20 Abril 2022
"Nenhum irenismo por parte de Merton, portanto, mas apenas a convicção da escolha não-violenta como única arma do cristão, a ser aplicada nas diversas circunstâncias que surgem na história", escreve Roberto Righetto, jornalista, em artigo publicado por Avvenire, 16-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
La Pira e Mounier, dois protagonistas do cristianismo social do século XX, foram citados várias vezes nestes dias de guerra, embora de forma não unívoca, no debate sobre o pacifismo católico. Mas nos esquecemos de outro personagem crucial, Thomas Merton, que diante do pesadelo de uma guerra nuclear manifestou-se várias vezes.
Estávamos nos anos 1960, em plena Guerra Fria, e aquele que se tornaria talvez o monge mais famoso do século passado, cuja autobiografia espiritual, A Montanha dos Sete Patamares, ainda é um best-seller, escrevia que estava angustiado porque "o mundo e a sociedade dos homens estão hoje à beira da destruição". Assim lemos em um artigo escrito pelo monge trapista estadunidense para a edição de Natal de 1961 da revista Commonweal. E especificava: “Uma destruição possível: é relativamente fácil, neste momento, exterminar toda a raça humana por meio de agentes nucleares, bacteriológicos ou químicos, tomados separadamente ou juntos.
Uma destruição provável: a possibilidade da destruição torna-se uma probabilidade à medida que os líderes mundiais se empenham cada vez mais irrevogavelmente em políticas construídas sobre a ameaça de usar esses agentes de extermínio”. Depois, a referência ao fim do mundo, dado que "não é exagero dizer que os tempos em que vivemos são apocalípticos, no sentido de que parecemos ter chegado a um ponto em que todo o dinamismo oculto e misterioso da história da salvação que a Bíblia nos revelou, desabrochou numa crise decisiva e final”. E novamente, num crescendo tragicamente profético: "Não é necessário insistir que, em um mundo onde outro Hitler é altamente possível, a mera existência de armas nucleares representa o problema mais trágico e grave que a raça humana já teve que enfrentar. Mas, na realidade, a atmosfera de ódio, suspeita e tensão em que todos vivemos é exatamente aquela que serve para produzir novos Hitler”.
Para aqueles que desejam aprofundar o pensamento de Merton sobre a paz, recomendamos a leitura dos volumes La mia passione per la pace publicado pela Garzanti em 2017 e La pace nell’era postcristiana, publicado pela Qiqajon em 2005, que contém a maioria de seus textos sobre o tema.
Diante da perspectiva delineada acima, como imaginar uma reação, especialmente por parte dos cristãos? Uma resposta pode ser encontrada em outro artigo, solicitado a ele em 1965 pela revista alemã Der Christus in der Welt e intitulado "Bem-aventurados os mitos: as raízes cristãs da não-violência". Aqui Merton esboça seu pensamento, explicando que "a não-violência cristã não é construída sobre uma divisão pressuposta, mas sobre a básica unidade do homem". Na esteira de Gandhi, cuja ação política baseada na não-violência é sobretudo uma escolha interior de cunho religioso, Merton adverte contra os pacifistas doentes de farisaísmo e que dividem o mundo entre amigos e inimigos, sem estarem realmente dispostos a dialogar com o outro que pensa de forma diferente.
Assim como do "fetichismo dos resultados imediatos" e da "tentação de obter publicidade com truques espetaculares ou com formas de protesto meramente bizarras e provocativas". Para ele, o não violento é acima de tudo um manso, que busca a justiça e a humildade. Mesmo que - ele especifica - o manso não é de forma alguma aquele que se submete passivamente a uma opressão injusta. E ele insiste: "A chave da não-violência é a vontade do resistente não-violento de sofrer uma certa quantidade de mal acidental a fim de criar uma mudança de mente no opressor e despertá-lo para a abertura pessoal e para o diálogo". Em jogo, ontem como hoje, está a capacidade de resolver conflitos com a razão e com a arbitragem, e não com o massacre e a destruição.
Um exemplo de resistência não violenta à ditadura, Thomas Merton o encontra na Dinamarca, cuja população durante os anos do nazismo se mobilizou espontaneamente recusando-se a colaborar no trabalho de deportação, tanto que 95% da população judaica conseguiu se salvar. Quando o projeto dos alemães começou a se perfilar e a introdução da estrela amarela foi proposta como o primeiro ato de segregação, os funcionários do governo dinamarquês informaram aos nazistas que o rei seria o primeiro a usar aquele distintivo. E quando se aproximou a solução final, todos os dinamarqueses se recusaram ainda mais a cooperar e promoveram uma série de greves boicotando a reparação de navios alemães em seus portos e promovendo manifestações de protesto. O próprio Eichmann teve que renunciar à deportação em massa de judeus: no final apenas 5% foram enviados para os campos de concentração, e foram para Theresienstadt, o menos duro. Todos os outros foram transportados a bordo de pequenas embarcações para a vizinha Suécia, então neutra, e conseguiram se salvar.
A história, contada na época por Hannah Arendt, foi celebrada por Merton no Catholic Worker em 1963, em um artigo em que, entre outras coisas, ele se maravilhava com o fato de outros povos da Europa, também cristãos, não terem conseguido se opor à programa de extermínio dos judeus com igual eficácia. O exemplo da Dinamarca serve a Merton para demonstrar como a escolha da não-violência não significa apenas uma tomada de posição contra a guerra e a barbárie, mas seja um modo de vida que influencia toda a existência. Os anos em que o monge trapista, que o Papa Francisco em sua viagem aos Estados Unidos identificou como um dos quatro estadunidenses ilustres da história (junto com Lincoln, Martin Luther King e Dorothy Day) escreve esses artigos são os da Guerra Fria, dos conflitos raciais nos Estados Unidos e no Vietnã.
Mas nele não há abrigo nenhum espírito antiamericano, como demonstram suas tomadas de posição a favor dos cristãos que sofriam uma duríssima perseguição nos regimes comunistas da URSS e dos países satélites do Leste europeu. E como evidencia outro seu livro admirável traduzido pela Medusa em 2019 e intitulado simplesmente Pasternak, no qual ele vê na revolução russa “um balanço caótico e inflado de forças obscuras. Nenhuma verdade nova nasceu, mas apenas uma falsidade maior e mais sinistra”. Por esta razão, a publicação do Doutor Jivago não foi permitida.
Nenhum irenismo por parte de Merton, portanto, mas apenas a convicção da escolha não-violenta como única arma do cristão, a ser aplicada nas diversas circunstâncias que surgem na história. Como ressalta novamente no ensaio citado de 1965: "É a recusa de qualquer alternativa que gera guerras destinadas a impor uma aceitação incondicional de uma interpretação hipersimplificada da realidade".
Diante dela, é preciso “manter a mente aberta a muitas alternativas. A rigidez de um determinado tipo de pensamento cristão invalidou seriamente tal capacidade, que a não-violência deve restaurar”.
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O pacifismo de Merton, a única arma do cristão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU