Violência contra as mulheres

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29 Novembro 2021

 

"O que caracteriza os feminicídios como fenômeno social contemporâneo é o fato de que muitas vezes nascem da justa pretensão das mulheres de desfrutar dos mesmos direitos e da mesma liberdade dos homens. Do fazer valer, em suma, sua tão proclamada igualdade", escreve Giuseppe Savagnone, professor de doutrina social da Igreja no departamento de jurisprudência da LUMSA (Libera Università degli Studi Maria SS Assunta de Roma), sede de Palermo, em artigo publicado por Tuttavia, 26-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

No dia 25 de novembro, celebrou-se o dia contra a violência contra as mulheres. Já o fato de ser necessário instituir um dia com esse propósito mostra que o problema é grave.

 

Enquanto, nos últimos anos, o número total de homicídios cometidos na Itália vem diminuindo progressivamente, o mesmo não acontece com aqueles que tem as mulheres como vítimas: 133 em 2018, 111 em 2019, 112 em 2020, mas já 100 no final de outubro deste 2021 (contra 93 na mesma data em 2020). E muitos desses atos de sangue têm como protagonistas os maridos ou os companheiros das vítimas.

 

O último caso, estarrecedor, em Sassuolo, onde um homem matou a sua companheira, Elisa Mulas, com a mãe e dois filhos pequenos, depois da história do casal ter acabado há alguns meses. Desde então, o homem vinha ameaçando a mulher e há poucos dias Elisa o denunciou. Infelizmente, em vão. Após o massacre, o assassino, por sua vez, tirou a própria vida.

 

O feminicídio é um dos poucos fenômenos para os quais a opinião pública italiana converge numa condenação unânime. No entanto, essa concordância em denunciar sua gravidade nem sempre é acompanhada por um esforço adequado para a compreensão dos motivos. Na maioria das vezes, paramos na indignação, nas denúncias genéricas, nas boas intenções, com o sério risco de cair em uma retórica estéril. Talvez poderia ser necessário um pouco mais de reflexão, o que inevitavelmente levaria a fazer algumas perguntas.

 

Um paradoxo: igualdade e violência

 

Porque é certamente paradoxal que a violência contra as mulheres tenha crescido precisamente numa fase histórica em que finalmente foi reconhecida a elas (pelo menos em princípio: a prática é outra coisa) a igualdade em muitos setores da vida social. Como é que justamente neste momento, que vê reconhecida a igualdade entre os dois sexos (repito: pelo menos formalmente), aquele que mais se beneficiou de tal reconhecimento (enfim!) se descobre objeto de violência?

 

Uma tentativa de resposta poderia provir da análise de um dos maiores estudiosos contemporâneos sobre a origem e o significado da violência, o conhecido antropólogo René Girard, que, em suas obras, tem argumentado que a violência não surge apesar da igualdade, mas precisamente por causa dela.

 

Para Girard, a recíproca agressividade entre os seres humanos é desencadeada por um jogo mimético, por um instinto de imitação que leva cada um a desejar o que os outros desejam. A violência, na sua forma selvagem, descontrolada, nasce da perda das diferenças que deveriam, distinguindo-os, orientar os sujeitos para objetivos diversos e permitir que se relacionassem entre si harmoniosamente.

 

“Não são as diferenças”, observa o estudioso, “mas a sua perda que provoca a rivalidade louca, a luta acirrada entre os homens de uma mesma família ou de uma mesma sociedade”. São os iguais que se chocam uns contra os outros: “Dois desejos que convergem para o mesmo objeto tornam-se obstáculos recíprocos. Qualquer mimese que diga respeito ao desejo leva automaticamente ao conflito”.

 

Para Girard, o caso do fratricídio é emblemático dessa violência mimética: Caim e Abel, Rômulo e Remo ... Nesse confronto, os adversários não se caracterizam mais por sua identidade, mas justamente porque a sua perda os coloca tragicamente em uma condição de não mais poder se diferenciar: “A crise lança os homens num perpétuo confronto que os priva de qualquer caráter distintivo, de toda 'identidade'”.

 

É a trágica experiência da massificação que, sob a bandeira das modas dominantes, achata os indivíduos e os homologa. Girard evoca, a este respeito, "a metáfora do dilúvio que tudo liquefaz, transformando o mundo sólido em lamaçal".

 

Há algo nessa análise que parece apropriado para o problema do feminicídio. Também no passado as mulheres eram mortas, mas o que caracteriza os feminicídios como fenômeno social contemporâneo é o fato de que muitas vezes nascem da justa pretensão das mulheres de desfrutar dos mesmos direitos e da mesma liberdade dos homens. Do fazer valer, em suma, sua tão proclamada igualdade. Isso é o que seus parceiros não aceitam, reagindo com a violência.

 

 

Uma violência que, de fato, olhando mais atentamente, não surge - como nos assassinatos das mulheres do passado – da prepotência do homem, mas do seu desespero em descobrir a sua própria fragilidade diante do emergir da liberdade de um sujeito que não consegue mais controlar. Um desespero que às vezes desemboca, como no caso do assassino de Elisa Mulas, no suicídio.

 

Autorrealização e homologação

 

Não há, portanto, solução para essa inquietante correspondência entre o crescimento na igualdade e violência contra as mulheres? Antes de aceitar tal conclusão, valeria a pena se perguntar se a igualdade deveria realmente se traduzir - como na interpretação feita por Girard - em uma perda das diferenças.

 

É possível uma igualdade que não seja homologação, isto é, que se realize não apesar das diferenças, mas justamente através delas? Talvez sim, mas desde que sejam superados alguns clichês que hoje contribuem para esse achatamento e, consequentemente, dão origem à selvagem conflitualidade entre os indivíduos.

 

 

Um é certamente aquele segundo no qual, na crise geral dos valores e dos fins tradicionais, o único impulso das nossas escolhas ficou sendo a busca da autorrealização. Se hoje se pergunta a um jovem por que quer seguir uma profissão, por exemplo, a de médico, na grande maioria dos casos a resposta será que quer realizar-se.

 

E nisso, certamente, há algo de válido, que a ideia de missão, dominante no passado, arriscava deixar na sombra. Mas há também uma recaída em um excesso oposto, que, por sua vez, esconde um aspecto decisivo.

 

Porque a medicina não nasceu para que os médicos se realizem, mas para curar os doentes. Como qualquer outra profissão, implica que a realização de quem a exerce seja a consequência da busca do fim inerente àquele trabalho específico. A missão não é tudo, mas não pode ser liquidada, como hoje acontece.

 

Algo semelhante vale para o relacionamento de casal. Se duas pessoas se casam ou compartilham uma convivência estável só porque cada um dos dois tenta se realizar, e não para constituir uma família – ou seja, algo mais do que a soma dos respectivos interesses -, o resultado inevitável será a precariedade de uma relação, que só durará enquanto um dos dois não tiver a impressão de que pode ser melhor realizada com uma pessoa diferente de seu parceiro atual.

 

O slogan "estamos juntos enquanto ficamos bem juntos" implica que não existe – que nunca tenha nascido - uma verdadeira comunidade à qual sacrificar algo dos próprios interesses particulares. A crise atual de tantos casamentos, como a instabilidade de tantas convivências, está ligada a tal premissa.

 

No mito da autorrealização, absolutizada e tornada independente de seus conteúdos concretos, as diferenças de fins que distinguem a realização de uma pessoa daquela de outra são engolidas, como em um buraco negro. Se todos querem apenas se realizar, não há mais capacidades e tarefas específicas que caracterizem a realização de um em relação àquela do outro.

 

Isso também se aplica ao homem e à mulher. Algumas estudiosas feministas conhecidas (Butler, Haraway) insistem na necessidade de as mulheres renunciarem à perspectiva da maternidade. Naturalmente, em nome da autorrealização.

 

Nessa luta pela mesma coisa - a vazia autorrealização de si - também se traduz com eficácia a lógica da sociedade neocapitalista, que distingue as pessoas não pelo que são, em sua identidade inconfundível e preciosa, mas por seu maior ou menor sucesso.

 

A igualdade, como na série Round 6, consiste em ter o mesmo ponto de partida para essa corrida pela sobrevivência, mesmo ao custo da vida dos outros.

 

Nesse grande jogo, os homens descobrem nas mulheres pessoas concorrentes. E experimentam a inversão dos papéis, pois, ao adotar seu mesmo estilo, elas muitas vezes conseguem alcançar melhores resultados.

 

Sempre habituado a um predomínio de gênero, que prescindia das qualidades pessoais dos indivíduos e se baseava a priori em sua identidade biológica, o homem se vê deslocado pela ascensão vertiginosa de mulheres cada vez mais capazes de questionar sua primazia tanto no campo dos estudos e do trabalho, quanto naquele da vida sexual e afetiva.

 

 

Isso explica por que a igualdade - "esta" igualdade, que anula as diferenças substituindo as pessoas e seus desejos por uma corrida selvagem para a autorrealização – produz os feminicídios. O homem, confuso e enfurecido, reage com a violência. Contra a outra e, no final, contra si mesmo.

 

Homens e mulheres só podem se salvar juntos

 

Precisamos de leis, precisamos de sistemas mais eficazes de proteção das mulheres, mas nenhuma resposta jurídica ou de segurança pública pode substituir aquela que deveria ser representada por uma revolução cultural, capaz de restituir à autorrealização os seus conteúdos e, com eles, as diferenças entre as pessoas.

 

Somente a redescoberta de uma igualdade na diversidade poderá garantir aos homens a recuperação da sua identidade masculina, numa lógica outra que não seja aquela do poder e da dominação - como foi muitas vezes no passado - e, para as mulheres, uma emancipação que não as liberte apenas de uma subordinação mortificante, mas também dos parâmetros culturais desviantes emprestados justamente do mundo masculino.

 

Para salvar as mulheres da violência, é preciso ajudar os homens a se reencontrarem em uma nova perspectiva, em que autorrealização e missão se interpenetrem. E para salvar os homens, é preciso ajudar as mulheres a viver sua justa emancipação em todos os níveis - afetivo, profissional, político - focando em sua identidade, antes que no sucesso.

 

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