25 Novembro 2021
Também para a Igreja Católica os espaços estão se fechando na Nicarágua, ante uma incessante repressão contra qualquer voz crítica ao regime de Daniel Ortega.
A reportagem é de Emilia Rojas Sasse, publicada por DW, 23-11-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A prisão de Edgard Parrales, que foi embaixador da Nicarágua na Organização dos Estados Americanos no primeiro governo de Daniel Ortega, ainda não foi confirmada oficialmente até o fechamento deste artigo. Parrales participou antes em um programa de televisão em que se falou da decisão do governo nicaraguense de retirar o país da OEA. Não era a primeira vez que o ex-padre, que um dia se somou às fileiras sandinistas e ocupou vários cargos depois da ditadura de Somoza, se pronunciava publicamente fazendo críticas ao regime de Daniel Ortega. Assim como Ernesto e Fernando Cardenal, Miguel d’Escoto foi suspenso em 1984 do exercício sacerdotal por abraçar a Teologia da Libertação. E mesmo havendo deixado o sacerdócio há muitos anos, casou-se e formou uma família própria; sua história em certo modo é um reflexo do que a Igreja Católica viveu no país.
Figuras que outrora apoiaram o sandinismo, agora são perseguidas. “Edgard Parrales foi preso por pessoas que não usavam uniforme de polícia, e não havia uma ordem de prisão contra ele. Então foi como um sequestro”, disse Barbara Lucas, do Informationsbüro Nicarágua, uma associação alemã com sede em Wuppertal que leva mais de quatro décadas informando sobre esse país. “A prisão de Edgard Parrales é outro sinal de que qualquer um que se pronunciar publicamente está arriscando sua liberdade. E este senhor tem 79 anos, isso é um perigo para sua vida”, destaca.
As vozes opositoras são caladas, com prisão, pressões e ameaças. E não se excluem os padres de hoje, que denunciam atropelos aos direitos cidadãos desde o púlpito. “Alguns foram retirados pelo Vaticano, porque sua situação era de muito risco”, indica Barbara Lucas. O caso mais conhecido é do bispo nicaraguense Silvio Báez, que em seus sermões criticava o regime de Daniel Ortega e falava abertamente de uma “ditadura”. Agora ele se encontra em Miami, por decisão do Vaticano.
Desde os tempos da revolução sandinista, na qual muitos religiosos tomaram partido contra Somoza, até a atualidade, muito mudou. Depois da reconciliação em 2005 de Daniel Ortega com o já falecido cardeal Miguel Obando y Bravo, que havia sido um forte detrator, houve uma etapa de aproximação. E quando os protestos de 2018 explodiram, foi a Igreja nicaraguense que intercedeu ante o governo. “Foi um forte apoio para a população, sobretudo para os jovens que estavam sendo tratados com uma violência terrível. Havia certo respeito pela Igreja Católica. Muitos cardeais se colocaram a favor do povo, mas também houve palavras de mediação. Intercediam também para que o governo da Nicarágua cessasse com essa violência desnecessária”, disse Betina Beate, diretora do departamento de América Latina de Misereor, uma organização de ajuda ao desenvolvimento do episcopado alemão.
Mas a situação se agravou com o aumento da repressão. E a Igreja também foi alvo de vários ataques. Resta à Igreja algum espaço de ação, em um país tão católico como a Nicarágua? “Acho que sim, que tem margem para oferecer um espaço para a população, falar, curar feridas, mas acredito que não tenha um papel de mediação, porque o regime não está disposto a um diálogo real”, aponta Bárbara Lucas.
Betina Beate também acha que é tarde para uma mediação. “Há muitos religiosos na Nicarágua que têm a sabedoria para poder mediar, para que o conflito diminua de intensidade e haja um diálogo. Mas acho que o governo não vai ter a intenção agora de pedir à Igreja a mediação, e sem a vontade do governo, essa mediação é impossível”, diz.
Barbara Lucas afirma que na Nicarágua “existe uma ditadura, um estado policial”, sem liberdade de expressão. “Para mim, pessoalmente, é um caminho muito doloroso, porque nos anos 1980 havia muita esperança, muitos sonhos, muito idealismo, e aos poucos vimos como os espaços para uma sociedade justa e mais solidária foram fechando”, diz. Mesmo assim, ela acredita que a Igreja ainda tem um papel importante. “Mas, neste momento, é um papel um pouco abaixo da superfície, porque atuar em público pode ser muito perigoso”, estima, e lembra o que acabou de acontecer com Edgard Parrales.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Nicarágua. Igreja: um reduto de crítica na mira do regime - Instituto Humanitas Unisinos - IHU