Sindemia: a humanidade doente em um mundo em colapso

Provocados pela atual conjuntura, graduação e programa de Pós-Graduação em Nutrição da Unisinos, juntamente com o IHU, promovem a partir de hoje o “Ciclo de Estudos Sindemia Global: obesidade, desnutrição e novo regime climático – o (re) pensar das cadeias agroalimentares globais”

Foto: reprodução Nações Unidas

Por: João Vitor Santos | 02 Agosto 2022

 

“Pronto. Acabamos mais uma. Espero que seja a última da semana.” A frase foi dita por um médico cirurgião do Sistema Único de Saúde – SUS, estafado depois da quarta cirurgia na semana realizada no fim do trato intestinal de pacientes, uma espécie de infecção que exige raspagem através de intervenção cirúrgica. Com o aumento de casos como esses, a equipe de enfermagem pergunta: “por que temos visto tantos casos nos últimos tempos?” O médico tira a máscara, seca o suor no rosto e responde: “má alimentação. As pessoas comem muito mal e desenvolvem isso. Desde o início da pandemia, isso tem sido recorrente”.

  

 

O diálogo acima é verídico e pode ter acontecido em qualquer hospital público do Brasil. Afinal, somos um país em que 33 milhões de pessoas vivem o flagelo da fome, segundo 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19. Não obstante, aqueles que não chegam a passar fome comem muito mal, numa alimentação rica em ultraprocessados de baixo custo e com valor nutricional quase irrisório. Segundo reportagem reproduzida pelo IHU, dados do SUS revelam que nos últimos sete anos o consumo de alimentos ultraprocessados na faixa etária de 2 a 19 anos superou 80%. Em 2021, 89% das crianças de 5 a 9 anos relataram o consumo de, ao menos, um ultraprocessado no dia anterior à avaliação de acompanhamento no SUS.

 

Assim, não chega a ser surpresa o caso dos pacientes do médico que acabam na mesa de cirurgia. E o pior é que está certo: o quadro piorou muito desde a pandemia de Covid-19, embora os números já não fossem bons antes de março de 2020. Mas, infelizmente, essa é apenas uma realidade de adoecimento. Há outros tantos males na saúde de quem nem come o mínimo ou não consegue comprar alimentos de verdade.

 

 

 

Acrescente a isso um mundo em colapso, que vive uma crise climática, que impacta diretamente na produção e cotação do valor dos alimentos, causada pela própria humanidade que é levada, como diz António Guterres, secretário-geral da ONU, a um “suicídio coletivo”. E ainda não nos esqueçamos da guerra na Ucrânia e na barganha por grão pagas com vidas e nas opções de um "agro" que planta combustíveis ao invés de comida.

 

Foi diante dessa conjuntura que a graduação e o Programa de Pós-Graduação em Nutrição da Unisinos, numa parceria com o IHU, promovem o Ciclo de Estudos Sindemia Global: obesidade, desnutrição e novo regime climático – o (re) pensar das cadeias agroalimentares globais. O evento parte dessa ideia de que vivemos ao menos três pandemias: da obesidade, da desnutrição e das mudanças climáticas. A partir da interação entre si, elas causam uma sindemia na humanidade com repercussões em todas as formas de vida e no próprio planeta. As atividades iniciam agora em agosto e se estendem até outubro.

 

 

 Afinal, do que estamos falando?

O Ciclo de Estudos Sindemia Global: obesidade, desnutrição e novo regime climático – o (re) pensar das cadeias agroalimentares globais abre hoje com a conferência da professora doutora Ana Paula Bortoletto, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo – Nupens/USP e da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares e Saudáveis e Sustentáveis, também da USP. Com a palestra intitulada Sindemia global: do que estamos falando?, Ana Paula abordará o contexto que nos leva a esse triste quadro de fome e má alimentação.

 

 

 

Como revela Ana Paula, na entrevista concedida ao IHU em outubro de 2020 que reproduzimos abaixo, a busca pela alimentação adequada passa por informação. Mas também é fundamental a concepção de políticas públicas. Afinal, no Brasil desses tempos, bem poucos conseguem efetivamente comprar comida de verdade. “Garantir outras formas de valorização do abastecimento de alimentos saudáveis é fundamental para reverter esse processo de insegurança alimentar, ao invés de esperar que as grandes empresas, através de doações de produtos, ou as tecnologias, que vão produzir produtos enriquecidos, vão garantir o fim dessa crise”, observou.

 

 

Saiba mais sobre Ana Paula

Pós-doutoranda na Faculdade de Saúde Pública, pesquisadora do NUPENS/USP e consultora técnica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec. Foi coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec de 2016 a agosto de 2020. Possui graduação em Nutrição pela Universidade de São Paulo, mestrado e doutorado em Nutrição em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP .

 

Ana Paula (Foto: Idec)

 

Entrevistas realizadas pelo IHU com Ana Paula Bortoletto

 

 

O Ciclo de Estudos

 

Além de discutir a repercussão da Sindemia Global e o novo Regime Climático sobre as cadeias agroalimentares e a saúde, o Ciclo busca entender o quadro atual da obesidade, discutir fatores determinantes e ações de seu enfrentamento; compreender o contexto da insegurança alimentar a nível mundial e possíveis ações de enfrentamento; e analisar o novo regime climático e seus impactos na segurança alimentar e nas cadeias agroalimentares globais. Além da conferência de abertura com Ana Paula, estão programadas pelo menos mais três palestras até o dia 26 de outubro. As atividades são síncronas, no formado live. Confira mais detalhes abaixo.

 

 

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