28 Março 2022
A metacidade não é a capital do metaverso, mas uma cidade com todas as suas complexidades, representada por todos os cidadãos, combinando os recursos existentes e futuros da “cidade inteligente”, da “cidade-gêmea digital” e do metaverso.
O comentário é de Derrick de Kerckhove, ex-diretor por mais de 20 anos do Programa McLuhan em Cultura e Tecnologia da Universidade de Toronto, no Canadá, consultor científico da Tutti-Media e professor no Politécnico de Milão, na Itália.
O artigo foi publicado em Media2000, 22-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não há dúvida de que o desenvolvimento do metaverso (não é uma nova tecnologia) foi ainda mais impulsionado pelo distanciamento imposto pela Covid-19, que fez emergir um sentimento generalizado em favor de um espaço que nos permitisse nos deslocar para outros lugares, enquanto estávamos confinados em casa e sozinhos.
Dito isso, não há motivo para limitar a perspectiva ao mero entretenimento ou a uma grande proposta comercial. Em vez disso, a ideia do metaverso deve ser estendida aos ambientes reais, se quisermos extrair valor dele para a sociedade.
Em primeiro lugar, a metacidade não é a capital do metaverso, mas uma cidade com todas as suas complexidades, representada por todos os cidadãos, combinando os recursos existentes e futuros da “cidade inteligente”, da “cidade-gêmea digital” e do metaverso.
É por isso que a “metacidade” poderia não só mudar a forma como as pessoas pensam e sentem a sua cidade, mas talvez também recriar um novo tipo de orgulho de pertença, um novo civismo, sentimentos e comportamentos que hoje estão dolorosamente ausentes entre jovens e velhos.
A cidade entendida como metaverso pode fornecer entretenimento, mas, como cidade-gêmea digital da cidade, é orientada para a participação pragmática antes que lúdica. Ao remover os obstáculos temporais e espaciais, a metacidade pode atrair mais facilmente a consulta pública. Oferece a possibilidade de ver instantaneamente qualquer iniciativa no seu contexto (mesmo que virtual) e facilita o processo decisório.
Reunindo a administração municipal e os cidadãos na consulta, ela fortalece os compromissos de colaboração e de propriedade. O resultado final poderia ser que a cidadania, no fim, recupere uma sensibilidade cívica há muito tempo perdida. Os cidadãos que começam a desenvolver os seus gêmeos digitais pessoais poderiam encontrar neles uma ajuda nas decisões públicas e privadas, e também na direção da Câmara Municipal.
Nesse contexto, expande-se e unifica-se a imaginação dos cidadãos sobre a sua própria cidade, aumentando o senso de “pertença”, pois é possível monitorar os serviços municipais em “tempo real” e em “lugar real”.
A metacidade facilita as simulações e o posicionamento de novas estradas e construções. Atrai novos serviços para o turismo e implementa os eventos culturais, podendo também encorajar novos investimentos nacionais e estrangeiros.
No Japão, a Fujitsu está trabalhando em um modelo de cidade-gêmea digital inteligente, povoada por um novo tipo de avatar. Masami Mizutani, diretor do projeto, descreve-a assim: “As cidades-gêmeas digitais inteligentes ‘típicas’ gerenciam os dados em termos de relação entre o mundo real e o espaço virtual. O Social Digital Twin da Fujitsu é uma reprodução digital completa dos comportamentos de uma sociedade, por meio da construção de um modelo humano e de um modelo social que reagem em tempo real às mudanças na sociedade em geral, refletindo as mudanças nas relações entre o comportamento das pessoas e os bens, a economia e sociedade nos mínimos detalhes”.
E o custo é menor do que se possa imagina: os orçamentos municipais podem se dar ao luxo disso. Em breve, será muito mais fácil e barato criar uma representação em 3D de uma cidade completa. A nova abordagem prevê a utilização de uma rede neural para capturar e gerar imagens em 3D de algumas fotografias em 2D, uma técnica apelidada de “renderização neural”.
Os pesquisadores da UC Berkeley e do Google demonstraram que uma rede neural poderia capturar uma cena fotorrealista em 3D simplesmente visualizando diversas imagens em 2D dela. Isso torna possível converter imagens em 2D em uma representação em 3D fotorrealista que pode ser vista de qualquer ponto possível.
O Google Maps já cobre o território e pode fornecer a terceira dimensão em geral. O resto é uma questão de tecnologias de rede, padrões de intercâmbio e acordos financeiros baseados em blockchain e sistemas NFT. E, naturalmente, uma detalhada regulamentação sobre privacidade e vigilância.
Eu me fiz algumas perguntas e imaginei alguns princípios e regras basilares para a metacidade:
1. a metacidade é um espaço público ocupado como tal por todos os cidadãos como avatares, gêmeos digitais ou visitantes;
2. Os cidadãos podem propor modificações a edifícios, estradas, obras de arte públicas, serviços etc., mas devem primeiro obter a permissão da Câmara Municipal para as simular no metaverso da cidade;
3. Possibilidade de adquirir propriedades, mas apenas como reflexo da aquisição física. As leis que se aplicam à cidade física valem também para a metacidade (por exemplo, furtos, arrombamentos, atentado ao pudor e tudo o que é regulado pela lei);
4. A administração pode usar a metacidade para testar serviços, planejar, coordenar o tráfego, gerir o orçamento, controlar a segurança etc.
Quero terminar falando do uso educacional, porque as escolas deveriam ter um lugar especial na metacidade para fins educativos (por exemplo, testar atividades cívicas, conhecer áreas difíceis e refletir sobre como ajudar os jovens).
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A metacidade me apaixona mais do que o metaverso, e não é a sua capital. Artigo de Derrick de Kerckhove - Instituto Humanitas Unisinos - IHU