16 Julho 2021
O papado de Francisco só terá sucesso se ele for seguido por papas que estejam em sintonia com a sua abordagem do catolicismo, e isso não está garantido.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 13-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco parece estar se recuperando bem da sua cirurgia do dia 4 de julho, quando o pontífice de 84 anos foi submetido a um procedimento de três horas para tratar de uma estenose diverticular. Um porta-voz vaticano disse que ele ficará “mais alguns dias internado para otimizar a sua terapia médica e de reabilitação”.
Mas, mesmo com o melhor prognóstico, a idade está alcançando Francisco. Salvo um milagre, ele só deverá continuar como papa por mais cinco ou seis anos. Podemos olhar para a sua hospitalização como o momento que marcou o início do fim do seu papado.
Se esse for o caso, também poderemos contar conquistas incríveis.
Como pastor, Francisco tem conquistado a imaginação do mundo com a sua compaixão e abertura a todas as pessoas. Ele tem colocado o amor, especialmente o amor pelos pobres, no centro das atenções em sua pregação do Evangelho.
Como líder mundial, ele tem colocado o seu papado diretamente do lado dos migrantes e refugiados. E tem sido uma voz profética contra o aquecimento global e os excessos do capitalismo.
E, dentro da Igreja, ele tem encorajado o diálogo e um estilo de governo mais consultivo: dito de maneira direta, a Congregação para a Doutrina da Fé não atua mais como a Inquisição de antigamente.
Em suma, Francisco rebatizou o papado para o século XXI, com uma voz pastoral, profética e inclusiva.
Ele tem tido menos sucesso em conquistar o establishment clerical para a sua visão de Igreja. Em seus oito anos como papa, Francisco pouco alterou o establishment clerical que herdou.
Muitos bispos e padres da Cúria Romana e do mundo inteiro acham que a sua eleição foi um erro e esperam um retorno àquilo que consideram normal no próximo papado. Eles acham que ele não enfatizou o dogma e as regras o suficiente, então não estão cooperando.
Mesmo assim, Francisco tem tratado esses opositores com a gentileza de um pastor que espera a sua conversão. Qualquer outro CEO simplesmente substituiria quem não está dentro da sua agenda, mas Francisco se recusa a demitir pessoas.
Como resultado, ele tem esperado até que as autoridades da Cúria e os bispos alcancem a idade da aposentadoria. Para que tal estratégia surta efeito, é necessário um papado muito longo, como o reinado de 27 anos de João Paulo II, seguido pelos oito anos de Bento XVI.
Durante esse período de 35 anos, João Paulo II e Bento XVI refizeram o episcopado à sua imagem. O teste decisivo era a lealdade e a ortodoxia como eles a definiam. Qualquer pessoa que questionasse a posição do papado sobre o controle de natalidade, os padres casados ou as mulheres padres era desqualificado. Esses bispos, então, renovaram os seminários, que produziram o clero que temos hoje.
Um dos melhores exemplos são os Estados Unidos, onde nem a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos nem os seminários são bastiões de apoiadores de Francisco. Os bispos que encarnam os valores de Francisco somam apenas entre 20 e 40 dos 223 bispos estadunidenses na ativa. E, entre o clero, Francisco recebe seu maior apoio dos padres mais idosos, que estão morrendo, e não dos mais jovens que são o futuro da Igreja.
Em vez de levar a sério o axioma de que “as pessoas são a política”, ele deixou um nomeado de Bento XVI, o cardeal Marc Ouellet, como prefeito da Congregação para os Bispos, o escritório que examina as candidaturas ao episcopado. Os núncios, que sugerem os candidatos episcopais, também foram treinados e promovidos por João Paulo II e Bento XVI, e, durante os três primeiros anos do papado de Francisco, o arcebispo Carlo Maria Viganò, um arqui-inimigo, atuou nessa função nos Estados Unidos.
Como resultado, mesmo os bispos estadunidenses nomeados por Francisco são uma grande mistura.
Enquanto isso, encontrar jovens candidatos ao sacerdócio que apoiem Francisco e queiram ser celibatários é como procurar unicórnios católicos, e, mesmo que você os encontrasse, provavelmente eles não seriam bem recebidos pelos seminários conservadores. Como resultado, os leigos que são encorajados a ir à Igreja porque gostam de Francisco dificilmente o encontrarão em suas paróquias ou dioceses.
Reformar a Igreja Católica leva décadas, e não anos. Se o seu papado for considerado um fracasso, será porque Francisco fracassou em substituir ou em sobreviver ao establishment clerical instituído por João Paulo II e Bento XVI.
Seu papado só terá sucesso se ele for seguido por papas que estejam em sintonia com a sua abordagem do catolicismo, e isso não está garantido. Ele nomeou homens simpáticos para o Colégio dos Cardeais, mas os conclaves são imprevisíveis, como a sua própria eleição mostrou.
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O início do fim do papado de Francisco. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU