05 Agosto 2021
Os conflitos envolvendo terra e as comunidades tradicionais e povos originários se tornaram uma constante na Amazônia. Neste 4 de agosto completa um ano do Massacre do Abacaxis, em que indígenas e ribeirinhos na região do Rio Abacaxis e Rio Marimari, entre os municípios de Nova Olinda do Norte e Borba, no Estado do Amazonas, foram assassinados.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Ao se completar um ano, para combater a impunidade, tem acontecido o seminário “Um ano do massacre do Abacaxis: Haverá justiça?”, em que a Arquidiocese de Manaus, o Conselho Indigenista Missionário, Comissão Pastoral da Terra e outras entidades civis tem promovido uma reflexão com a participação de indígenas e ribeirinhos e representantes de diferentes entidades sociais e eclesiais.
O Seminário tem sido momento para cobrar justiça, mas também para relatar as consequências de um conflito que permanece latente. A principal consequência é que “perdemos essa liberdade dentro do nosso próprio território”, segundo Jair Reis, liderança do povo Maraguá. Ele denunciava “as invasões de caça, de pesca, de madeireiro, de garimpeiro”, e junto com isso, a instauração no meio do povo do terror, o medo e as ameaças, denunciando que “não podemos fazer nada”, se perguntando se “haverá justiça para isso”, pois “passou um ano e nada foi resolvido”. Esse é um relato que também tem sido partilhado pelas lideranças das comunidades ribeirinhas da região e do povo Munduruku, relembrando o acontecido um ano atrás.
Do Seminário participaram a deputada Joenia Wapichana, que pediu a apuração das ilegalidades, denunciando as violações de direitos indígenas que estão acontecendo no Brasil, e o deputado José Ricardo, mostrando a vontade do poder público de promover leis para revogar os direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal, e o fato de que o Brasil tem “um governo que de forma deliberada age contra os povos indígenas, desmontando as estruturas públicas”.
Mapa do Rio Abacaxis e Rio Mari-Mari (Arte: IHU)
Em representação do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Yuri Costa, que definiu o Seminário como “um ato para continuar na luta por justiça”. Desde o Ministério Público no Estado do Amazonas, Fernando Merloto Soave falava sobre as omissões do poder público, algo muito presente nas comunidades amazônicas, sendo o caso abordado uma referência nesse sentido. Também desde o Ministério Público Federal em Brasília, Felício Pontes chamava a analisar a atividades que estão colocando em risco as populações tradicionais na Amazônia, afirmando que o desejo das comunidades de viver em harmonia com a natureza foi a causa do massacre do Rio Abacaxis.
A Igreja tem estado junto desde o início, segundo Dom Leonardo Steiner, citando o acompanhamento do CIMI, CPT, SARES e Arquidiocese de Manaus. O arcebispo de Manaus definiu a situação do Rio Abacaxis como “um momento extremamente difícil, difícil porque o Estado que deveria proteger, viola, destrói, mata”, denunciando que “a Polícia Militar, ela existe para proteger, não para matar”, afirmando que todos sabemos “o que aconteceu e quem são os culpados”, esperando o agir da justiça, que definiu “não como direito, mas como a equidade necessária para a tranquilidade social, para haver relações sociais equânimes”.
Dom Leonardo pediu que o Seminário possa ajudar a acordar a sociedade, destacando o esforço dos organismos da Igreja “para não deixar silenciar essa tragédia que aconteceu”. O arcebispo espera que “permaneçamos ativos, acordados e recordando sempre de novo a necessidade de que as pessoas sejam responsabilizadas e os corpos sejam encontrados”. Por isso, ele insistiu em que “nós não podemos deixar morrer essa questão, não podemos deixar desaparecer”.
O Seminário foi momento para numa celebração ecumênica fazer memória das vítimas, que além de contar com representantes de diferentes igrejas, congregou lideranças indígenas e familiares das vítimas, recordadas na celebração. Foi momento para denunciar o sofrimento do povo e os abusos de autoridade tão presentes na Amazônia, de mostrar solidariedade e que as comunidades e familiares das vítimas não estão sozinhos.
Mapa do Amazonas, destaque aos municípios de Nova Olinda do Norte, Borba e ao Rio Abacaxis, ao sudeste de Manaus (Fonte: GuiaGeo)
No ato ecumênico, conduzido pelo padre Paulo Tadeu Barausse, o pastor Marcos Antônio Rodrigues, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana de Manaus, afirmava que o Rio Abacaxis poderia ser lembrado como lugar do sofrimento dos pobres. Segundo o pastor, “as águas do Rio Abacaxis se mancharam porque nós não soubemos cuidar daqueles e daquelas entre nós precisam que a justiça se faça presença e vida na vida deles”. A voz trémula dos familiares foi mais um testemunho de uma dor ainda presente na vida dos moradores de uma região e de um povo que pediu justiça em nome de Deus.
Numa carta pública, lida no final da celebração, onde foi lembrado que “o Massacre Abacaxis é um exemplo emblemático da violência das forças policiais no Estado, e também de impunidade quando a violência ocorre contra as pessoas mais vulneráveis”, denunciando abertamente “um Estado que mata, tortura, que vinga sob a mesma justificativa dissimulada de reprimir o tráfico de drogas”. A carta tem denunciado as marcas ainda gravadas na alma do povo, da falta de respostas diante da perda dos entes queridos, da falta de respeito pelos direitos fundamentais, da tortura e humilhação por parte da polícia, do aumento da violência e das invasões.
Diante de tudo isso, as organizações que assinam a carta têm mostrado seu repúdio e insistido em que “não há polícia, não há governo e não há descaso que possam derrubar quem está unido na luta por justiça”. Por isso, mais uma vez pediram o esclarecimento do acontecido e a devolução dos corpos desaparecidos. Por isso, refirmaram o afastamento de toda a cúpula da segurança pública do Amazonas diretamente envolvida nas violações.
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Um ano do Massacre do Abacaxis: “Nós não podemos deixar morrer essa questão”, afirma Dom Leonardo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU