13 Julho 2021
Os efeitos positivos do auxílio emergencial têm mostrado que uma renda básica universal é cada vez mais inevitável
A reportagem é de Manuella Libardi, publicado por Open Democracy, 02-07-2021
A pandemia de covid-19 arrastou as classes médias da América Latina e do Caribe para estratos mais baixos, mas a situação poderia ser pelo menos duas vezes pior sem o “efeito brasileiro”, como o Banco Mundial o descreveu.
Em 2020, mais de 4,7 milhões de latino-americanos que pertenciam à classe média passaram à vulnerabilidade devido às consequências econômicas da pandemia, segundo o Banco Mundial. Sem o programa de transferência de dinheiro estipulado no Brasil, conhecido como auxílio emergencial, esse número chegaria a 12 milhões de pessoas na região.
Se considerarmos as pessoas que atravessaram a linha da pobreza, segundo a definição do Banco Mundial, o impacto da medida de auxílio no Brasil fica ainda mais evidente. Surpreendentemente, a pobreza na América Latina e no Caribe diminuiu em 2020. De acordo com o Banco, pelo menos 400 mil pessoas entraram na faixa renda que qualifica como pobreza na região. Mas sem o auxílio emergencial no Brasil, o Banco estima que 20 milhões de latino-americanos teriam caído na pobreza no ano passado.
No final de março de 2020, o Senado aprovou uma renda básica de R$ 600 (mais ou menos US$ 115 na época) para trabalhadores informais ou autônomos, microempresários individuais e desempregados, entre outros. O presidente Jair Bolsonaro foi inicialmente contra a medida e quando a aceitou, sob pressão da oposição, tentou limitar o valor a R$ 200, ou algo como US$ 40, por três meses não prorrogáveis. Em meio a críticas crescentes de sua pavorosa gestão da pandemia, Bolsonaro aprovou a medida, e os valores começaram a ser transferidos em abril do ano passado. Foram cinco parcelas de R$ 600, seguidas de outras quatro de R$ 300 reais durante o ano.
Até novembro de 2020, o governo havia pago R$ 250 bilhões a mais de 68 milhões de brasileiros, de acordo com a página do governo federal. De forma direta ou indireta, a ajuda atingiu metade dos 213 milhões de brasileiros. O valor representou pouco menos de 50% dos gastos que o país teve com o enfrentamento da pandemia até dezembro, segundo a página do Senado. O benefício ainda está em vigor, mas com valores reduzidos de uma média de R$ 250.
Os efeitos do auxílio emergencial também se refletiram na reação da população ao governo Bolsonaro no final de 2020. Apesar de todo o caos causado pelo presidente durante a pandemia, a aprovação popular de seu governo atingiu níveis recordes em dezembro de 2020, quando 47% dos entrevistados afirmaram aprovar sua gestão. A desaprovação do governo voltou a crescer com a redução do auxílio.
Além de reduzir a pobreza, o programa de transferência de dinheiro também se mostrou uma ferramenta eficaz para estabilizar o Produto Interno Bruto (PIB) durante a crise. Os bens e serviços produzidos pelo Brasil em 2020 despencaram cerca de 4%, mas as projeções estimavam que cairiam 6,5%. Segundo economistas, a injeção de dinheiro por meio das transferências foi um grande responsável por esse resultado. Um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) estima que o auxílio evitou que a economia caísse entre 8,4% e 14,8%.
“Quando a pandemia começou havia uma expectativa muito negativa. Quando vieram os auxílios e outros programas, foi possível ter uma melhora no resultado do PIB”, disse Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, ao jornal Correio do Povo. O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, afirmou que a ajuda se refletiu no consumo médio dos brasileiros. Segundo a Caixa, o auxílio é responsável por R$ 47,6 bilhões gastos em lojas e supermercados em 2020.
O auxílio emergencial contém no nome que se trata de uma medida provisória e não de uma estratégia de longo prazo. Em algum momento, as parcelas, que já foram reduzidas a R$ 150 reais (US$ 30) em alguns casos, não entrarão mais nas contas bancárias de brasileiros vulneráveis.
No entanto, os efeitos positivos da medida de transferência de dinheiro reacenderam os debates sobre a renda básica universal – tema em pauta em vários países. Até mesmo o ministro ultra-liberal da Economia, Paulo Guedes, disse que o Brasil terá que criar novos programas sociais em função das consequências da pandemia. O plano de seu ministério é reduzir as parcelas até que o país volte à estrutura anterior do icônico Bolsa Família, pelo qual o Brasil é conhecido mundialmente. Mas ele acrescentou que o país tem que contemplar um programa com maior renda.
“O que está à frente de nós é a responsabilidade, o compromisso com a responsabilidade fiscal, mas, ao mesmo tempo, com essa sensibilidade social. Então, tem que ter a vacina, tem que ter uma camada de proteção, porque a doença está aí, vai haver no futuro, e é parte do nosso programa, uma renda básica mais alta. Agora, tudo isso tem que ter bons fundamentos fiscais, senão se perde”, afirmou.
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), o Brasil deve incorporar um programa de renda básica em 2022. Dois programas, o Renda Brasil e Renda Cidadã, ainda estão em discussão e podem substituir ou ampliar os programas existentes. De qualquer forma, o Brasil já possui uma estrutura eficaz que permite transferências de dinheiro. A pandemia reforçou a importância do Bolsa Família, duramente criticado por Bolsonaro e outros políticos conservadores ao longo dos anos, transformando a discussão e a possibilidade de uma renda básica universal cada vez mais inevitável.
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O ‘efeito brasileiro’ na pandemia: a eficácia das transferências de dinheiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU