04 Outubro 2021
No verão passado, as irmãs da Fraternidade monástica de Jerusalém lançaram uma arrecadação de fundos seguindo as regras modernas do crowfunding para recuperar a estrada que leva ao eremitério de Gamogna, no interior florentino, onde residem desde 1998. Em pouco mais de um mês, chegaram os 30 mil euros necessários à realização da obra.
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada por Donne Chiesa Mondo, edição de outubro de 2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
No entanto, nem sempre isso acontece. Sabem bem disso as freiras da área do terremoto de Sant'Angelo in Pontano, na região das Marcas, obrigadas pelo duplo terremoto de 24 de agosto e 30 de outubro de 2016 a se mudarem para a Foresteria de Passo Sant'Angelo.
Um arranjo temporário, em teoria. As vinte e uma beneditinas já residem lá há mais de cinco anos, à espera da restauração do mosteiro de Santa Maria delle Rose. Assim, em 2019, lançaram uma campanha de financiamento de baixo para construir, junto ao prédio, um edifício capaz de albergar o refeitório, uma igreja e quartos para acolher novas vocações. O caminho para atingir os 300.000 euros previstos, no entanto, ainda está no começo.
Não é incomum nos últimos tempos que as religiosas recorram ao crowdfunding para conseguir sustentar a si mesmas e às suas atividades. Mas é apenas uma das mil maneiras com que se engenham para ir em frente. Porque hoje o problema do sustento das religiosas - consideradas em todas as várias distinções canônicas - é, justamente, um problema. A grande história da vida consagrada feminina ensina que se vive do trabalho das próprias mãos e da própria inteligência. Quando realmente não dá certo, existe a Providência. Um desafio cotidiano.
Mas hoje que as dificuldades econômicas são reais, o critério evangélico de colocar o pouco em comum é a força e a especificidade dessa forma de vida, e o modelo, se bem articulado, poderia também ser exportado para a sociedade civil para que todos tenham menos, mas que todos tenham alguma coisa.
Em tempos em que se agrava o grande fosso entre os poucos ricos e os muitos pobres, escândalo e ferida para a humanidade, a organização e o estilo de vida das mulheres consagradas oferecem testemunhos úteis. A pobreza a que as religiosas estão acostumadas é um "modelo" de sobriedade; a dependência do indivíduo da comunidade e da comunidade de cada pessoa com a partilha dos bens materiais (além dos espirituais) é um "modelo" de empresa. O hábito de não desperdiçar é um "modelo" social. Trabalhar juntos é cultura da solidariedade.
Não existe desigualdade entre as irmãs de uma congregação. Quer vivam em um país rico ou pobre, as irmãs de uma mesma congregação têm todas o mesmo sustento.
A pandemia agravou a crise já em curso ao interromper as atividades tradicionais de mosteiros, abadias e conventos que, historicamente, além de locais de oração e ajuda para o próximo, foram centros culturais, sociais e econômicos. O mosteiro foi durante séculos uma pequena cidade, geralmente autossuficiente, ajudado pelo fato de que as freiras eram muitas vezes de origem nobre e possuíam terras e bens. Resistiram assim durante todo o século XIX. Depois, o empobrecimento econômico foi progressivo.
Por último, lockdown e restrições à mobilidade - em primeiro lugar a interrupção total do turismo religioso - os colocaram em crise, exatamente como as outras empresas "seculares". A recessão geral desencadeada pela Covid também atingiu a solidariedade e fez com que os pedidos de ajuda crescessem exponencialmente.
Existem menos benfeitores? “As doações não diminuíram, não existem mesmo. A situação já era muito crítica antes. O vírus as levou ao extremo. A responsável de uma comunidade de cerca de quarenta freiras, todas idosas, confidenciou-me que havia perdido quinze irmãs no espaço de poucas semanas, durante a primeira onda de Covid 19. Para poder pagar os funerais, ela teve que pedir ajuda fora da comunidade. Além disso, de repente, a comunidade se viu com quinze pensões a menos. É apenas um caso, mas indicativo das enormes dificuldades para as religiosas”, conta a Irmã Claudia Grenga, irmã da Caridade de Santa Giovanna Antida e ecônoma da União das superioras maiores da Itália (Usmi), órgão nascido em 1950 para dar voz aos mais de seiscentos institutos religiosos femininos que pertencem à União.
Como vivem as religiosas? Não se pode generalizar. As estatísticas mostram que existem cerca de 650 mil mulheres espalhadas pelos cinco continentes e a situação é diversificada, muda por país, congregação, famílias religiosas, instituto; também depende do carisma individual. Depende se são ativas ou contemplativas. Freiras ou monjas.
Mas, é verdade para todas, as religiosas não têm formas de financiamento externo e devem sustentar-se com as suas - hoje poucas - forças (enquanto, por exemplo, na Itália existe o Instituto para o sustento do clero que paga o salário aos sacerdotes, no valor de cerca 1000 euros por mês).
Há aquelas que podem trabalhar: professoras, educadoras, enfermeiras, parteiras, e há médicas, cuidadoras, operárias, camareiras, empregadas domésticas, engenheiras, arquitetas. Outras estão empenhadas nas pastorais das dioceses ou ao serviço da Santa Sé e são pagas por esta. Há aquelas que ganham bastante e aquelas que não têm nada ou apenas a pensão social. “Até cerca de vinte anos atrás, podia-se falar grosso modo de quatro formas de subsistência: trabalho assalariado, doações, atividades produtivas e pensão por idade. Agora, com o aumento da idade média das religiosas, esta última é o principal recurso”, continua a Irmã Claudia. Trata-se de uma renda fixa mensal - o chamado subsídio social - para quem já completou 65 anos e independe de qualquer contribuição. O valor, porém, é baixo: entre 450 e 600 euros, que as destinatárias colocam em comum e ao serviço da comunidade.
“Em teoria, sendo algo que pertence à pessoa, deveria chegar em sua conta privada. Isso, entretanto, seria incompatível com o voto de pobreza. Portanto, existem acordos com o INPS e demais entes de previdência social para o recebimento o valor na conta única da comunidade onde a freira reside. Em qualquer caso, se isso não for possível, esta última retira o dinheiro e o entrega pessoalmente à responsável pela comunidade para que seja compartilhado. Em geral, as heranças recebidas das famílias de origem também são colocadas em comunhão. Não é uma obrigação para as irmãs de vida ativa – mas, sim para as monjas - é feito se a pessoa o considerar oportuno. Certamente resulta difícil administrar bens por conta própria”.
O voto de pobreza não implica, naturalmente, uma vida de miséria. Significa não dispor de dinheiro próprio. Para prover às próprias necessidades específicas, entretanto, a freira obtém o que precisa da responsável da comunidade ou da ecônoma. O compartilhamento também diz respeito ao salário de quem desempenha um trabalho assalariado, remunerado de acordo com o contrato coletivo nacional.
“Aquelas que têm emprego regular, no entanto, são cada vez menos devido ao aumento da idade média das religiosas. O que implica em uma queda drástica nos recursos mensais. Quanto às doações, pertencem a outra época e a outra visão de mundo. As doações, além disso, eram para a missão, para a realização de obras e muitas vezes vinculadas a estas. Ainda existem algumas fundações que podem ser contatadas em caso de emergência, mas são ofertas pequenas. Uma modalidade para obter ajuda é preparar projetos e propô-los à Conferência Episcopal italiana (CEI) ou à União Europeia ou outras entidades. Os procedimentos exigidos são, no entanto, complexos e articulados: só os institutos mais organizados conseguem se habilitar”, ressalta a ecônoma da Usmi. As atividades produtivas são reduzidas ao mínimo.
Para as escolas paritárias, já deficitárias, e as casas de veraneio, a pandemia produziu um verdadeiro colapso financeiro. “Só resistem os cursos profissionalizantes financiados pela Região. As clínicas conveniadas são poucas e, por falta de pessoal, são em sua maioria confiadas à gestão de cooperativas externas. Os trabalhos antes realizados pelas irmãs - como forma de contribuição à vida de sua família religiosa – agora são realizados por funcionários regularmente contratados, o que empobrece ainda mais os cofres dos institutos. Restam as casas-família, onde crianças de famílias em dificuldade são acolhidas.
Municípios e Regiões, porém, têm dificuldade para honrar seus compromissos com pontualidade e as religiosas são obrigadas a realizar saltos mortais para que não falte o necessário, à custa de se endividarem. Para fazer face à situação, está se tentando formalizar uma forma de remuneração, ainda que mínima, para as atividades pastorais realizadas pelas religiosas nas dioceses e nas paróquias. No momento não existe de forma sistemática, mesmo que algum bispo ou pároco garantam uma pequena compensação. No entanto, gostaríamos que não fosse apenas um ato de boa vontade, mas uma norma e estamos trabalhando para estabelecer acordos entre as dioceses e as congregações religiosas”.
O trabalho das irmãs para a Igreja, que muitas vezes é gratuito, anima debates e reflexões. Há dois anos, durante um workshop organizado pela UISG, a União Internacional das Superioras Gerais, sobre a prevenção do burnout e resiliência na vida religiosa, a palestrante Maryanne Loughry chamou a atenção para os horários das freiras dentro das estruturas eclesiais. Hoje a Irmã Maryanne reitera que "seriam úteis acordos com os diversos ministérios parceiros sobre salários, horas, funções e referências".
Claro, é dado como certo que quem que pertence a uma ordem religiosa recebe moradia e estadia, mas o problema não é como vive, o que come e onde dorme cada freira individualmente. O problema é o sustento da família religiosa, às voltas também com outro grave problema: a tutela dos bens, que significa cuidado, mas também manutenção. Felizmente, em alguns casos são ainda substanciais, mas muitas vezes trata-se de imóveis que já não são mais rentáveis e que necessitam de manutenção, obras de reforma ou consolidação. Os bens dos institutos são bens eclesiásticos e os institutos devem preocupar-se com a sua gestão, tendo em conta que a utilização dos recursos econômicos deve sempre estar ao serviço dos fins do próprio carisma.
De fato, cada instituto faz por sua conta. Cada mosteiro é sui iuris, desfruta de autonomia jurídica. Mas se isso é sinal e garantia de independência e, portanto, de liberdade, a contrapartida é que às vezes existem mais dificuldades para intervenções e ajuda de fora.
Assim, muitos conventos fecham, poucas freiras e muitos gastos de gestão. Em maio passado, as três freiras que permaneceram no mosteiro de Santa Croce di Sabiona, no Alto Adige, tiveram que deixar a estrutura depois de mais de três séculos. “Quando uma comunidade não pode mais garantir seu futuro econômico de forma autônoma, a saída é um passo necessário, ainda que drástico. Fazer isso agora não significa fracassar, mas é um sinal de responsabilidade. Tudo o que um mosteiro viveu e realizou durante a sua existência permanece precioso e fecundo”, explicou o responsável da congregação beneditina de Beuron, o abade Albert Schmidt.
A situação está muito presente na Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Um ano atrás, mais de trezentas freiras de clausura, todas superiores ou ecônomas, de toda a Itália, reuniram-se em Roma, no Auditório Antonianum, para participar na conferência "Economia ao serviço das formas de vida contemplativa", organizada pela CIVCSVA para transmitir algumas orientações para que os religiosos administrem melhor o patrimônio de suas comunidades.
No site da Fundação Monasteri, a Irmã Monica della Volpe, abadessa de Valserena, o mosteiro trapista da Toscana, escreve que as irmãs destacaram que o patrimônio visa a missão (ou fim) do carisma e deve ser mantido; que a contabilidade e os balanços são importantes; que a transparência é uma forma de testemunho; que transparência, responsabilidade e confiança também são essenciais para o bom funcionamento de uma atividade; que a gestão dos bens não é algo separado da vocação religiosa: faz parte da própria vocação, do seu testemunho, da sua missão.
E também que o ecônomo da comunidade de vida consagrada não deve ser um especialista em tudo; para muitos assuntos, podem ser consultados especialistas e técnicos. Qual é a tarefa do ecônomo é “pensar”: entender o que queremos e planejar, programar como administrar. Que uma missão forte precisa de uma economia forte. E que uma economia forte será traduzida especialmente como trabalho sério, competente, empenhado, sustentável, ou seja, adequado às forças da comunidade e também com possibilidade de comercialização e renda: em suma, não um jogo ou um passatempo ascético, mas um verdadeiro instrumento para ganhar o próprio pão. “E então, ainda que a comunidade vivesse num esplêndido mosteiro do século XII, a sua pobreza evangélica terá um forte sentido, e a beleza e esplendor serão todos para a edificação dos espíritos e para a glória de Deus”.
Dada a situação muito particular das contemplativas, menos de 40.000 no mundo, pouco mais de 6 por cento das religiosas, a favor das clausuradas existe um Secretariado de Assistência às monjas, órgão vinculado à Congregação para os Institutos de Vida consagrada e as sociedades de vida apostólica. As novas regras da instrução Cor orans, de 2018, preveem, para o reconhecimento da autonomia de um mosteiro, “condições econômicas tais a garantir à comunidade prover o sustento por si própria para as necessidades da vida cotidiana”. Tarefa que as clausuradas cumprem desempenhando as atividades mais díspares. Desde o tradicional empenho na horta e na cozinha até à preparação de compotas e doces, roupas e linhas de cosméticos, aluguel de alojamentos, B&B. Pousar nas freiras ou monjas é econômico e saudável: os cafés da manhã à base de produtos caseiros são excelentes.
A reconversão e diversificação de atividades é mais um sinal de consciência dos tempos e de visão a longo prazo. As freiras combinam com ousadia o carisma que animou as fundadoras e fundadores com a história de hoje. Com grande determinação, refinam as estratégias de marketing, usam de forma inteligente a mídia e a TV. Há um ano a então superiora geral das Oblatas do Menino Jesus, Irmã Maria Daniela Faraone, disponibilizou a casa de férias "La Culla" de Sorrento, como cenário para o reality show “Vou te mandar para o convento”, do qual foram protagonistas ela mesma e as suas freiras, junto com um grupo de garotas em busca da glória televisiva.
Realizar a gestão administrativa e financeira, entretanto, não é simples. Daí a necessidade de formação adequada. “A formação está a cargo das ordens e congregações individuais. De acordo com as necessidades e as possibilidades, sustentam os estudos em Economia e Direito de algumas irmãs – afirma a Irmã Claudia -. Além disso, há alguns anos a Pontifícia Universidade do Claretianum possui um diploma em gestão de entes eclesiásticos, dividido em três semestres, para as religiosas e encarregadas pela administração”
Além disso, algumas famílias religiosas ainda têm um número muito elevados e sedes nos cinco continentes.
São "empresas" multinacionais. As Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo - as mais numerosas - são cerca de 15.000, as Filhas de Maria Auxiliadora 12.000, as Carmelitas Descalças 10.000, as Clarissas Franciscanas 7.000 e as Clarissas 6.500.
Números à parte, porém, “o verdadeiro segredo - é a conclusão da Irmã Claudia Grenga - para uma boa gestão permanece em todo o caso aquele do Evangelho: pôr o que se tem em comum como a Igreja das origens e trabalhar todos pela única causa que é a realização de uma forma de vida evangélica em plenitude, segundo o próprio carisma, ao serviço dos irmãos”. Ser fermento: este é, afinal, o autêntico - mas também o mais difícil - core business.
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Irmãs Religiosas. De suas próprias mãos e de sua própria inteligência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU