18 Março 2022
Entrevista com um refugiado sírio, em diáspora na Europa, sobre o recrutamento de jovens mercenários sírios para a guerra na Ucrânia.
A entrevista é de Markus Schwarz, publicada por Settimana News, 16-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que informações dispõe sobre o emprego de "voluntários" sírios ao lado do exército russo na Ucrânia?
Na questão dos mercenários, como em qualquer outra coisa, minha informação vem de dentro do meu país. Procuro não ser influenciado pelas agências e pelo que está circulando na imprensa internacional.
Putin teria falado sobre 16.000 voluntários sírios não remunerados na Ucrânia. O que você descobriu?
Eles não são voluntários, como disse Putin. São jovens sírios a quem foi prometido um salário muito bom, considerando o valor da moeda síria: 1.000 dólares por mês. Deve-se ter em mente que hoje, na Síria, para sustentar razoavelmente uma família de 4 pessoas, são “suficientes” entre 300 e 350 dólares por mês.
Francamente, não acredito que a Rússia possa e queira manter a promessa de pagamento: cinicamente, está contando com a perspectiva fácil de que - em uma guerra "rua por rua" como a que está cada vez mais se perfilando na Ucrânia - eles serão mortos. Para os propósitos da guerra, não creio que sua contribuição possa resultar determinante.
Esses garotos, portanto, devem ser considerados duplamente vítimas: da propaganda dos regimes de Putin e Assad e das armas. No final, não será conveniente para nenhum daqueles que os chamaram mantê-los vivos. Estamos diante, portanto, na minha opinião, da "Crônica de uma morte anunciada". A realidade infelizmente atinge tais níveis de crueldade.
De que grupo são alistados esses garotos, portanto, mercenários?
Eles são em grande parte drusos. Os drusos vivem no sul da Síria, na cidade de As-Suwayda e nas cidades que na época desencadearam e apoiaram a revolução síria e a independência da França, obtida em 1946. Os drusos também são encontrados no Líbano, onde formam um partido famoso. Drusos também estão em Israel, na área ocupada das Colinas de Golã; pouco conhecido é o fato de que uma formação drusa é agora parte integrante do exército israelense.
Saibam os leitores que o grupo humano de onde provêm esses jovens apresenta um desemprego juvenil de 82-84%.
Qual é a relação do regime de Bashar al-Assad com os drusos?
Os drusos se recusaram a emprestar seus jovens para o serviço militar obrigatório no exército de Assad na guerra civil na Síria desde 2011. Eles se opuseram para não carregar sobre si a "maldição do sangue", ou seja, a vergonha de se manchar com o sangue dos irmãos do povo sírio. Isto é muito importante.
É um ponto de honra para os drusos, nobres cavaleiros guerreiros originalmente. Mas evidentemente o regime de Assad precisava e precisa de combatentes como o pão de cada dia. Assim se chegou a uma espécie de compromisso: os jovens drusos entraram nas formações militares do exército russo, pagos pelos russos. Eles foram então usados para controlar o sul do país e poupados da guerra fratricida direta. Agora eles são chamados a combater na Ucrânia ao lado do exército russo e das milícias separatistas pró-Rússia de Donbass.
Qual é a religião dos drusos?
Eles se consideram como parte do Islã. Mas sua história é longa e em muitos aspectos diferente daquela islâmica sunita e xiita, com todas as variações possíveis. Eles compartilham uma mistura de filosofia e religião que absorve elementos islâmicos, cristãos e até budistas.
Diante da perspectiva de ir lutar na Ucrânia, sei que seus líderes religiosos discordam, porque entendem que seus jovens estão envolvidos em um jogo muito sujo: em uma guerra por procuração, na qual estão se infiltrando combatentes de todos os lados. Eles entendem que está acontecendo aquilo que até agora não quiseram e não querem, ou seja, encontrar-se na frente de outros sírios ao lado dos ucranianos, de forma a incorrer na "maldição de sangue" dos irmãos.
Você acredita que esta seja uma perspectiva realista?
Certamente. Há muitos sírios - "rebeldes" a Assad - que querem ir lutar na Ucrânia, mas justamente ao lado dos ucranianos, contra os russos, contra aqueles que destruíram e mataram na Síria: aquela vingança que, hoje, na Síria, não é possível, eles estão prontos para ir buscá-la a 4.000 quilômetros de distância.
Por mais terrível que isso possa parecer, é muito provável que isso aconteça.
Então, um recrutamento de sinal oposto já está em andamento?
Não posso confirmar, mas os rumores existem, assim como existem os homens que estão se apresentando para lutar: falamos que eles são "voluntários" porque estão determinados a lutar contra o inimigo mais do que interessados pelo pagamento.
Depois, há - já há algum tempo - a realidade factual promovida por Erdogan que, entre os milhões de refugiados sírios na Turquia e entre aqueles na área ao norte da Síria controlada pelas milícias pró-turcas, atraiu os mercenários sírios que se foram lutar na Líbia, sempre, aliás, do lado oposto dos russos. Também neste caso trata-se de jovens deslocados, humilhados, famintos, disponíveis, com pouco dinheiro para sustentar suas famílias, prontos para se curvar à voz de seu atual senhor, depois de ter escapado de Assad, o pior senhor que os sírios poderiam e poderão ter.
Quanto Assad está governando esses fenômenos?
Gostaria de mostrar uma foto eloquente que, por si só, responde à pergunta. Ela foi tirada recentemente no coração de Damasco, a poucos passos da residência de Assad: no alto - mas em tamanho pequeno - mostra a figura de Assad, enquanto embaixo está a imagem - bem maior - de Putin. A inscrição em árabe diz: vitória para a Rússia!
Aqui está, quem comanda verdadeira e totalmente na Síria é Vladimir Putin. Bashar al-Assad repete as mesmas palavras de Putin, literalmente.
Como você acha que a guerra na Ucrânia vai prosseguir?
Nesse ritmo, até onde posso ver, a Ucrânia se tornará uma terra arrasada como a Síria. A história desses jovens sírios falará. Eles provavelmente serão enviados "na primeira fila" e, sem entender uma palavra, sem entender nada do que está acontecendo, irão levar a morte e morrer, lutando nas ruas contra os resistentes ucranianos, contra outros mercenários e até contra seus irmãos sírios! Será uma guerra de todos contra todos. Como na Síria. Uma verdadeira tragédia!
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Síria: Crônica de uma morte anunciada. Entrevista com um refugiado sírio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU