"Estas valiosas contribuições trazidas nesta seção mostram que 'essas experiências e práticas de cura estão cheias de ensinamentos e de preciosas dicas para o cuidado consigo mesmo, com as demais pessoas e a comunidade' (p. 12)", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar sobre o livro Reconstruir a vida e a sociedade com saúde para todas as pessoas (Paulos, 2021, 200 p.) de autoria de José Oscar Beozzo e Cecília Bernadete.
Imagem: capa do livro
Reconstruir a vida e a
sociedade com saúde
para todas as pessoas
Foto: reprodução
“Reconstruir a vida e a sociedade com saúde para todas as pessoas”, - esse foi o tema do 35º Curso de Verão de 2022 promovido pelo Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – CESEEP. Trata-se de um programa de formação de caráter popular, ecumênico, de abrangência nacional, realizado todo ele em mutirão e sustentado por um numeroso corpo de voluntários e voluntárias. Por causa da pandemia o curso foi realizado on-line e resultou também num livro (Paulus, 2021, 200 p.) com o conjunto das contribuições teóricas e práticas.
A obra organizada por José Oscar Beozzo e Cecília Bernadete Franco está estruturada em quatro seções:
1) apresentação e análise da realidade (p. 17-83);
2) Bíblia, teologia, espiritualidades (p. 85-124);
3) pistas de ação pastorais (p. 125-139);
4) experiências práticas do cuidar e do curar (p. 141-200).
A primeira seção intitulada: Mapeando a realidade, composta de três reflexões buscam “conjugar em meio ao abalo provocado pela pandemia, olhares complementares: o da pesquisa científica, o da reflexão filosófica, o das espiritualidades e o das práticas alternativas de diagnóstico e tratamento” (p. 10):
1) Mirando o futuro: olhares críticos sobre a pandemia (p. 19-38), de autoria da pneumologista, professora e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro – FIOCRUZ. Acompanhando a nível nacional e internacional a evolução da pandemia, as mutações do vírus e a produção das vacinais e medicamentos retrovirais. Em face à extrema fragmentação de opiniões e ao embate de diferentes opiniões, a referida autora traz uma reflexão alimentada pelas lições do passado (p. 19-20), mas igualmente voltadas para o amanhã (p. 20-21), com suas incertezas, mas também possibilidades de saídas: como as vacinas (p. 22-23), dos protocolos para o tratamento das sequelas nas pessoas que sobreviveram ao contágio e dos medicamentos e terapias capazes de minimizar os danos, tanto físicos quanto mentais, sofridos por essas pessoas (p. 25-38). Defende que “nesse dédalo de interrogações e prognósticos em que nos encontramos, resta-nos investir na ciência, na mitigação de danos ao coletivo, na valorização da pessoa, sem retórica, e no acesso equânime aos serviços de saúde e à clara, assumida, assistência aos que precisam” (p. 34).
2) Projetos de sociedade: fundamentos filosóficos e práticas políticas (p. 39-68), escrito por Dr. Manfredo Araújo de Oliveira, considerado um dos mais importantes e lúcidos filósofos de nosso país. Tendo-se em conta que a crise civilizatória exige uma visão racional para a construção de uma alternativa, o autor caracteriza os desafios sistêmicos do capitalismo global sua nova arquitetura de poder, entendendo seus mecanismos (p. 39-53) e suas alternativas (p. 54-67), já que os problemas se situam não simplesmente nas pessoas, mas na forma de organização social. Assim, os pilares/ fundamentos filosóficos de um projeto para uma nova sociedade apontada por Manfredo de Oliveira trazem elementos para uma pensar e empenhar-se na construção de uma “sociedade ambientalmente sustentável e focada no cuidado da casa comum, economicamente mais igualitária, socialmente inclusiva, culturalmente acolhedora das diversidades e capaz de dialogar com os diferentes” (p. 10).
3) Desvendando as mensagens dos sintomas (p. 69-83), de autoria do professor emérito de Medicina da Universidade Federal do Ceará e Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria Social – Dr. Adalberto de Paula Barreto. O autor pretende com sua reflexão focar no que não é visível, não palpável no campo da subjetividade, apresentado uma síntese de informações, oriundas de universos culturais distintos, de experiência de vários autores, enriquecidos com sua experiência como etnopsiquiatra (p. 72-79). Nestas páginas, a reflexão que se faz sobre o nosso corpo, enxergamos uma outra dimensão presentes nas doenças: as dores do corpo são o grito de nossa alma. Diante disso, o autor salienta que “poder ir além da dimensão física e auscultar a linguagem simbólica de nossas dores exige um esforço pessoal constante, para ultrapassar leituras dogmáticas que tendem a reduzir os fenômenos complexos a apenas uma de suas partes” (p. 79).
A segunda seção - Sabedoria e espiritualidade na Bíblia e nos povos ancestrais (p. 85-124), composta de três reflexões. Estas alargam o horizonte para “acolher, ao lado da tradição bíblica, a sabedoria, a espiritualidade e as práticas curativas de diferentes povos ancestrais” (p. 11):
4) Povos originários e defesa dos territórios: ancestralidade, terra, cultura e saúde (p. 87-102), escrito por Maria Isabel de Oliveira da Silva. A presente reflexão objetiva “perceber a riqueza cultural que têm os povos indígenas em sua ancestralidade, em seu território, em sua saúde e, principalmente, nas narrativas e memórias, que fazem parte de sua espiritualidade” (p. 87). A autora que “vem da rica diversidade e convivência dos muitos povos indígenas do alto Rio Negro, no Amazonas, desvenda as muitas dimensões entrelaçadas no enfrentamento da pandemia” (p. 11).
5) Práticas e conhecimentos ancestrais no cuidado com a saúde no povo Kaiowá (p. 103-111), de autoria da pastora e teóloga luterana Graciela Chamorro, apresenta-se “ a força da palavra, sobretudo da palavra cantada, nos rituais do grupo, incluindo a cura pessoal” (p. 103). Chamorro esclarece que “as palavras cantadas são proferidas geralmente por pessoas maduras, que memorizaram os versos acompanhando os rituais desde a infância, pessoas reconhecidas pela sua resistência física e psíquica, pois o ritual faz reviver episódios trágicos do passado, aos quais se integram os fatos vividos pela comunidade celebrante no presente” (p. 104). Assim “nas comunidades Kaiowá orientadas pela cultura tradicional, a voz tem elevado valor antropológico, cosmológico, filosófico e teológico. No ñevanga, enquanto experiência musical, há um clima de muito afeto e cuidado para com a pessoa doente. A palavra proferida, sobretudo, da sua psique, de sua alma, livra-a de qualquer culpa que possa lhe acometer, pois explica o quadro de desamparo e doença por meio de dados gerais da cultura” (p. 110).
6) A espiritualidade da compaixão e do compromisso na tradição bíblica (p. 113-124), de autoria de Edson Fernando de Almeida, pastor emérito da Igreja cristã de Ipanema, no Rio de Janeiro. O autor mostra como a compaixão divino-humana é o fio condutor da tradição bíblica tanto nos relatos do Primeiro Testamento (p. 113-115) bem como nos do Segundo Testamento (p. 115). A compaixão é a marca mais profunda, é o signo mais potente para dizer o Mistério de amor em que somos, vivemos e existimos – sendo por isso, denominado posteriormente por diferentes autores como chamado de pathos divino (p. 115-117) e princípio da compaixão (p. 117-120), ambos, animadores de uma comunidade de fé e estruturadoras do seu viver (p. 120-124).
Na terceira seção - Pastoral (p. 125-139), o texto de Pe. Patriky Samuel Batista, secretário da CNBB para a Campanha da Fraternidade aborda a temática a ser refletida neste ano de 2022: Fraternidade e Educação (p. 127-139). Entendendo a educação à serviço da vida (p. 127), o autor oferece uma síntese do texto-base (p. 128-139), e, salienta que “a educação, tão prejudicada pelo isolamento social, imposto pela pandemia, que deixou em casa, sem aulas presenciais, os cerca de 72 milhões de estudantes do ensino infantil, fundamental, médio e superior. O tema da CF é Fraternidade e Educação, como o lema: Fala com sabedoria, ensina com amor. O desafio é recuperar esses dois anos meio perdidos para as crianças, repensar a educação tão desigual para as grandes maiorias desfavorecidas e desafiar um Ministério da Educação errático e que tem atuado mais contra do que a favor de uma educação pública de qualidade para toda a população” (p. 11-12). O enfrentamento destes desafios proporcionará na medida do possível “uma educação integral, a serviço da vida” (p. 139).
Na quarta seção – Experiências práticas do cuidar e do curar (p. 141-200), composta de cinco reflexões:
8) Ética do cuidado para o bem comum no Curso de Verão (p. 143-184), é um texto construído pela equipe da Sala de cuidado/ organizados e sistematizados por Cleberson Aparecido Ferreira, Máxima Cristina M. da Sila e Thays Cesar (p. 147-150), com depoimentos sobre as diversas terapias trabalhadas no Curso de Verão: o reiki (p. 154-157); florais de Bach (p. 157-160); benzimento ou benzedura (p. 160165); dimensão terapêutica do tarô (p. 165-169); a auriculoteparia (p. 170-172); a reflexologia podal (p. 172-175); a cromoterapia (p. 175-177); barra de access (p. 177-183).
9) Terapia Comunitária Integrativa (p. 185-186), escrito por Dra. Doralice Otaviano.
10) Naturopatia (p. 187-191), de autoria de Guilherme Teixeira Freitas e Selma de F. dos Anjos Barbosa.
11) Cannabis Sativa: o uso medicinal da maconha quebra e barreiras e de preconceitos (p. 193-197) escrito por Prof. Waldir A. Augusti e Gabrielle Dainezi.
12) Biomagnetismo (p. 199-200), de autoria da Profa. Lenita Botaro.
Estas valiosas contribuições trazidas nesta seção mostram que “essas experiências e práticas de cura estão cheias de ensinamentos e de preciosas dicas para o cuidado consigo mesmo, com as demais pessoas e a comunidade” (p. 12).
O Curso de Verão é exemplo concreto de teologia construída junto com o povo e para o povo. As reflexões do 35º Curso de Verão contidas nesta obra com ênfase na saúde para todas as pessoas mostram e ajudam a clarificar e entender como a “pandemia da Covid-19 escancarou a escandalosa e inaceitável desigualdade econômica, social, ambiental e sanitária da nossa sociedade. O patrimônio e a renda dos mais ricos não pararam de crescer na pandemia, enquanto a pobreza, as enfermidades e a fome avançaram a galope entre as demais classes sociais” (p. 8-9). Além disso, “não há como esconder que esse vírus atingiu não apenas os corpos, mas também o ânimo das pessoas, trouxe feridas afetivas inseparáveis pela perda de entes queridos e provocou abalos mentais profundos, com ondas de tristeza, depressão e, infelizmente, suicídios” (p. 7).
Certamente o conjunto das reflexões contribuíram para a “busca de caminhos coletivos para reconstruir, local e globalmente, nossa casa comum, para a sustentabilidade social e ambiental, para garantir acesso à saúde de boa qualidade para todas as pessoas e para partilhar conhecimentos e práticas terapêuticas alternativas para o seu bem-estar” (p. 14), unindo-se “a todas as pessoas, que buscam saídas para a crise e às que já estão construindo formas alternativas de relações, redes e estruturas, para resistir e plantar sementes de um futuro melhor” (p. 8).