18 Janeiro 2021
O Papa Francisco chama essa atitude de nada menos do que “negação suicida”. Essa é a expressão que ele usa para descrever quem não acredita na vacina anti-Covid.
O comentário é de Isabelle de Gaulmyn, publicado em La Croix International, 16-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Alguns podem dizer que o papa está exagerando. Outros podem se surpreender por ele ser tão zeloso em promover a vacinação contra o coronavírus.
Sim, e Francisco não é nada ingênuo. Se ele assumiu uma posição tão clara, é porque ele sabe como é perigoso quando a linguagem religiosa é usada para sustentar as atuais teorias da conspiração contra a vacinação. Ele sabe que isso corre o risco de envenenar lentamente as próprias religiões.
Nos Estados Unidos, até mesmo algumas lideranças evangélicas que simpatizam com Donald Trump estão começando a se preocupar com o quão suscetíveis as suas comunidades são à maluca ideologia do QAnon.
É impressionante como muitos “anti-vaxxers” ao redor do mundo estão usando a linguagem bíblica para sua própria causa.
Eles gostam especialmente de citar o livro do Apocalipse, equiparando sua luta a uma “guerra espiritual”, como disse a conselheira religiosa de Trump, Paula White.
Eles dividem o mundo em dois campos – um bom e outro mau. Eles retratam a vacina como a “marca da Besta”.
Esse uso distorcido da Bíblia funciona como todas as grandes narrativas conspiratórias. Ele oferece uma explicação simplista e inequívoca para as complexidades do mundo. E nasce de uma grande desconfiança em relação à própria instituição eclesial.
Não é por acaso que o arcebispo Carlo Viganò, ex-núncio nos Estados Unidos e o mais feroz inimigo católico do Papa Francisco, está entre os que defendem as teorias da conspiração.
O prelado italiano enviou uma carta a Donald Trump para denunciar supostas tentativas de escravizar povos do mundo ocidental, dizendo que o papa está encorajando tais esforços.
Viganò fez um discurso sobre o fim dos tempos repleto de referências bíblicas e exortou as pessoas a se recusarem a participar dos “malvados” projetos de vacinação.
As opiniões do arcebispo são as de uma pequena minoria na Igreja Católica. Mas, infelizmente, tais opiniões estão sendo amplamente difundidas pela internet.
O papa, que é muito sensível à Igreja “fora dos muros”, sabe muito bem que muitas pessoas adotam essa retórica apocalíptica.
Isso alimenta seu desejo desesperado de compreender um mundo que não é mais compreensível. Oferece uma explicação fácil para a atual pandemia, em uma forma totalmente distorcida de religiosidade, ou seja, em essência, uma espécie de heresia pós-moderna.
No domingo passado, foram espalhados boatos nas redes sociais de que Francisco havia sido preso por uma misteriosa “polícia federal italiana” por pedofilia e de que o Vaticano havia sido afetado por um “apagão” elétrico.
Eram informações totalmente falsas, mas os teóricos da conspiração dos Estados Unidos as engoliram, e membros do movimento QAnon nomearam o chefe da Igreja Católica como seu inimigo número um.
O papa sempre foi um crítico de quem promove teorias da conspiração.
Seu apoio à vacinação e as reflexões éticas do Vaticano sobre a sua importância têm como objetivo neutralizar o veneno dos conspiradores.
Ele insiste que o cristianismo não rejeita a razão, mas aceita as abordagens médicas e científicas, e não as contradiz.
Ele argumenta que o cristianismo não é apenas um sistema de crença, mas é também a fé em um Deus que nos abre para o outro, enquanto as teorias da conspiração encorajam o retraimento e a divisão.
E mostra que tomar a vacina não é uma ameaça para o eu. Em vez disso, é um ato de solidariedade com os outros, especialmente os mais fracos e vulneráveis. É uma forma de cuidar, juntos, da nossa “casa comum”.
Não há nada de trivial na vacinação. É uma questão verdadeiramente humana.
Como escreveu Francisco na encíclica Fratelli tutti, com a pandemia “recordamo-nos de que ninguém se salva sozinho, que só é possível salvar-nos juntos” [n. 32].
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Uma heresia pós-moderna: o uso distorcido da religião para sustentar teorias da conspiração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU