31 Mai 2021
Sempre que há uma vaga no papado, alguns velhos ditados sobre o processo de escolha de um papa voltam a circular. O ditado: “Quem entra em um conclave como papa sai como cardeal” é perene, assim como este: “Quem fala não sabe, e quem sabe não fala”.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado em Crux, 30-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na realidade, ambos são praticamente tolices, mas isso não os impede de serem repetidos até à exaustão.
Entre os italianos, sempre “coloridos”, há também o ditado: “Depois de um papa gordo, vem um magro”. A ideia é que uma perspectiva única não deve dominar a Igreja por muito tempo.
O meu favorito pessoal, no entanto, é este: “Quem realmente quer ser papa não entende o trabalho”.
O pensamento vem à mente de novo nos últimos dias, enquanto as estrelas se alinham para sugerir que o Papa Francisco enfrenta uma série de escolhas agonizantes. Cada uma delas representa uma lição prática de por que nunca é fácil estar no comando, especialmente de uma instituição global complexa com um séquito de 1,3 bilhão de pessoas altamente diversificadas e expectativas de ser um exemplo moral.
Há não muito tempo, o Papa Francisco recebeu uma carta aberta de empregados vaticanos reclamando do seu recente motu proprio que decretou cortes de salários, como parte de um esforço para equilibrar o déficit crescente do Vaticano estimado este ano em quase 100 milhões de dólares, sem recorrer aos fundos de Óbolo de São Pedro, a coleta anual destinada a apoiar as atividades papais.
Os trabalhadores argumentaram que o verdadeiro problema com a gestão do dinheiro do Vaticano não é que o pessoal da linha de frente seja pago em excesso, mas sim que os salários de certos administradores leigos superestrelas estão grosseiramente inflacionados, e que muito dinheiro está sendo gasto com consultores externos caros, cujas recomendações muitas vezes acabam sendo ignoradas ou ineficazes.
Os trabalhadores pediram uma reunião com o pontífice para discutir a questão. O Vaticano ainda não comentou se tal encontro ocorrerá, mas é difícil imaginar que qualquer papa se recusaria a se sentar com a sua própria equipe.
Como pano de fundo, mesmo sem o impacto da crise da Covid-19, o Vaticano estaria em uma situação financeira precária, porque as suas entradas não são suficientes para sustentar a sua folha de pagamento atual, muito menos cumprir suas obrigações de pensão. Como um terço da força de trabalho vaticana está a cinco anos de se aposentar, essa crise previdenciária iminente representa uma bomba-relógio fiscal.
O Papa Francisco enfrenta algumas opções, todas pouco atraentes:
1. Demitir ou dispensar cerca de um terço da sua folha de pagamento, em meio a uma pandemia global e enquanto ele prega ao mundo sobre a necessidade de cuidar do pequenino.
2. Abandonar esses administradores leigos e consultores externos muito bem pagos, potencialmente às custas de privar o Vaticano de uma expertise profissional extremamente necessária.
3. Renegar as obrigações de pensão do Vaticano, informando às pessoas que prestaram serviços leais durante décadas que os fundos que foram prometidos na aposentadoria simplesmente não existem.
4. Ir com o chapéu na mão ao encontro dos próprios barões capitalistas corporativos que ele frequentemente critica, para pedir dinheiro para manter o Vaticano respirando.
Nenhuma dessas possibilidades é óbvia, e todas teriam um alto custo político e financeiro.
Na sexta-feira passada, o Vaticano anunciou que o Papa Francisco ordenou uma investigação sobre a Arquidiocese de Colônia por uma suposta má gestão de casos de abuso sexual, incluindo o papel pessoal desempenhado pelo cardeal Ranier Maria Woelki, pelo arcebispo Stefan Hesse, de Hamburgo (que atuou como vigário geral da Arquidiocese de Colônia de 2012 a 2015) e dos bispos auxiliares Dominikus Schwaderlapp e Ansgar Puff.
O inquérito vem ao mesmo tempo em que a Igreja alemã está dando continuidade ao seu “Caminho Sinodal”, incluindo a publicação de um “texto fundamental” no início deste ano que recentemente recebeu uma repreensão contundente do arcebispo Samuel Aquila, de Denver, nos Estados Unidos, que acusou os alemães de se desviarem da ortodoxia católica em relação à ordenação de mulheres, à estrutura hierárquica da Igreja e a outras questões fundamentais.
Por um lado, Francisco é claramente um defensor da sinodalidade e não gostaria de ser visto tentando esmagar uma experiência precisamente nessa virtude. Por outro lado, ele não deu nenhum sinal de que esteja disposto a aprovar pelo menos algumas das recomendações que parecem estar fervilhando no processo alemão, e o fato de permitir que ele avance pode, portanto, preparar o terreno para a decepção.
No que diz respeito a Colônia, se o processo acabar com a renúncia de Woelki, então Francisco terá que nomear um sucessor. Essa escolha não seria apenas minuciosamente examinada em relação ao que ela poderia dizer sobre a crise dos abusos, mas também poderia alterar o equilíbrio de poder dentro do episcopado alemão à medida que o caminho sinodal se desenrola.
É desnecessário dizer que nenhuma dessas opções será fácil.
Reportagens na mídia italiana e em sites católicos tradicionalistas nos últimos dias sugerem que, quando o Papa Francisco se encontrou recentemente com os bispos italianos, ele disse que foi elaborado um terceiro esboço de um decreto que restringe a celebração da missa em latim pré-Vaticano II, liberalizada pelo Papa Emérito Bento XVI em seu edito Summorum pontificum, de 2007.
De acordo com esses relatos, o Papa Francisco afirmou que Bento XVI queria ir ao encontro dos tradicionalistas ainda ligados à missa antiga, mas que hoje são principalmente os seminaristas mais jovens que nem mesmo sabem latim que insistem nisso. Ele aparentemente contou a história de um bispo que foi abordado por um jovem padre que disse que pretendia celebrar a missa na forma antiga, o que levou o bispo a perguntar se ele entendia latim. Quando o jovem padre respondeu que estava aprendendo, o bispo disse que ele poderia gastar seu tempo mais proveitosamente aprendendo espanhol ou vietnamita, as línguas comumente mais faladas na sua diocese, além do inglês.
É verdade que Francisco é um papa verdadeiramente do Vaticano II, e pode parecer uma decisão fácil reverter uma medida vista em setores mais progressistas como uma concessão indevida aos opositores das reformas litúrgicas do Concílio.
Exceto por duas considerações: uma, qualquer medida desse tipo desencadearia uma reação violenta em setores mais tradicionalistas da Igreja, criando uma nova tempestade de fogo.
Segunda, o Summorum pontificum, em muitos aspectos, foi a principal decisão de Bento XVI, a mais expressiva da sua visão de uma “hermenêutica da reforma, da renovação na continuidade do único sujeito-Igreja que o Senhor nos deu”. Se Francisco o revogasse efetivamente, seria praticamente impossível insistir por mais tempo – como o papa e seus aliados sempre fizeram – que Bento e Francisco estão em perfeita harmonia um com o outro.
Portanto, Francisco enfrenta uma escolha entre deixar de defender aquilo que ele vê como o legado de uma virada decisiva na história da Igreja e assinar uma perceptível ruptura com um pontífice que ele claramente respeita e estima.
Você ainda acha que o papado é divertido?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Três escolhas difíceis mostram por que o papado pode não ser nada divertido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU