04 Agosto 2021
No país modelo-vax preocupa o crescimento de casos Covid: “A pressa para reabrir sustentada por uma esperança de liberação da vacina esbarra em uma realidade muito mais complexa”.
Em Israel, país que o mundo todo tem admirado por sua fenomenal campanha de vacinação, a curva de contágio voltou a subir de uma forma que as autoridades sanitárias definem como preocupante. Nas últimas 24 horas, foram registrados quase 4 mil novos casos e 15 óbitos - o pior boletim desde o início de março - com a taxa de positividade em relação ao número de exames realizados atingindo 3,78%. O número de doentes passou para 22.345, dos quais 221 são considerados graves.
O governo se prepara para introduzir novas restrições, ao mesmo tempo em que acelera a administração da terceira dose para a população acima dos 60 anos. Tudo isso em um país onde a cobertura vacinal é altíssima para a faixa acima dos 60 anos (90%) e muito alta até a faixa dos 20-29 anos (70%), mas inevitavelmente mais baixa para a faixa dos 12-19 anos (estamos em torno 36%) e nula para crianças abaixo dos 12 anos (um dado não desprezível, considerando que 27% da população israelense tem menos de 14 anos). Pedimos a Fabrizio Pregliasco, virologista da Università degli Studi de Milão, que nos ajudasse a "ler" a curva israelense, tentando entender o que ela sugere sobre a longa luta contra o Covid-19.
A entrevista é de Giulia Belardelli, publicada por Huffington Post, 03-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que os dados de Israel nos dizem?
Acredito que Israel está rodando um filme que também será nosso: o de uma necessária convivência com um vírus que permanece e permanecerá por alguns anos de forma endêmica e, esperamos, menos severa. No filme eles estão à nossa frente porque, por questões geopolíticas, conseguiram se vacinar antes. Realizaram uma campanha de vacinação muito rápida e eficaz, desfrutando de um sistema acostumado às emergências. Isso comportou, como desejo e esperança, a pressão para reabrir o mais rápido possível. Mas reabrir também significa aumentar o número de contatos interpessoais - e por isso, infelizmente, com esse vírus ainda em circulação, a possibilidade de infecção. A corrida pela reabertura - muito compreensível do ponto de vista econômico e político - tem sido sustentada até agora por uma esperança libertadora com a vacina que agora esbarra com uma realidade muito mais complexa.
A comunidade científica está discutindo muito sobre um estudo recente do Ministério da Saúde de Israel que fala de uma grande redução na eficácia da vacina Pfizer na proteção da infecção. No entanto, esses dados contrastam com um estudo recente da Pfizer, que mostra uma capacidade de proteção ainda muito forte. Por que os dados são tão conflitantes?
As últimas revelações do Ministério da Saúde israelense deram resultados menos agradáveis do que aqueles do último estudo da Pfizer: fala-se de proteção contra infecção de 39-41%. No entanto, não acredito que os dados dos dois estudos sejam conflitantes. Estamos falando de estudos que se referem a diferentes períodos e diferentes presenças da variante delta. Os resultados da Pfizer - proteção de 88% contra a infecção, proteção de 97-98% contra os casos graves e mortalidade - estão de acordo com a situação fotografada pelo Instituto Superior da Saúde, segundo a qual 99% das mortes desde fevereiro são todas de não vacinadas ou vacinadas com uma única dose.
A questão é que não temos dados sobre a duração efetiva da vacinação; nem sequer temos um parâmetro de laboratório que nos dê uma referência segura da capacidade de proteção. É claro que a vacina perde sua eficácia com o tempo, isso vale para todas as vacinas. Os dados obtidos pelos pesquisadores israelenses são uma avaliação in itinere. Acredito que sejam valores reais, mas que devem ser inseridos em um contexto evolutivo. Lembrando sempre que o aspecto mais importante continua sendo a eficácia clínica da vacina, ou seja, a sua capacidade de evitar a doença em suas formas mais graves.
Por que o vírus continua a circular tanto apesar da vacinação?
Resta um reservatório de pessoas suscetíveis que são a combinação de vários grupos: aqueles que nunca sofreram a infecção, aqueles que sofreram a infecção em um período relativamente remoto, aqueles que foram vacinados há vários meses e aqueles que não foram vacinados. Esse grupo de pessoas cria um reservatório onde o vírus continua a circular. Trata-se de uma convivência com o vírus, pois a vacina, por não ser uma proteção 100%, de alguma forma deve ser acompanhada por comportamentos de cuidado e o uso do que eu chamo de uma nova etiqueta (máscaras, distanciamento físico, evitação de situações de risco).
Nos Estados Unidos estão fazendo isso, vamos ver o que Boris Johnson fará no Reino Unido: ninguém tem um manual de gestão. Na minha opinião, em termos prudenciais, devemos fazer algo que leve em conta, também para a Itália, de cenários de agravamento no futuro próximo, enquanto nos aproximamos da reabertura das escolas e do fim do verão.
O caso de Israel também é indicativo da relevância do tema contágio e da população mais jovem: é isso mesmo?
Absolutamente sim. Crianças e adolescentes são um grande acelerador da variante delta. Essa variante, infelizmente, tem uma capacidade muito maior de se espalhar entre os jovens do que o vírus anterior: o gancho spike aprimorou sua habilidade de enganchar os poucos receptores pulmonares ACE2 dos jovens. Essa mudança reflete a perfídia e a continuidade da difusividade desse vírus, em uma palavra sua força. Espero que em breve a vacinação esteja aberta também aos menores de 12 anos, mesmo que eu duvide que poderemos contar - pelo menos aqui - com percentuais muito elevados de adesão.
Nesse contexto, a imunidade de rebanho parece uma miragem…
Atualmente é impossível. A imunidade do rebanho é um modelo matemático em uma situação estática. Continua a ser um objetivo a atingir, para propor níveis e ser rápido. Em tese, o objetivo é zerar o contágio; na vida real, o objetivo é reduzir de forma consistente a incidência.
Continuar a vacinar é fundamental, ainda mais diante desses dados. Vamos reiterar o porquê?
É muito importante, porque só assim temos um elemento de proteção que minimiza o risco de doenças graves e o número de casos. É uma contribuição absolutamente importante, ainda mais diante desses dados de realidade... É a única arma que temos, junto com a nova etiqueta, para acabar com a pandemia.
Será esse o final do filme?
Não acho que vamos chegar a zerar, a um momento em que poderemos dizer: derrotamos o vírus. Acredito que o Covid vai se restringir e o risco será tolerado em algum momento. Vejamos o caso do HIV: no dia de hoje cerca de dez pessoas na Itália vão contrair o vírus HIV, de acordo com a média atual. Pouco se fala sobre isso e existem medicamentos que permitem uma qualidade de vida razoável.
Na década de 1980, um diagnóstico de soropositivo era um diagnóstico de morte; hoje é uma convivência, e isso baixou a percepção de risco. No caso de Covid, ainda estamos longe de um ponto em que a doença não gere medo aos nossos sistemas de saúde: se o contágio disparar, os hospitais voltarão a ter problemas, precisamente por causa desse dualismo esquizofrênico de um vírus banal, mas nem tanto.
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“Em Israel, um filme que também será nosso”. Entrevista com Fabrizio Pregliasco, virologista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU