08 Agosto 2022
Atualmente, o bispo é apresentado pela Igreja Católica como um exemplo de vida cristã, o Papa Francisco reconheceu sua morte como martírio e avança o processo para declará-lo santo. Como resultado dos processos judiciais deste ano, a certidão de óbito foi retificada, que apresentava sua morte como acidente de trânsito.
A reportagem é de Washington Uranga, publicada por Página/12, 05-08-2022. A tradução é do Cepat.
No dia 4 de agosto de 1976, há 46 anos, o então bispo de La Rioja, Enrique Angelelli, foi assassinado quando, na companhia de seu vigário Antonio Pinto, dirigia sua caminhoneta em uma viagem de Chamical à capital La Rioja. O incidente ocorreu poucos dias depois do assassinato dos padres Carlos Murias e Gabriel Longueville e do leigo Wenceslao Pedernera, todos ligados ao bispo. Hoje, por decisão do Papa Francisco, Angelelli é venerado como beato da Igreja Católica e apontado como exemplo de vida, ao mesmo tempo que leva adiante o processo eclesiástico que o levará a ser declarado santo.
O assassinato foi apresentado na época como um acidente e demorou até 2014 para o Tribunal Federal Oral de La Rioja emitir uma sentença declarando que a morte do clérigo foi um crime contra a humanidade cometido no âmbito do terrorismo de Estado. Luciano Benjamín Menéndez e Luis Fernando Estrella, autores diretos do homicídio, foram condenados à prisão perpétua.
A partir da sua matriz evangélica, Angelelli tornou-se um forte defensor das causas populares e porta-voz dos excluídos. Por este motivo, teve grande reconhecimento do povo de La Rioja, não só dos fiéis cristãos. Sua presença irritou a ditadura militar que naquele mesmo ano usurpou o poder no país.
A atitude comprometida de Angelelli também foi motivo de preocupação para as instituições eclesiásticas da época chefiadas pelo arcebispo Raúl Francisco Primatesta, homem de boas relações com o regime ditatorial. É por isso que a hierarquia católica da época preferia dar como certa a versão da morte acidental. A causa da beatificação de Angelelli e seus companheiros mártires ficou paralisada por muitos anos e institucionalmente a Igreja local desconsiderou o caso.
Somente em 2006, por iniciativa do cardeal Jorge Bergoglio a causa foi assumida pela Igreja. Naquele ano, Bergoglio liderou uma missa em La Rioja pelo 30º aniversário da morte de Angelelli e promoveu uma comissão episcopal para investigar o que aconteceu. Naquela ocasião, o hoje Papa Francisco mencionou a “ousadia, a coragem e a resistência apostólica” de Angelelli, referindo-se explicitamente ao “derramamento de sangue” e descreveu o bispo como “um pastor que dialogava com seu povo”. Mais tarde, dom Marcelo Colombo, atual vice-presidente do episcopado, ficou encarregado do processo de canonização.
Nascido em Córdoba em 1923, Enrique Angelelli trabalhou como sacerdote com a Juventude Operária Católica (JOC), aos 45 anos foi nomeado bispo de La Rioja e como tal participou do Concílio Vaticano II, evento eclesial que deu início a um processo de renovação da Igreja Católica sob o impulso do Papa João XXIII.
Falando em El Chamical em 22 de julho de 1976, após o assassinato de seus colaboradores, o bispo riojano fez uma homilia na qual afirmou que “este povo, como qualquer outro do país, precisa de pastores que continuem fazendo o que Carlos e Gabriel fizeram até agora, e pelo qual morreram”. E acrescentou que “eles deram a vida, não por serem tolos ou ingênuos, mas pela fé, por servir, por amar, para que entendamos o que é servir, o que é amar, o que não é ser tolos”.
Também disse que “não há nenhuma página do Evangelho que nos mande ser tolos. Cristo nos ensina a ser humildes como a pomba e astutos como a serpente; Ele nos manda tomar a cruz todos os dias e segui-lo; nos manda que nos regozijemos na perseguição; manda que sejamos mansos de coração e tenhamos a alma e o coração dos pobres; nos manda procurar os mais necessitados porque são os privilegiados do Senhor, e não rejeitar ninguém, porque a sua resposta é para todos os homens e para todo homem, mesmo que se queira duvidar desta verdade”.
Em 2019, o Papa Francisco reconheceu o “martírio” de Angelelli e seus companheiros e em 27 de abril do mesmo ano uma cerimônia realizada em La Rioja serviu para tornar o fato visível. Alguns dias antes, os bispos argentinos expressaram “a grande alegria pela beatificação próxima de dom Enrique Ángel Angelelli, do frei Carlos de Dios Murias, do padre Gabriel Roger Longueville e do leigo Wenceslao Pedernera” e agradeceram “de coração ao Papa Francisco, que recolhe assim o discernimento da Igreja e encoraja-nos a dedicar a nossa vida ao serviço”.
Antes, em 2014, o Tribunal Penal Federal Oral de La Rioja nº 01, havia decidido “com absoluta certeza que a causa da morte do bispo dom Enrique Angelelli foi homicídio duplamente qualificado devido à concorrência premeditada de duas ou mais pessoas para buscar a impunidade; conforme ação premeditada, provocada e executada no quadro do terrorismo de Estado, da última ditadura militar”.
Este ano, a Primeira Câmara Civil, Comercial e de Minas da Primeira Comarca de La Rioja, decidiu ordenar a retificação da certidão de óbito de dom Enrique Angelelli que figurava no Registro Civil provincial e determinou que o caso seja registrado ali conforme determinado pela justiça.
Uma das frases de Angelelli, com a qual é lembrado até hoje, é: “um ouvido no povo e outro no Evangelho”.
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Padre do povo, porta-voz dos excluídos. ‘Um ouvido no povo e outro no Evangelho’ - D. Angelelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU