20 Outubro 2021
"Se hoje repetimos apenas a afirmação correta sobre o segredo do confessionário e não sabemos mais falar de seu lado exterior, manifesto e público, da alegria e das dores que lhe estão associadas, exibimos evidências suspeitas e esquecemos verdades decisivas. E estes não são tempos para desmemoriados", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 18-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "quem confessa o pecado de abuso encontra um ministro que lhe anuncia o perdão gratuito de Deus e a pena que esse perdão acarreta. Essa pena pode ser identificada com a disponibilidade de cumprir a pena prevista pelo ordenamento civil. Mostrar o vínculo entre absolvição eclesial e condenação civil é uma das tarefas dos confessores que se preocupam com o bem não só do penitente, mas também dos terceiros prejudicados pelo pecado/crime do penitente".
A tradição do sacramento da penitência deve permanecer vigilante sobre alguns pontos fundamentais de sua evolução histórica. A pressão dos acontecimentos pode certamente levar a exageros, que muitas vezes compartilham, surpreendentemente, alguns "clichês" bem fundados, mas que facilmente se tornam unilaterais. Assim, a verdades que podem ser esquecidas, mas que deveriam ser lembradas, correspondem evidências suspeitas, pois infundadas, tendenciosas e desviantes. O cardeal Piacenza recordou ainda hoje uma verdade que fez profundamente parte da tradição sacramental e que deve ser cuidadosamente defendida: isto é, o segredo do confessionário. Quem recebe a confissão sacramental está sujeito ao mais estrito sigilo. Esse segredo não pode ser equiparado ao sigilo profissional nem a formas paralelas de "cobertura" ou "anonimato". O sigilo é uma das condições fundamentais da confissão, pelo menos pela forma que assumiu desde o segundo milênio na tradição latina.
Mas essa admissão, que merece todo o respeito, não permite que se resolva facilmente a questão da "confissão de abuso contra terceiros" que um sujeito batizado deve fazer ao seu confessor. As palavras do Cardeal, de fato, falam de uma verdade que não pode ser posta em discussão. Mas não contam toda a verdade. Não podemos extrair, desta afirmação, uma série de consequências que parecem "óbvias", mas que não são óbvias. Aqui, desejo apenas apresentar as "outras verdades" que devem ser lembradas, para que a afirmação do Prefeito da Penitenciaria Apostólica não se torne uma afirmação ambígua.
a) Não é de estranhar que o discurso sobre o "segredo" possa parecer no texto da entrevista bastante definitivo. Porque as fontes deste raciocínio são alteradas por uma noção limitada e sistematicamente incompleta do sacramento da penitência. Não é por acaso que o Cardeal Piacenza cita entre suas fontes o "código de direito canônico" e a definição do cânon 959-960. O próprio código difundiu, a partir de 1917, uma concepção formalista do sacramento. Seguindo o código, poder-se-ia pensar que a confissão consiste simplesmente em confessar o pecado e receber o perdão. Mas aqui falta tanto a interioridade como a exterioridade. A forma burocrática do sacramento não restitui a riqueza da tradição.
b) Se permanecermos neste modelo, a penitência torna-se uma espécie de "novo batismo", para o qual não é necessária nenhuma penitência. Uma espécie de "zeramento da experiência" que ocorre toda vez que um batizado se confessa. Mas esta também é uma grave forma de esquecimento. Por outro lado, um dos nomes mais interessantes com que o Concílio de Trento define a confissão é “batismo laborioso”. Aqui encontramos uma linha viva de tradição. Fazer da confissão uma espécie de "segundo batismo não laborioso" é um erro sistemático muito grave e acaba sendo caro.
c) O que significa que o sacramento da reconciliação deve redescobrir seu caráter "laborioso"? Significa que não pode reduzir a "dor interior" ao ato de dor e as obras penitenciais a 10 Ave-Marias! Essa diferença torna-se absolutamente decisiva quando o sacramento da reconciliação elabora efetivamente uma "condição de excomunhão" como aquela em que cai aquele que cometeu o pecado (e o crime) do abuso.
d) A relevância "interior" e "exterior" do sacramento implica a relevância interior e exterior dos atos do penitente. Quem confessa uma falta grave entra em um percurso de transformação interior e exterior. Não é um "excedente", mas constitui a razão sistemática do sacramento. Que tem o ato do perdão em comum com o batismo, mas tem a especificidade de pedir a resposta do sujeito pecador na boca, no coração e no corpo.
e) Portanto, o segredo do penitente não corresponde ao "segredo" do confessor. Aliás, uma das razões do sacramento é precisamente tirar o penitente do segredo. A ponto de pedir-lhe formalmente, como ato penitencial, que fale de seu crime com as autoridades competentes. Não raramente essa é a única maneira de realmente acertar as contas com o pecado.
f) Há, entretanto, uma outra razão. A Igreja não pode esquecer que o sacramento não tem a sua justificação apenas na lógica individual do pecador, mas encontra o seu sentido numa lógica eclesial e também social. Reparar o mal realizado faz parte da tradição que não pode ser silenciada, como se fosse secundária ou até mesmo desviante.
g) Quem confessa o pecado de abuso encontra um ministro que lhe anuncia o perdão gratuito de Deus e a pena que esse perdão acarreta. Essa pena pode ser identificada com a disponibilidade de cumprir a pena prevista pelo ordenamento civil. Mostrar o vínculo entre absolvição eclesial e condenação civil é uma das tarefas dos confessores que se preocupam com o bem não só do penitente, mas também dos terceiros prejudicados pelo pecado/crime do penitente.
Outro cardeal torna-se aqui muito útil. De fato, se o Cardeal Federigo, no famoso cap. XXIII dos Noivos (Manzoni), tivesse simplesmente absolvido o Inominado, pedindo-lhe apenas para rezar 10 Ave Maria, o romance de Manzoni teria travado. E Lúcia, como "terceira", estaria fora do jogo. O card. Federigo respeitou escrupulosamente o segredo, mas induziu o penitente a reparar, sem lhe esconder que teria "tanto a desfazer, tanto a reparar, tanto a chorar!"
Se hoje repetimos apenas a afirmação correta sobre o segredo do confessionário e não sabemos mais falar de seu lado exterior, manifesto e público, da alegria e das dores que lhe estão associadas, exibimos evidências suspeitas e esquecemos verdades decisivas. E estes não são tempos para desmemoriados.
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Segredo, confissão e abuso: Cardeal Federigo, o Inominado e Lúcia. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU