03 Agosto 2022
“Agora sabemos que mesmo no cenário mais otimista, constelações inteiras de catástrofes ecológicas estão sobre nós nas próximas décadas. Isto significa que as comunidades e populações humanas precisam se organizar na base para sobreviver a nível local, regional, nacional e mundial”, escreve John Bellamy Foster, professor de sociologia da Universidade de Oregon.
“Os problemas de sobrevivência afetam mais as populações marginalizadas, precárias, oprimidas e exploradas, embora, em última instância, ameacem toda a humanidade. É hora de tomar uma posição. Como escreveu o grande revolucionário irlandês James Connolly: “Seja moderado”, “Só queremos salvar a Terra””, conclui.
O artigo é publicado por Observatorio de la crisis, 28-07-2022.
Muito do que Noam Chomsky, Miguel Fuentes e Guy McPherson dizem parece bom para mim, mas não concordo completamente com nenhum deles. Minha visão da emergência ecológica planetária começa com o consenso científico global e se baseia em uma crítica de longa data ao capitalismo, desenvolvida centralmente pelo materialismo histórico.
Quanto ao consenso científico sobre mudanças climáticas, os relatórios do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC) são os mais importantes. No entanto, a emergência planetária não se limita às mudanças climáticas, minha concepção abrange todas as fronteiras planetárias que estão sendo perigosamente ultrapassadas. Do jeito que estamos indo, a Terra no futuro não será mais um lar seguro para a humanidade.
Agora, neste artigo, meus comentários se concentrarão nas mudanças climáticas que afetam a todos nós hoje.
De acordo com o Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (publicado ao longo de 2021-2022), não é mais possível para o mundo evitar um aumento de 1,5 grau na temperatura média global. Colocado no cenário mais otimista, o relatório do IPCC indica que as temperaturas médias globais aumentarão mais um décimo de grau até meados do século e aumentarão 1,4 grau até o final do século.
Portanto, temos uma janela de tempo muito pequena para agir. Basicamente, precisamos reduzir ao máximo as emissões globais de carbono até 2030 e atingir zero emissões líquidas de carbono até 2050. Tudo isso foi definido em detalhes pelo relatório “Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade”, o documento de mitigação de abril de 2022 e o relatório “AR6”, elaborado com base na ciência física.
Mudanças na temperatura da superfície global em relação a 1850-1900 (IPCC, 2021)
Vejamos, cada Relatório de Avaliação do IPCC (AR1-AR6) tem três partes, cada uma publicada separadamente e apresentada com um Resumo para Formuladores de Políticas. No processo, os cientistas, por consenso, escrevem um rascunho completo do relatório.
Mas, o Summary for Policy Makers, a única seção do relatório geral divulgado pela imprensa, é reescrito linha por linha pelas autoridades governamentais. Consequentemente, o Sumário para Formuladores de Políticas publicado não representa o consenso científico real, mas o consenso governamental, o que significa que o documento publicado deslocou e transformou o relatório científico. Isso acontece, principalmente, com questões de mitigação e políticas sociais, nestes casos os governos decidiram apagar quase tudo o que os cientistas determinaram.
Os governos do mundo capitalista estavam particularmente preocupados com a parte 3 da AR6 que fala sobre Mitigação, já que é de longe um tratamento radical, pois cientistas propõem transformações em escala revolucionária na produção, consumo e uso de energia (tanto em termos de escalas físicas como temporais).
O relatório expõe que a temperatura média global não deve subir mais de 1,5 grau de forma alguma para que a humanidade evite mudanças climáticas descontroladas e irreversíveis. Se não atingirmos esse objetivo vital, a temperatura média global provavelmente aumentaria até o final do século em 4,4 graus (melhor estimativa), levando ao colapso da civilização industrial. Nesse sentido, o Capítulo I do relatório AR6 Mitigation chegou a questionar o capitalismo como um sistema sustentável.
Sabendo que os governos estavam preparados para perturbar o consenso dos cientistas, especialistas da Scientific Rebellion vazaram a parte 3 do Relatório sobre Mitigação dias antes do lançamento oficial do Documento da ONU.
Esta ação revelou as conclusões sociais radicais dos cientistas do Grupo de Trabalho 3, que concordaram em destacar a incapacidade das tecnologias existentes e futuras para resolver o problema e a necessidade de promover enormes transformações sociais para alcançar pelo menos um aumento de 1,5 grau na temperatura global.
O consenso científico sobre Mitigação também apontou para a importância dos movimentos sociais, envolvendo jovens, trabalhadores, mulheres, precários, oprimidos racialmente e o Sul Global, que têm pouca ou nenhuma responsabilidade pelas mudanças climáticas, mas que sofrerão mais que todo o ocidente desenvolvido. Todas essas conclusões foram eliminadas e, em muitos casos, invertidas. As autoridades governamentais fizeram uma alteração quase completa do que os cientistas haviam determinado.
Por exemplo, o rascunho do consenso científico dizia que as usinas de carvão deveriam ser descontinuadas nesta década, enquanto o relatório de consenso do governo mudou para: “a possibilidade de aumentar as usinas de carvão com avanços na captura e sequestro de carbono”. O consenso científico atacou os "interesses criados", mas a versão publicada removeu qualquer referência a esses interesses. Mais importante ainda, o relatório científico argumentou que 1,5 grau poderia ser alcançado buscando soluções de baixo consumo de energia, o que requer transformações sociais. Isso também foi removido do documento governamental publicado.
As censuras e alterações feitas pelos líderes políticos nos dão uma ideia clara de onde está a luta e o que temos que fazer. Existe uma maneira de salvar a humanidade do desastre climático, mas o sistema mundial capitalista e os governos, subservientes às corporações e milionários, estão bloqueando esse caminho. Fazem isso simplesmente porque deter o aumento da temperatura requer uma mudança socioecológica em uma escala revolucionária.
Nesta emergência planetária, o consenso científico global está sendo sacrificado ao que a ambientalista Rachel Carson chama de “os deuses da produção e do lucro”. A única resposta, como no passado, é um terremoto social vindo de baixo com erupções vulcânicas que deveriam fazer parte de uma revolta da população mundial e o surgimento de um novo proletariado ambiental que abarque tudo.
Temos obstáculos incríveis diante de nós, inclusive na tentativa de mobilizar o que Wright Mills chamou de “a retaguarda do sistema capitalista”, gerando uma política neofascista. É verdade, hoje é impossível dizer se seremos suficientes para salvar a terra como um lar para a humanidade. Mas a luta está começando. Nesta luta é possível que a humanidade vença, mas para isso devemos decidir “como nos juntamos à luta”.
Estamos diante de uma situação sem precedentes históricos. Enquanto isso, uma revolta ecológica global está se formando: centenas de milhões, inclusive milhares de milhões, participarão ativamente da grande luta ambiental de nosso tempo. É claro que, com base no consenso científico global refletido no relatório Mitigação, a estratégia de modernização ecológica capitalista, financiada por impostos globais de carbono e pela financeirização da natureza, não é apenas ineficaz e tardia, mas também são “soluções” que estão destruindo a terra como o lar da humanidade.
O que Robert Pollin e Noam Chomsky escreveram sobre impostos verdes e um Green New Deal Global é basicamente uma estratégia de modernização ecológica capitalista com algumas características de transição, mas à luz dos relatórios científicos, “essas soluções” não são suficientes para lidar com a gravidade da crise e, no melhor dos casos, nos daria um pouco mais de tempo antes do colapso.
Mesmo a modesta proposta de Pollin e Chomsky está sendo resistida por interesses estabelecidos: veem nela “uma ameaça ao sistema”. A classe capitalista está tão comprometida com o capital fóssil que não consegue imaginar uma estratégia de transformação climática. O que fazem é continuar arrastando os pés, enquanto constroem fortalezas para salvaguardar suas fortunas, intensificando a pilhagem do planeta.
Os ilustres Chomsky e McPherson, embora realistas em muitos pontos, parecem se dar por vencidos. No entanto, a humanidade ainda não se rendeu, nem acredito que irá se render. Como disse Karl Marx, de forma bastante realista, ao denunciar a destruição ambiental que os britânicos causaram na Irlanda, a alternativa é: “ruína ou revolução”.
Agora sabemos que mesmo no cenário mais otimista, constelações inteiras de catástrofes ecológicas estão sobre nós nas próximas décadas. Isto significa que as comunidades e populações humanas precisam se organizar na base para sobreviver a nível local, regional, nacional e mundial.
Os problemas de sobrevivência afetam mais as populações marginalizadas, precárias, oprimidas e exploradas, embora, em última instância, ameacem toda a humanidade. É hora de tomar uma posição. Como escreveu o grande revolucionário irlandês James Connolly: “Seja moderado”, “Só queremos salvar a Terra”.
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Ruína ou revolução: seja moderado... só queremos salvar a Terra! Artigo de John Bellamy Foster - Instituto Humanitas Unisinos - IHU