28 Agosto 2011
Num primeiro exame, tende a promover a todos, inclusive aqueles grupos e movimentos que depois lhe causaram grandes desilusões. Três casos de estudo: os Neocatecumenais, os monges de Vallechiara e os Arautos do Evangelho.
A reportagem é de Sandro Magister e está publicada no sítio italiano Chiesa, 26-08-2011. A tradução é do Cepat.
Como era de se esperar, os Neocatecumenais participaram em grande número da Jornada Mundial da Juventude, em Madri. E acrescentaram ali o seu "day after", também este segundo a tradição.
Na tarde da segunda-feira, 22 de agosto, reuniram-se na Praça central de Cibeles para celebrar o rito do "chamado" ao sacerdócio ou à vida religiosa, com seu fundador Francisco José Gómez Argüello, Kiko, para servir de ímã, rodeado pelo arcebispo de Madri, Antonio María Rouco Varela, e por dezenas de outros bispos de todo o mundo.
A praça estava cheia de neocatecumenais de numerosos países, 180.000 no total, entre os quais 50.000 eram italianos e 40.000 eram espanhóis.
Justamente 750 vieram de apenas duas paróquias de Roma, cidade em que o Caminho Neocatecumenal está mais presente.
O "chamado" teve uma resposta massiva. Cerca de 9.000 jovens de ambos os sexos se deslocaram da praça ao palco, para receberam a bênção dos bispos para a sua escolha vocacional.
Ao inflamar a multidão, Kiko não deixou – como faz com frequência – de se orgulhar do apoio do então professor de teologia Joseph Ratzinger à implantação do Caminho Neocatecumenal na Alemanha, em 1974.
Nesse ano, Stefano Gennarini e outros discípulos italianos de Ratzinger em Regensburg lhe informaram que haviam entrado no Caminho Neocatecumenal, em Roma, e que estavam entusiasmados.
Seu entusiasmo contagiou o professor Ratzinger, que quis encontrar em sua casa, para uma janta, Kiko e a outra fundadora do Caminho, a ex-monja Carmen Hernández.
O encontro se prolongou até o dia seguinte, por vontade de Ratzinger, nessa época bispo auxiliar de Munique.
E pouco mais tarde Ratzinger escreveu a dois de seus amigos sacerdotes da diocese de Munique, recomendando-lhes calorosamente que fizessem crescer o Caminho em suas respectivas paróquias. O que realmente acabou acontecendo.
Como sempre faz quando conta este episódio, também em Madri Kiko releu com ênfase algumas das frases dessas duas cartas de Ratzinger.
O que não exclui o fato de que o Caminho tenha proporcionado depois momentos difíceis ao próprio Raztinger, quando foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e, depois, como Papa.
Os textos do catecismo escrito por Kiko e Carmen para a formação dos membros do Caminho – até agora mantidos em segredo – demandaram efetivamente 13 anos de revisões e correções, por parte da Congregação para a Doutrina da Fé, antes que fossem aprovados em 2010.
E também a modalidade com que os Neocatecumenais celebram a Missa e os outros sacramentos foram objeto de reclamações e correções insistentes, que nem sempre chegaram a bom porto, por parte das autoridades vaticanas.
Se em 1974 o então jovem professor Ratzinger tivesse tido conhecimento dos defeitos do Caminho nos campos da doutrina e da liturgia, seu entusiasmo teria dado lugar a uma cautela maior.
E este não é o único caso em que Ratzinger teve excessivo otimismo inicial, ao julgar novos movimentos religiosos que depois lhe deram motivos para preocupação.
* * *
Um desses casos remete à Família Monástica Fraternidade de Jesus, estabelecida nos anos 80 na zona agrícola não longe de Castel Gandolfo, com várias dezenas de monjas e monges.
O fundador, o padre Tarsicio Benvenuti, deu o nome alusivo de Vallechiara ao seu novo mosteiro e atraiu rapidamente as visitas e simpatias de eclesiásticos ilustres, desde o arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, até o arcebispo de Canterbury e primaz da Igreja anglicana, Rowan Williams.
Também o Príncipe Charles da Inglaterra, em 2002, visitou o mosteiro e a granja. E também o então cardeal Ratzinger.
Ratzinger se entusiasmou tanto que em 8 de março de 2004 escreveu de próprio punho ao abade Benvenuti uma longa carta, cheia de elogios e incentivos, reproduzida de forma integral na página da internet da comunidade.
Nesse mesmo ano amadureceu inclusive no Vaticano o propósito de confiar à Família Monástica Fraternidade de Jesus o cuidado da Basílica de São Paulo Fora dos Muros, em Roma, em substituição aos monges beneditinos que moravam ali há séculos, reduzidos em número e envelhecidos.
Mas isto foi o início do fim para o padre Benvenuti e os seus. Os beneditinos, os verdadeiros, se levantaram contra aqueles, que consideravam falsos imitadores. E começaram a trazer à luz as numerosas e graves falhas da comunidade. Em 2007, já como Papa, Ratzinger enviou um abade beneditino para realizar uma visita apostólica, o que trouxe resultados desastrosos.
A comunidade foi confiada a um administrador externo. O fundador e o co-fundador, os padres Benvenuti e Zeno Sartori, foram antes transferidos para os mosteiros beneditinos de Praglia e de Novalesa, e depois exilados num santuário localizado nas montanhas da Áustria, em St. Corona am Wechsel, na arquidiocese de Viena.
Em 12 de abril de 2010 veio o golpe final. A Congregação vaticana para a Vida Religiosa, presidida pelo cardeal Franc Rodé, redigiu o decreto de supressão da Família Monástica Fraternidade de Jesus, decreto aprovado de forma específica por Bento XVI em 22 de abril posterior.
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Outro caso digno de estudo: os Arautos do Evangelho. É o único movimento católico de recente formação, que Bento XVI citou nominalmente no recente livro-entrevista Luz do Mundo.
E o citou em forma de elogio: são "jovens cheios de entusiasmo por terem reconhecido em Cristo o Filho de Deus e por anunciá-lo ao mundo"; são a prova de que também no Brasil – onde o movimento nasceu – "se assiste a grandes renascimentos católicos".
A partir do Brasil os Arautos do Evangelho se difundiram para dezenas de países. Em Roma estão a cargo da igreja de São Bento em Piscinula. São leigos e leigas consagrados, com alguns sacerdotes. Vivem em comunidade e vestem um uniforme quase militar de aspecto neo-medieval.
Obtiveram o reconhecimento da Santa Sé em 2001. Mas seu fundador, dom João Scognamiglio Clá Dias, provém de uma estirpe anterior e famosa, a do movimento Tradição, Família e Propriedade - TFP, conduzido por Plínio Corrêa de Oliveira (1905-1985), de quem foi o colaborador e o intérprete mais estreito. Dom Scognamiglio Clá Dias escreveu uma tese de doutoramento sobre o pensamento e a vida de Corrêa de Oliveira.
Assim como a Tradição, Família e Propriedade, também os Arautos do Evangelho são um movimento católico marcadamente tradicionalista e conservador, no extremo oposto das correntes católicas latino-americanas que bebem na Teologia da Libertação.
O conflito entre estas duas tendências teve recentemente por palco o Vicariato Apostólico de San Miguel de Sucumbíos, um posto avançado de missão na área amazônica do Equador, nos limites com a Colômbia.
Até há pouco tempo este Vicariato era dirigido por um bispo carmelita, Gonzalo Marañón López, simpatizante da Teologia da Libertação e, em consequência, das Comunidades Eclesiais de Base, da leitura popular da Bíblia e da criatividade na liturgia.
A Congregação para a Evangelização dos Povos, presidida pelo cardeal Ivan Dias, não estava contente. E em 2007 enviou o arcebispo brasileiro de Petrópolis, Filippo Santoro, para uma visita apostólica.
Em outono de 2010 seguiu a substituição do bispo Marañón López pelo sacerdote argentino Rafael Ibarguren Schindler, da Sociedade Clerical "Virgo Flos Carmeli", o ramo sacerdotal dos Arautos do Evangelho.
O cardeal Dias confiou oficialmente ao padre Ibarguren e aos Arautos do Evangelho a tarefa de reorganizar o Vicariato "de modo diferente" do anterior, rechaçado por "nem sempre ser conforme à exigência pastoral da Igreja".
Mas à sua chegada, os recém chegados encontraram imediatamente a áspera oposição dos dirigentes por eles destituídos.
Seguiram-se meses de conflitos verbais e às vezes também físicos, com protestos, marchas e abaixo-assinados. Também a Conferência Episcopal do Equador se dividiu a favor e contra. Intervieram na briga, contra os Arautos do Evangelho, inclusive líderes do governo equatoriano. Para mediar, teve que intervir o núncio apostólico, dom Giacomo Guido Ottonello, apoiado pela Secretaria do Estado vaticano, por dom Angelo Accattino.
Hoje o conflito ainda não está aplacado. Como outros movimentos católicos marcados por esse mesmo perfil, os Arautos do Evangelho tendem em todas as partes a dividir. Há aqueles que os admiram e apóiam ao ponto da ruptura, e aqueles que, pelo contrário, não os suportam.
O mesmo acontece com os Neocatecumenais. Têm fervorosos admiradores entre os cardeais e bispos, mas também muitos opositores e críticos. Os bispos do Japão, por exemplo, recentemente romperam em bloco com eles. O mesmo aconteceu há poucos dias no Nepal.
Os grandes elogios iniciais de Ratzinger nem sempre são confirmados nos fatos.
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Bento XVI e a sua relação com movimentos como os Neocatecumenais e os Arautos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU