Estamos voltando a combater batalhas travadas e vencidas há muito tempo. Há um ressurgimento da extrema direita, ajudada aqui pelo apoio da classe trabalhadora a Trump.
O pecado original da esquerda que se tornou elitista?
Sim. E esse populismo tem formas de esquerda e direita.
Foi o erro que favoreceu a vitória de Meloni?
As políticas neoliberais foram um desastre para a esquerda. Clinton e Obama abandonaram a classe trabalhadora. Eles observaram o declínio dos sindicatos e a desindustrialização dos EUA sem nenhuma resposta para manter uma conexão com a classe trabalhadora. Pessoas que se sentem abandonadas pelas elites estão certas. Biden entendeu isso e o plano Build Back Better foi a resposta, mas não encontrou apoio no Congresso.
Será o mesmo motivo do retorno dos 5Stelle?
Esses 15% é uma surpresa, e foi tirado da esquerda. Seria necessária uma coalizão entre Pd e 5Stelle. A frente unida contra Meloni teria vencido, mas a esquerda está sempre dividida.
A vitória de FdI tem suas raízes nas causas que já ajudaram o populismo, ou há algo mais?
Desigualdade, imigração, ressentimento com as elites. Quando Trump falava disso, ele não estava se referindo ao 1% dos supercapitalistas, mas aos profissionais liberais, aqueles 10 ou 20% da população contra quem os estadunidenses comuns se ressentem.
A nostalgia do fascismo não tem nada a ver com isso?
Não sei. Talvez na Itália as pessoas comuns tenham a sensação de que antes eram fortes e tinham um líder que acreditava nelas. Talvez haja esse desejo de um líder forte.
Você vê riscos de antissemitismo?
Claro, de uma forma adaptada aos tempos. Os judeus estão entre os profissionais, as pessoas com nível superior, e se tornam alvos fáceis quando se atacam as elites. Vemos isso e ficamos preocupados.
O secretário de Estado Blinken disse estar pronto para trabalhar com o novo governo na Ucrânia, direitos humanos e economia.
Os EUA seguirão uma abordagem pragmática. Sobre os direitos, no entanto, fomos críticos com a Hungria e o seremos com a Itália, se ocorrerem ataques semelhantes.
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“A vitória da direita foi um choque. Agora tem que escolher entre Europa e autocracias”. Entrevista com Michael Walzer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU