18 Agosto 2022
“O que aconteceria se Francisco, ou qualquer outro papa, entrar em coma e não conseguir renunciar? O que aconteceria se ele ficasse mentalmente incapacitado?”, indaga o jesuíta estadunidense Thomas Reese, jornalista, em artigo publicado por Religion News Service, 16-08-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Apesar de falar repetidamente que não tem planos para se aposentar, o Papa Francisco recentemente deixou claro que se ele estiver muito doente para cumprir seus deveres, ele renunciaria a sua posição, embora de forma diferente do seu predecessor, Bento XVI.
Mas o que aconteceria se Francisco, ou qualquer outro papa, entrar em coma e não conseguir renunciar? O que aconteceria se ele ficasse mentalmente incapacitado?
Esses cenários são pesadelos para a Igreja Católica, porque o Vaticano não tem nada como a 25ª Emenda da Constituição dos EUA, que provê um processo de substituição de um presidente que estiver inapto para cumprir seus deveres.
No passado, pessoas em coma não viviam muito. Eles logo morriam de desidratação ou fome. Hoje, pessoas em coma podem sobreviver por meses e anos. Se o papa estiver em coma por meses ou anos, o que aconteceria?
Ainda, no passado, se um papa enlouquecesse, os cardeais o trancavam em uma sala e administravam a Igreja até que ele morresse. Eles não poderiam fazer isso hoje na era das mídias sociais.
Mas nesses dias difíceis, em que conservadores e fãs de Francisco contestam cada posição do outro, qualquer ação do Colégio de Cardeais ou da Cúria Romana para enfrentar emergência seria considerada ilegítima por qualquer lado e levaria a um cisma na Igreja.
A maioria dos católicos, é claro, isso não afetaria. A vida ordinária da Igreja, a qual é muito descentralizada, continuaria com um papa impedido. As missas continuariam, os sacramentos seriam celebrados, os bispos continuariam administrando suas dioceses.
Mas diferentemente de séculos atrás, o papa é hoje tão central para o governo da Igreja que é difícil imaginá-la sem um papa.
Algumas centenas de anos atrás, os bispos foram selecionados a nível local. Hoje, quando um bispo morre, um administrador com autoridade limitada é escolhido pelos consultores diocesanos até que o papa escolha pessoalmente um novo bispo. Sem um papa, novos bispos não poderiam ser nomeados.
O papa também desempenha um papel essencial como chefe do colégio dos bispos. Sem ele, poderíamos ver a faculdade caindo rapidamente em disputas sobre doutrina e prática. Um papa também é necessário para dirigir a Cúria do Vaticano.
Há rumores de que papas recentes escreveram documentos secretos dando instruções sobre o que fazer se entrarem em coma, mas a autenticidade de qualquer documento pode ser questionada se não for divulgado até que o papa tenha sido prejudicado. Além disso, os procedimentos podem não ser vinculativos se não forem oficialmente promulgados. Melhor ter uma lei pública que estabeleça o procedimento adequado para que todos saibam como proceder.
Como pode ser tal procedimento?
Primeiro, não deve ser um procedimento fácil ou rápido. Não gostaríamos de um procedimento rápido quando o papa pudesse sair do coma e descobrir que foi substituído.
Segundo, deve ser um procedimento público e transparente que leve ao consenso de que a coisa certa foi feita para o bem da Igreja. Não queremos um procedimento que possa ser acusado de golpe de Estado.
O processo pode ser mais ou menos assim: para iniciar o processo, seria necessária uma petição assinada por um terço dos cardeais eleitores para convocar uma reunião dos cardeais para determinar a capacidade do papa de governar. Eles poderiam exigir que profissionais médicos examinassem o papa e relatassem a eles sobre o estado de sua saúde.
Seria então necessário um voto de dois terços dos cardeais eleitores para declarar o papa incapaz de cumprir seus deveres. Esta declaração teria então que ser ratificada por dois terços dos votos de todos os bispos diocesanos do mundo. Esses votos dos cardeais e bispos devem ser registrados publicamente.
Esse procedimento levaria tempo e seria propositalmente difícil estabelecer um padrão alto para remover um papa. Exigiria amplo consenso dentro da Igreja de que o papa não é mais capaz de fazer seu trabalho. Com alguma sorte, o papa morreria antes que o procedimento fosse concluído.
Tornar o procedimento difícil e demorado limitaria a tentação de usar o procedimento para remover um papa do qual algumas pessoas discordam.
Uma vez que dois terços dos bispos concordam que o papa não pode mais exercer sua função, os cardeais podem se reunir em conclave e eleger um novo papa, seguindo os procedimentos normais.
Se um papa for impedido e nenhum procedimento estiver em vigor, os advogados canônicos debaterão o que fazer. A Diocese de Roma, o secretário de Estado, a Cúria Romana e o Colégio dos Cardeais podem apresentar diferentes formas de proceder. Os desacordos levariam a divisões na igreja. Sem acordo, pode haver cisma.
O que descrevo é um cenário de pesadelo, mas possível. É evitável se o papa promulgar procedimentos para lidar com um papa incapacitado.
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E se um pesadelo acontecesse na Igreja? O papa em coma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU