30 Julho 2022
Em uma época em que o edifício de culto não é mais o coração da cidade, é preciso saber voltar ao conceito de casa da comunidade, acolhedora e espontânea.
A entrevista é de Alessandro Beltrami, publicada por Avvenire, 27-07-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A palavra “duomo” deriva de domus, casa. E “cátedra”, de cathedra, vocábulo grego que passou para o latim e que significava simplesmente “cadeira”. Nas origens dos espaços da Igreja, há uma dimensão doméstica.
A casa é o lugar da reunião dos cristãos, a tal ponto que é a assembleia, a ecclesia, que dá nome ao espaço de culto, e não o contrário. O crescimento da comunidade, antes mesmo da amplificação do aparato ritual, fez surgir o desejo de espaços maiores e mais majestosos para a liturgia, segundo o modelo (novamente secular e civil) da basílica.
Mas pode a casa como habitação da comunidade e local de acolhida pode voltar a ser um “modelo” para a arquitetura religiosa? E em que termos?
Quem fala sobre isso é o teólogo e padre Severino Dianich, em uma longa contribuição publicada no novo número da Thema, a revista dos bens culturais eclesiásticos, dedicado a “eclesiologia e arquitetura”. Um tema fundamental, mas muitas vezes pouco focado no debate, como se escapasse o fato de que a forma de uma igreja é, acima de tudo, a forma da Igreja.
Pe. Dianich, o que significa trazer de volta ao centro a ideia da casa como paradigma de planejamento para a igreja?
Significa colocar novamente em foco a questão do culto cristão. O cristianismo dessacralizou muitos aspectos da religião, e fortemente. Basta ler a Carta aos Hebreus ou observar o estilo com que Jesus se relaciona com o templo em Jerusalém. Ou ainda a Primeira Carta aos Coríntios, em que Paulo afirma que “o vosso corpo é o templo do Espírito Santo”. Essa foi uma frase forte, retomada, aliás, pelo Concílio Vaticano II, que ignora proibições sacras, mas historicamente obscurecida por processos de ressacralização que investiram a liturgia, o ministério dos pastores e, finalmente, os próprios lugares. Muitas vezes ainda se fala de “consagração” de uma igreja, quando o termo correto é “dedicação”: como se os muros fossem os portadores da consagração, quando, em vez disso, são os fiéis. Nos processos de sacralização dos lugares, foi determinante a tradição, que se revelou apenas no segundo milênio, da preservação da eucaristia, que tornou a igreja um lugar de uma presença. Mas é a celebração litúrgica que torna a casa da igreja casa de Deus.
De fato, fala-se de arquitetura sacra, de espaço sacro: mas muitas vezes esse “sagrado”, não somente pelos arquitetos, é considerado como um valor autônomo. Então, estamos usando um termo errado? Ou melhor: em que consiste a especificidade do sagrado cristão?
O sagrado cristão envolve a pessoa, como em Jesus, que não era sacerdote. O culto da vida e a oferta do corpo deslocam o sentido de sacralidade dos lugares e das coisas para a vida humana. Esse é o sentido do Novo Testamento. Isso não significa que o cristianismo tenha abolido a ritualidade, que de fato adquire tonalidades e modalidades diferentes. A tarefa do arquiteto é criar um lugar para as reuniões dos cristãos no qual se possa perceber o sentido da presença de Deus, onde se possa viver e agir na presença de Deus em atitude de adoração. Além disso, o espaço da igreja precisa ser diferente: há um culto na vida e há culto no rito, que, porém, estão inter-relacionados. Do ponto de vista composicional, os espaços das atividades da comunidade devem ser considerados como parte essencial da igreja: não um acréscimo, um complemento, como muitas vezes acontece. Essa relação entre rito e vida deve ser expressada espacialmente. Vejo o sucesso de novas capelas na natureza, lugares que talvez podem ter sucesso, mas que sugerem um senso de alhures isolado. O caráter da igreja é ser casa dos homens e das mulheres. A habitação de uma comunidade.
Nesse sentido, a ideia de casa na sua reflexão também realinha a presença urbana do conjunto eclesial e, consequentemente, a sua habitação na dimensão pública e social.
Quem encomenda um projeto se projeta no espaço interno, porque aí está o nó da reforma litúrgica do Vaticano II: um espaço para acolher uma assembleia e favorecer a sua participação ativa. Mas, em nível conciliar, o exterior tem a mesma importância. Não encontramos isso na Sacrosanctum Concilium, mas sim na Gaudium et spes e na Lumen gentium: a Igreja não é mais concebível fora da sua relação com o mundo. Esse é um fato que afeta a dimensão urbana e pública do complexo eclesial. Mas como? Na minha opinião, a monumentalidade não é mais possível, a partir do fato de que a centralidade não é mais possível: não se constrói mais uma cidade a partir da igreja. Hoje, o exterior é para o testemunho evangélico.
No entanto, a aspiração à monumentalidade ainda é recorrente, tanto entre quem encomenda um projeto quanto entre os arquitetos.
Sim, é generalizada, e eu acredito que deve ser superada. Temos dois exemplos bastante recentes: a Igreja da Sagrada Face em Turim, de Mario Botta, e a Igreja de Fuksas, em Foligno. Esta última em particular é um exemplo clássico de um edifício enorme e isolado em uma região habitada de casas baixas. Que sentido isso pode ter? A característica que a Igreja se dá na sua evolução pastoral é a acolhida e a hospitalidade. O edifício, por outro lado, incute temor, coloca-se como superioridade, algo que aliena.
Porém, existe todo um patrimônio arquitetônico histórico, e não necessariamente monumental, que por motivos históricos óbvios se fundamenta sobre perspectivas diferentes das que o senhor descreve. A sua “reorientação” levanta o tema, que desperta tantas polêmicas, das adaptações litúrgicas.
Na adaptação litúrgica, o respeito pelo patrimônio recebido encontra a inovação. Em primeiro lugar, é absurdo negar a inovação, como nos diz a experiência da estratificação histórica. Mas os critérios aplicados pelas superintendências, que muitas vezes ignoram as exigências da liturgia, são geralmente muito conservadores. Dito isso, entra o problema das formas: quais? E como enxertá-las? Pede-se ao arquiteto que entenda o clima geral em que é preciso se colocar. A comunidade cristã não pode viver e celebrar sempre em ambientes arcaicos, mas muitas vezes é a primeira a ter medo do novo. Parece-me que, de modo mais geral, retorna aqui o problema da sacralidade. O sagrado é intocável por definição. Quanto mais domina o senso da sacralidade das coisas, mais se cria o bloqueio a qualquer inovação.
O habitar, particularmente nos grandes sistemas urbanos, mudou muito, se “nomadizou” novamente. O senhor cita o caso francês das maison d’Église, dirigidas a comunidades que se constituem temporariamente, fora da estrutura da paróquia.
Nesse fenômeno, é preciso levar em conta um elemento determinante, mas não suficientemente aprofundado na consciência: a necessidade de lugares de evangelização. A igreja paroquial é o lugar de uma comunidade constituída, uma Igreja plantada, uma Igreja que tem tudo, inclusive catedral e bispo. Essa presença na cidade é insuficiente, porque não corresponde a uma sociedade à qual é preciso levar a novidade do evangelho. As maison d‘Eglise são a ponta de lança da Igreja na cidade, onde se busca espacialmente o encontro com quem é estranho. São um espaço de oferta do evangelho, onde não é necessário celebrar a eucaristia. Mas esses espaços são complementares aos tradicionais. A ponta de lança da evangelização precisará que uma pessoa, na feliz eventualidade de ter acesso à fé, possa depois habitar na casa da família, uma comunidade completa e constituída.
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Para as Igrejas, é tempo de revolução doméstica. Entrevista com Severino Dianich - Instituto Humanitas Unisinos - IHU