13 Setembro 2021
Não deixem que as crianças fiquem com eles.
Invertendo a afirmação evangélica de Jesus, a Santa Sé estabeleceu que todos os menores que frequentam os Arautos do Evangelho - uma associação laical de direito pontifício e duas congregações religiosas ultraconservadoras masculinas e femininas espalhadas por todo o mundo - abandonem as sedes do instituito e voltem para a casa de suas famílias: é muito alto o risco de crianças e adolescentes sofrerem abusos e violência psicológica e física pelos Arautos.
A reportagem é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 12-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A providência, um decreto da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica dirigida pelo cardeal brasileiro João Braz de Aviz, data de 22 de junho, mas permaneceu secreta até ontem, quando foi revelada pela agência Adista.
Imagem: João Braz de Aziz | Foto: Reprodução / Youtube
A Santa Sé recolheu "informações" e denúncias dos pais dos menores confiados aos Arautos, apurou a "rígida disciplina praticada nas comunidades" e ordenou que, para prevenir "abusos de consciência e arbítrio", todos os menores "admitidos em qualquer qualidade” entre os Arautos do Evangelho ou residindo nas casas, colégios e internatos da associação “devem voltar a viver com as suas famílias e confiadas aos seus pais”.
Trata-se de uma medida severa e inédita do Vaticano, que desta vez tenta intervir antes que estoure um escândalo de grandes proporções, como aconteceu no passado em outras situações, dos Legionários de Cristo aos colégios irlandeses.
Os Arautos do Evangelho são uma importante realidade eclesial. Nascidos em 1999 como uma associação privada de leigos, fundada pelo padre brasileiro João Scognamiglio Clá Dias, receberam a aprovação oficial do Papa Wojtyla em 2001, que sempre apoiou os movimentos conservadores. Tal como os Arautos, que usam túnicas de cruzados e botas de couro e têm como missão difundir a devoção a Nossa Senhora de Fátima, muitas vezes usada em chave anticomunista; inspiram-se no pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira, fundador nos anos 1960 da associação de direita “Tradição, Família e Propriedade”; estão convencidos, com base em revelações do além-túmulo do próprio de Oliveira, que as alterações climáticas são culpa do diabo. Em 2009, a família dos Arautos se expandiu com duas sociedades de vida apostólica, aprovadas pelo Papa Ratzinger: um ramo sacerdotal masculino (Virgo Flos Carmeli) e um ramo religioso feminino (Regina Virginum). Hoje contam com cerca de três mil membros, um patrimônio significativo e estão presentes em 78 países, em Roma dirigem a igreja de San Benedetto in Piscinula, em Trastevere.
Em 2019 o Papa Francisco ordenou a intervenção, tendo constatado abusos de poder, exorcismos praticados em crianças e adolescentes e opacidade na verificação e gestão dos recursos econômicos. Agora vem a medida de afastamento dos menores. O próximo passo pode ser a supressão dos Arautos.
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Santa Sé: crianças fora dos Arautos do Evangelho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU