Por: André Martins | 29 Outubro 2020
A crise ecológica e econômica no mundo evidencia discussões que já estavam na pauta há algum tempo, principalmente sobre a ecologia integral, abordada na encíclica papal Laudato Si’, na qual o Papa Francisco expõe a sua visão sobre a ecologia e as ligações com a economia em relação ao mundo. O ex-pesquisador da NASA, David Pruett, explica a intenção da ecologia integral. "A ecologia integral também reverte os atuais paradigmas econômicos, seja o capitalista ou o socialista. Ela concebe uma esfera econômica que serve às necessidades legítimas de indivíduos e sociedades em vez de explorá-los para servir às necessidades artificiais da economia. E ela exige que a economia respeite os limites finitos do mundo natural", explica em matéria publicada no sítio do IHU em 2015.
A reportagem é de André Martins, estagiário do Curso de Jornalismo da Unisinos.
Segundo a visão do Papa, a economia e a ecologia andam paralelamente unidas e se afetam entre si. A tecnologia afeta a sobrevivência do mercado de trabalho e a natureza, que é agredida por agrotóxicos e máquinas que derrubam e garimpam milhões de áreas. Em meio a essa onda, ainda tem o assustador aumento da emissão de carbono e o iminente aquecimento global. Se não bastasse, 2020 ainda nos apresentou uma das piores pandemias da história, que deixou milhares sem empregos e abriu a discussão para a renda universal ser um importante ponto de equilíbrio para que, pelo menos, a população mundial sobreviva. Alguns especialistas já avaliam possibilidades claras de implementação de uma renda básica. Inclusive, o Papa Francisco, em sua encíclica Fratelli Tutti, entende que a renda universal é possível de ser colocada em prática.
Para tratar sobre o assunto, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU promoveu o evento “Renda universal e justiça socioambiental. Fundamentos econômicos, éticos e teológicos” nesta segunda, 26-10-2020, com o economista francês, Prof. Dr. Gaël Giraud, da Georgetown University – EUA, que falou sobre a crise ecológica, a renda universal e os bens comuns da sociedade.
Giraud iniciou a sua palestra falando sobre o caos ecológico que está ocorrendo no mundo, o clima e o aumento da temperatura que, em alguns anos, pode gerar catástrofes nunca vistas, como o aquecimento da Amazônia e a transformação do bioma em um deserto sem vida. Segundo o economista, o calor poderá ser predominante durante 300 dias do ano se o aquecimento global continuar acontecendo e não houver nenhuma atitude dos governos e, principalmente, da elite para enfrentá-lo. “As elites ocidentais estão desconectadas da realidade ecológica e há um risco de colapso da sociedade. O risco não é tecnológico”, comenta. Ele entende que as elites veem a tecnologia como solução para os problemas ecológicos, o que é errado, já que são os recursos da natureza que permitem a produção da tecnologia. “As máquinas, no futuro, não poderão ser produzidas por falta de minérios”, completa.
A falta de minérios e petróleo no mundo é uma possibilidade real. Giraud explica que se hoje quisermos adquirir uma tonelada de cobre, teremos que cavar dez toneladas de terra. De outro lado, o petróleo já atingiu seu pico de extração em 2006 e alternativas estão sendo criadas para substituí-lo. “O desenvolvimento do PIB mundial é extremamente dependente do petróleo. Por causa disso, quando não houver mais petróleo, pode ocorrer a desglobalização”, afirma. Giraud critica também a forma como o PIB é calculado, olhando somente o lado econômico, enquanto, na opinião dele, o PIB deveria calcular bens públicos como a educação, a saúde e outros serviços essenciais para um país.
O economista comenta ainda que existem quatro elementos vitais para a vida humana, os quais fazem parte do que ele denomina de “quadrado mágico”. São eles: água, energia, minérios e biodiversidade. Sem qualquer um desses elementos, a vida humana é prejudicada, e a falta de apenas um deles pode desencadear uma série de fatores prejudiciais para a humanidade. “Para ter água, precisa energia e para ter o minério, precisa de água e assim sucessivamente. Os quatro lados do quadrado precisam uns dos outros”, explica.
A falta de minérios, petróleo e dos quatro elementos vitais pode desencadear problemas financeiros graves que afetarão o trabalho no mundo. O Ocidente acabou com a escravidão porque encontrou elementos produtivos como o carvão, petróleo e gás para financiar o trabalho. Se faltarem esses elementos, é possível que a elite queira reatar a escravidão. “Nós estamos rompendo com os direitos trabalhistas pouco a pouco. A consequência disso é a chamada uberização, em que, cada vez mais, jovens não terão direitos e trabalharão como loucos. Essas implementações já começaram no Ocidente”, denuncia.
É por essas questões que a renda universal tem se tornado tão urgente na agenda econômica e social. Giraud defende que a renda básica tem que ser para todos, para permitir que as pessoas possam escolher o que fazer e como fazer. Ele defende que a renda mínima diária para garantir a sobrevivência seria no valor de 7,4 dólares por dia. “Quatro bilhões de pessoas vivem abaixo desse valor no mundo inteiro e isso aumentou com o confinamento e os problemas econômicos mundiais”, afirma. Segundo ele, a renda básica é totalmente possível se formos analisar a situação dos super-ricos no mundo. “Em 2018, 1% da humanidade ganhou 80% do PIB mundial. ¼ dessa renda já seria suficiente para financiar toda a renda universal no mundo e permitiria que os pobres tivessem uma vida mais digna”, assegura.
Giraud entende que a renda universal também está ligada ao bem comum. Ele explica que a ideia de bens comuns vem desde a Roma Antiga, a partir da ideia da gestão compartilhada de recursos que nos são importantes, como a água e a terra. O Papa Francisco comenta sobre a ideia de bem comum em sua encíclica e entende que devemos protegê-los. “O Papa fala em sua encíclica que hoje tudo pode ser vendido no mercado.
Essa é a ideologia da privatização do mundo. Pensando que a Amazônia é um bem comum, precisamos protegê-la e diminuir o aumento da temperatura para não acabar com a vida humana”, alerta.
Em entrevista concedida à IHU On-Line, o economista dá exemplos de como a renda universal se aproxima de um bem comum, como no caso do Alasca, onde as empresas de petróleo pagam ao Estado uma porcentagem do lucro de extração, que depois é distribuído a toda a população. Os valores variam de mil a dois mil dólares ano. Para Giraud, esse um exemplo de uma renda básica que é devolvida à população a partir do uso de um bem comum local, que gera danos à sociedade.
Giraud ainda pontua os cinco critérios necessários para definir a renda universal:
1. Um pagamento periódico;
2. Transferência monetária, oferecendo a todos a liberdade de fazer o que quiser com o próprio dinheiro. Porém, abrir uma conta bancária é uma operação incomum para muitos pobres;
3. Pagamento individual e não em base familiar;
4. Universal: sem nenhum requisito específico;
5. Incondicional: sem nenhuma obrigação do beneficiário, em especial a de procurar emprego.
Em entrevista concedida à IHU On-Line, ele reconhece que é um desafio implementar a renda universal e mudar os olhares desconfiados dos cidadãos sobre o assunto. “Esse desafio é espiritual e político. Certamente requer uma conversão do olhar individual de cada um de nós, mas também uma reforma das estruturas sociais que produzem e mantêm a invisibilidade daqueles que vivem na periferia de nossas sociedades. A possibilidade de ser visível no espaço público não se baseia exclusivamente em performances individuais, mas depende das regras sociais que legitimam e melhoram nossa vida cotidiana ou, pelo contrário, a tornam precária e a desqualificam”, ressalta.
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A crise ecológica afeta a economia mundial e expõe a necessidade da implementação da renda básica universal e incondicional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU