23 Novembro 2021
Existe uma falha que atravessa e divide o mundo dos tradicionalistas cristãos e foi provocada pelo vírus da pandemia.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 20-11-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A recusa da vacina é teorizada no mundo estadunidense e anglo-saxão devido à estreita conexão entre a conspiração do QAnon, a defesa da moral “de sempre”, o apoio político a Trump e, no que diz respeito aos católicos, a oposição ao Papa Francisco.
A situação no tradicionalismo cristão e católico na Europa é diferente, desde o tradicionalismo curial romano aos lefebvrianos. Não há oposição ao vírus, mesmo que haja uma participação na ideologia conspiratória. Mas uma parte dos antivacina católicos, representados por Dom Carlo Maria Viganò, compartilha plenamente a direção estadunidense, até à ruptura interna com seus companheiros de viagem.
Aconteceu em junho passado. Roberto De Mattei, à frente da fundação Lepanto e responsável pelo site Corrispondenza Romana, assim como da revista Radici Cristiane, confrontou-se duramente com Dom Viganò, indicando-o como um retórico polemista que prega temas que lhe são desconhecidos “a ponto de se lançar a considerações de geopolítica e filosofia da história, alheias ao seu modo de pensar e de se expressar”.
Um desvio que lhe permite se apropriar das batalhas tradicionalistas (contra o Concílio e o Papa Francisco), saqueando um jardim que não é dele, do qual não conhece nada. Ele realiza a sobreposição entre a escatologia cristã e a palingênese da conspiração.
A resposta de Dom Carlo Maria Viganò não foi menos afiada: ele lamenta a virada do professor a seu respeito, antecipada, aliás, por escritos “que parecem compostos por um funcionário obscuro do regime, obediente à narrativa dominante”.
A colisão foi renovada em novembro. Francesco Boezi publicou no Il Giornale (14 de novembro) um artigo no qual acusava os tradicionalistas antivacina de dividir o front da defesa da tradição por causa das tolices sobre as vacinas. “Oito anos de críticas doutrinais finíssimas e estruturadas contra o papa, para depois descer ao nível da conspiração antivacina”, provocando o colapso da credibilidade de todos.
“Não é nenhum mistério que as argumentações de Burke, Viganò e outros, pelo menos antes do advento da pandemia, tenham aberto uma brecha em uma parte da chamada ‘base católica’. Mas é igualmente indubitável que, com as posições assumidas sobre a vacina e afins, os tradicionalistas estão correndo o risco de uma crise generalizada, na Igreja e fora dela, investindo sobretudo contra a fiabilidade das posições dos consagrados conservadores. A fase atual é um divisor de águas: vale para a política assim como para o Vaticano. E inclinar-se por teorias anticientíficas e conspiratórias, especialmente à luz da eficácia comprovada das vacinas anti-Covid-19, tem consequências”.
Isso significa ser condenado à falta de influência e à caricatura.
No dia seguinte, o arcebispo Viganò respondeu irritado: “Você também se alinha com a ‘criminalização da dissidência’, mas acrescentando a ela um interessante paralelo, que eu subscrevo: quem é contra a narrativa pandêmica também é contra o papel de Bergoglio como profeta do Great Reset. Esse elemento, a seu modo de ver, afetaria todo o front ‘tradicionalista’, deixando o campo livre para o ‘progressista’, quando, ao invés disso, confirma – e é isto que os incomoda – a sua coerência ao identificar a mesma matriz subversiva tanto nas limitações das liberdades constitucionais do Green Pass [passaporte vacinal] quanto na propaganda bergogliana em favor do soro gênico, até o indicando como um ‘dever moral’”.
A pretensa sabedoria tática de Boezi e dos seus viola a coerência com os valores e representa uma rendição à secularização e ao mundanismo. Além disso, foi realizada com “uma absoluta incompetência profissional, não excluindo uma lúcida má-fé”.
Em suma, trata-se de servilismo à agenda globalista dos poderes obscuros “que é intrinsecamente anticristã e anticrística, e que se vale da colaboração da cúpula da hierarquia e do seu chefe, alistado como vendedor ambulante de vacinas e defensor do ecologismo neomalthusiano, precisamente porque os reconhece como aliados, confirmando a traição que aflige o corpo eclesial”.
O consenso compacto de toda a hierarquia católica ao impulso vacinal (dos bispos às conferências episcopais, das mídias às associações laicais) impediu a formação do consenso em torno das sugestões conspiratórias que ainda encontram espaço em alguns movimentos (Pro Vita) e no âmbito das redes sociais digitais e das mídias (os sites de Aldo Maria Valli e Marco Tosatti, como Bastabugie e Bussola Quotidiana).
A substância eclesial não está em jogo nas vacinas, mas sim a responsabilidade civil e o cuidado dos mais fracos. Um elemento precioso de contenção em uma sociedade como a ocidental que, em um terço, estaria disponível à narrativa conspiratória.
Muito mais difícil é a tarefa da cúpula da Ortodoxia nos países ex-soviéticos (incluindo a Grécia), que se chocam com bispos, monges e população, os quais, por uma longa tradição, desconfiam da credibilidade dos poderes políticos para permitir que gestos e tradições invalidem as práticas preventivas e curativas antipandêmicas.
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Rixas eclesiais antivacina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU