13 Abril 2022
A aparição do cardeal Orani Tempesta, do Rio de Janeiro, em cerimônia com o presidente Jair Bolsonaro na semana passada, enquanto o país se prepara para entrar na campanha para as eleições presidenciais de 2022, causou polêmica no Brasil.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 12-04-2022.
Tempesta, Bolsonaro e outras autoridades se reuniram no Santuário Cristo Redentor para assinar um acordo de cooperação em que o governo federal aumentou a autonomia da igreja na gestão do local.
O monumento pertence à Arquidiocese do Rio de Janeiro, mas está localizado em uma reserva florestal federal. Ao longo dos últimos anos, houve inúmeros confrontos com os seguranças do parque, que muitas vezes criaram obstáculos para os trabalhadores e padres do santuário quando tentavam entrar no parque e chegar à capela localizada ao pé do monumento.
Embora os detalhes do acordo ainda estejam sendo trabalhados, o padre Omar Raposo, reitor do santuário, já declarou que a capela ficará aberta o dia todo, segundo o site de notícias G1.
Após a reunião, Bolsonaro disse à imprensa que o protocolo com a arquidiocese tinha “grande simbolismo para todos nós, católicos de todo o Brasil”.
“[A nossa é] uma administração que acredita em Deus e defende a família. A fé nos elegeu e nos salvou no passado. Sem fé, como resistir a tanta adversidade, com a maior parte da imprensa contra nós?” Bolsonaro disse aos jornalistas.
As fotos de Tempesta ao lado de Bolsonaro causaram polêmica entre os católicos brasileiros, especialmente os adversários de Bolsonaro. Muitos viram a cerimônia como parte da campanha presidencial de Bolsonaro, que busca a reeleição em outubro.
Dois dias depois do encontro, os grupos progressistas Padres da Caminhada e Padres contra o Fascismo, que incluem centenas de padres e até alguns bispos, divulgaram um comunicado conjunto criticando a cerimônia. Na carta pública, os grupos perguntavam: “Como Bolsonaro ainda pode dizer que é católico?”
“Ou melhor, como ele pode ainda querer ser reconhecido como cristão? O presidente da República despreza o maior presente de Deus, a vida, algo que ele demonstrou várias vezes durante a pandemia do COVID-19”, diz a carta, aludindo à má gestão de Bolsonaro da crise do coronavírus.
A carta acrescentou que ele “desrespeita o meio ambiente e os habitantes originais de nossa terra, é racista, misógino e homofóbico e não esconde sua aversão aos pobres, aqueles que foram centrais para Jesus, o Redentor”.
Tempesta também foi criticado no comunicado. Os autores expressaram sua “indignação” com “a presença de autoridades católicas, especialmente o cardeal Orani Tempesta”.
“No ano de sua eleição, durante a celebração da Missa Crismal, o Papa exortou os bispos e presbíteros: 'Sede pastores com cheiro de ovelha'. Não é possível conceber um bispo com 'cheiro de ovelha' lado a lado com um lobo”, diz o documento.
O documento acrescentava que Bolsonaro visitaria outro santuário católico no dia 9 de abril, no Paraná.
“Em um ano eleitoral, ver mercenários simplesmente abrindo seus templos para que o lobo possa arrebatar a ovelha é um escândalo”, disse.
Segundo o padre Leomar Montagna, sacerdote da Arquidiocese de Maringá e integrante dos grupos que assinaram a carta, “uma pessoa tão incoerente com a fé quanto ele não pode ser acolhida assim”.
“Aqueles que lideram e têm a responsabilidade de um pastor devem ter mais cuidado com o uso político de tais reuniões, porque as pessoas [irmãos] podem ser enganadas [quando veem um candidato na igreja com um membro do clero]”, o padre disse a Crux.
Na opinião de Montagna, Bolsonaro tem continuamente “negado os princípios da dignidade humana, verdade e justiça em seu comportamento público, algo que não pode ser conciliado com a fé”.
“Ele afirma ser católico, mas não expressa nenhuma coerência com isso. É uma pessoa que incentiva o uso de armas, que expressa ódio, que negou a eficácia das vacinas da COVID-19, que não tem nenhuma política para o meio ambiente. Não podemos ficar calados”, disse.
Montagna disse que sua principal preocupação é que tais eventos possam se tornar comuns durante a campanha eleitoral.
Bolsonaro afirma ser católico, mas é casado – pela terceira vez – com uma mulher evangélica e é frequentemente visto em cultos pentecostais ao lado dela. Ele estabeleceu uma forte aliança com os evangélicos, que constituem uma parte importante de seu eleitorado. Em 2016, foi batizado por um pastor evangélico e líder político no rio Jordão.
Segundo Francisco Borba Ribeiro Neto, diretor do Centro de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, “os bispos católicos devem acolher e dialogar com todos que a eles se dirigem, algo que vem como obrigação da postura apartidária que deve guiar a Igreja Católica, como estipula sua doutrina social”.
“Nesse sentido, seria escandaloso se o cardeal Orani Tempesta se recusasse a receber Bolsonaro ou [o ex-presidente e atual candidato] Luiz Inácio Lula da Silva”, disse ao Crux.
Borba disse que havia um problema concreto no santuário do Cristo Redentor, e que Bolsonaro “aproveitou esse fato para ser visto ao lado do cardeal, o que era inevitável, já que o assunto foi resolvido em seu mandato”.
Ele explicou que os apoiadores de Lula estabeleceram um “intenso diálogo com a Igreja nos últimos anos, tentando mostrar suas afinidades com o pensamento social da Igreja e reafirmar sua suposta inocência nas acusações de corrupção” contra ele.
“Os bolsonaristas cultivavam apenas o apoio evangélico. O clero moderado tende a se distanciar dele, devido aos escândalos de sua administração. Agora, Bolsonaro precisa de uma ofensiva para reconstruir sua base entre os católicos moderados”, disse.
A Arquidiocese do Rio de Janeiro foi contatada para este artigo, mas não se manifestou.
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Aparição do cardeal brasileiro ao lado de Bolsonaro causa polêmica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU