21 Outubro 2021
É uma incoerência: planejar um corte de emissões de gases do efeito estufa, enquanto se aumenta a produção mundial de combustíveis fósseis que, quando queimados, liberam esses gases responsáveis pela crise climática. Os governos mundiais planejam produzir até 2030 mais do que o dobro de petróleo, gás e carvão em relação ao que permitiria conter em 1,5 grau o aquecimento global da Terra, segundo a avaliação dos planos energéticos nacionais realizada pela ONU.
A reportagem é de Raúl Rejón, publicada por El Diario, 20-10-2021. A tradução é do Cepat.
A organização calculou que os governos mundiais, conjuntamente, planejam produzir nesta década 110% a mais de combustíveis fósseis em relação à quantidade que restringiria a temperatura extra a esse 1,5 grau, mas inclusive 45% a mais do que o desejado para que o aumento fique em 2 graus e assim, de alguma forma, cumprir o Acordo de Paris de 2015. O acordo que foi assinado por esses mesmos governos.
Sendo assim, enquanto muitos desses países anunciam programas de redução de emissões de gases do efeito estufa – chega-se a falar em emissões líquidas zero em 2050 -, “estão projetando níveis de produção mais altos do que os implicados em suas metas de redução de emissões”, destaca o relatório Lacuna de Produção 2021.
No último mês de setembro, um trabalho liderado pela University College de Londres recalculou a quantidade de petróleo que deveria permanecer sob a terra para cumprir essa meta de 1,5 grau. Se em 2015 estimaram que teria que ser 33% das reservas mundiais, em 2021, passaram para 58%.
“A produção mundial de combustíveis fósseis deve começar a diminuir de forma imediata e rápida para ser coerente com a limitação do aquecimento de longo prazo a 1,5 grau”, repete a ONU mais uma vez.
No entanto, os governos mundiais estão em uma direção contrária. As projeções apontam que a produção de petróleo e gás aumentará. Com 57% de excesso do primeiro e 71% do segundo, tendo como base limitar o aquecimento a 1,5 grau. A isso se acrescenta que, apesar de tudo indicar que haverá uma “modesta redução [global] de carvão”, a produção ainda estaria 240% acima da meta.
Três anos atrás, o IPCC detalhou a diferença em termos de impactos negativos que implica não alcançar o limite de 1,5 grau e chegar a 2 graus a mais no planeta. A última revisão dos planos climáticos dos países – que mostravam avanços – ainda prevê um aquecimento de 2,7 graus.
“A pesquisa é clara: a produção de carvão, petróleo e gás deve começar a diminuir imediatamente. E de maneira drástica”, resume Ploy Achakulwisut, uma das principais pesquisadoras do relatório. Achakulwisut, que trabalha no Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo, conta que, apesar dessa realidade, “os governos continuam planejando e apoiando alguns níveis de produção de combustíveis fósseis que excedem em muito o que poderíamos queimar”.
Quando se observa os estados concretos, fica claro como Austrália, Brasil, Canadá, China, Índia, México, Arábia Saudita e Estados Unidos estão “promovendo, investindo e planejando a expansão da produção” de gás e petróleo, segundo expõe a ONU.
A Rússia varia entre se estabilizar em petróleo (não reduzir) e continuar aumentando o gás. De fato, aproveita o derretimento do Ártico para impulsionar seus projetos de gás, antes impossíveis devido ao frio polar.
O carvão é o mineral fóssil do qual mais países esperam se livrar, mas, mesmo assim, Índia e Rússia aparecem com aumentos. A Austrália se estabiliza.
A análise faz uma crítica aos governos por oferecerem “significativo apoio político para a produção de combustíveis fósseis, por meio de isenções fiscais, financiamento, investimentos diretos em infraestrutura ou isenções dos requisitos ambientais”.
“Desde janeiro de 2020, os países do G20 destinaram 297 bilhões de dólares em novos compromissos financeiros públicos para atividades de consumo e produção de combustíveis fósseis. Embora os governos tenham começado a gastar uma maior porcentagem de seus gastos de recuperação da COVID-19 em energias limpas, ainda gastam mais em apoio aos combustíveis fósseis”. Essa análise indica onde uma boa porcentagem do dinheiro está sendo colocada.
Esse panorama coincide com o aumento já constatado de emissões de gases experimentado pelo planeta, ao longo deste 2021. Nem a pandemia conseguiu desacelerar o inexorável avanço das mudanças climáticas.
Passada a fase aguda da COVID-19, o relançamento das atividades fez com que quantidade de CO2, óxido nitroso e metano voltasse aos níveis de 2019 nos setores de geração de energia e industriais. A concentração de dióxido de nitrogênio na atmosfera também cresceu até esse momento do ano: 415 partes por milhão (ppm).
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Paradoxo climático: países anunciam cortes de emissões, enquanto planejam produzir mais combustíveis fósseis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU