21 Junho 2021
Uma pesquisa mostra que cinco horas de trabalho por dia podem melhorar a produtividade e aumentar o bem-estar. E só há uma coisa que impede as empresas de fazer isso.
A reportagem é de Wired, 15-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando a agência de marketing Agent, de Liverpool, foi convidada pela BBC a testar para um programa de TV um dia de trabalho de seis horas ao estilo nórdico, ela aproveitou a oportunidade.
Inspirada em relatos de jornadas de seis horas em lares de idosos suecos em 2016, a esperança era de que a jornada de trabalho reduzida levaria a novas formas de cuidar do bem-estar da equipe. Mas os resultados do teste que durou um mês, ocorrido durante o mesmo ano, foram mistos.
“Muitas coisas realmente boas aconteceram”, disse o CEO da Agent, Paul Corcoran. “Nós analisamos as tarefas em termos de tempo e dissemos: ‘Precisamos de 15 minutos para fazer isto, meia hora para fazer aquilo’, e realmente nos concentramos em fazer dessa forma. As pessoas passaram a evitar o pior trânsito, porque chegavam às 9h em vez das 8h30 e terminavam mais cedo, de modo que tinham a flexibilidade de fazer coisas como pegar as crianças na escola”.
Mas as desvantagens rapidamente se tornaram evidentes, quando a equipe começou a se concentrar demais em como poderiam condensar seu trabalho em intervalos de tempo cada vez menores. “A ideia era dar mais liberdade às pessoas, mas estávamos descobrindo que precisávamos fazer tudo nessas horas, então ficou mais estressante”, diz Corcoran. No fim, a questão foi definida em um modelo em que todos trabalham dois dias com jornadas curtas e três dias com jornadas longas.
Enquanto os empregadores se esforçam para saber como gerenciar o retorno aos locais de trabalho após a Covid-19, o conceito de trabalho comprimido está voltando. Enquanto os políticos de centro-esquerda continuam defendendo uma semana de quatro dias, eles frequentemente esquecem as evidências de que jornadas de cinco horas podem ser a melhor opção.
“A pesquisa indica que cinco horas é o máximo que a maioria de nós pode se concentrar em algo”, diz Alex Pang, fundador da consultoria Strategy and Rest, do Vale do Silício, e autor de vários livros que examinam as ligações entre jornadas de trabalho mais curtas e a produtividade. “Há períodos em que você pode passar disso, mas a realidade é que a maioria de nós tem uma jornada de trabalho significativa todos os dias.”
A jornada de trabalho de oito horas é um conceito relativamente novo, amplamente aceito por ter sido cimentado pela Ford Motor Company há um século como um meio de manter a produção funcionando 24 horas por dia, sem colocar demandas indevidas sobre os membros individuais da equipe.
O experimento da Ford levou a um aumento da produtividade geral. Mas os defensores dos dias de cinco horas, incluindo a empresa californiana de comércio eletrônico Tower Paddle Boards e a consultoria digital alemã Rheingans, dizem que experimentaram um fenômeno semelhante quando mudaram para modelos de jornada comprimida.
Assim como Corcoran, o CEO da Tower, Stephan Aarstol, diz que ficou surpreso com os resultados quando a empresa adotou uma jornada de trabalho de cinco horas em 2015. A equipe trabalhava das 8h às 13h sem intervalos, e, como os funcionários ficaram muito focados em maximizar a produção a fim de ter as tardes livres, o volume de negócios aumentou em 50%.
“O pessoal do depósito revirou os olhos quando lançamos essa ideia pela primeira vez, mas os maiores ganhos realmente vieram”, diz ele. “O envio levava cinco minutos por pacote antes, mas em poucas semanas eles reduziram para menos de três minutos. Eles estavam fazendo coisas que os verdadeiros especialistas em produtividade fariam. Eu lhes disse que eles tinham uma restrição, e isso os forçava a pensar criativamente.”
O CEO da Rheingans, Lasse Rheingans, diz que, quando levantou pela primeira vez a ideia do trabalho comprimido junto à equipe, eles tiveram a ideia de banir distrações como os celulares de suas mesas e minimizar o uso de “assassinos de produtividade como o Slack” [ferramenta de comunicação empresarial interna]. O objetivo de Rheingans era manter a produtividade constante, mas dar mais tempo livre às pessoas.
Embora seja mais produtivo e melhor para o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, Rheingans diz que, assim como Corcoran, ele descobriu depois de um ano que jornadas mais curtas também têm as suas desvantagens.
“Percebemos que estávamos perdendo algo no nível das relações”, diz ele. “Isso afeta a lealdade e a cultura de equipe, e as relações que as pessoas têm em uma empresa quando você não tem tempo para conversar, como conversar e tomar um café juntos.”
Para Rita Fontinha, professora em Gestão Estratégica de Recursos Humanos da Henley Business School, da University of Reading, embora haja claras vantagens para a jornada de trabalho comprimida – “ela traz benefícios não só para a qualidade de vida profissional das pessoas, mas também para o desempenho financeiro das organizações” – sua própria pesquisa ressalta as desvantagens que Corcoran e Rheingans encontraram.
“Embora um dia de trabalho mais curto possa resultar em uma melhor gestão do tempo e concentração, os indivíduos podem sentir uma pressão adicional para concluir as tarefas a tempo”, diz ela. “A flexibilidade de potencialmente ter algum tempo extra para concluir as tarefas, se necessário, ou de gastar menos tempo com elas se forem concluídas, é algo valorizado pelos funcionários, conforme demonstrado na minha pesquisa.”
Da mesma forma, Jan-Emmanuel de Neve, professor de Economia e Estratégia da Saïd Business School, da Universidade de Oxford, afirma que sua pesquisa reforça o argumento de que as jornadas de trabalho de cinco horas levam a um maior bem-estar dos funcionários, o que, por sua vez, leva a uma maior produtividade.
No entanto, ele alerta que, por definição, ganhos de produtividade significam que todos trabalham mais, o que pode ter um impacto indireto no sentido da reversão dos ganhos de bem-estar.
Ao fazer mais trabalho em intervalos de tempo mais curtos, na verdade, as pessoas estão se preparando para ficar mais estressadas. “A Covid-19 nos forçou a trabalhar em casa, e, por causa disso, estamos obtendo melhorias na produtividade”, diz ele. “Precisamos estar cientes de que, quando há ganhos de produtividade, estamos trabalhando mais. Ainda não traduzimos isso em tirar mais folgas, mas preenchemos com mais trabalho. Estamos chegando ao limite agora. É uma loucura pensar que fazemos muito mais trabalhos do que nossos pais ou avós.”
Uma desvantagem social das jornadas mais curtas é que nem todos os trabalhos são adequados para serem executados em intervalos de cinco horas. A pesquisa pode ter descoberto que a criatividade das pessoas diminui após cinco horas de concentração, mas nem todos os trabalhos exigem que as pessoas que os executam sejam criativas.
“Há uma quantidade enorme de trabalhos que não requerem um foco profundo”, diz Pang. Nos call centers, lares de idosos e linhas de montagem, os funcionários são necessários simplesmente para fazer o trabalho, e, como a Ford Motor Company demonstrou, há um bom motivo para lhes pedir que façam isso em turnos de oito horas: isso permite que cada período de 24 horas seja dividido em três partes iguais. Para quem faz esse tipo de trabalho, os turnos de cinco horas são desnecessários do ponto de vista da produtividade. Para os empregadores, são menos ordenados do ponto de vista organizacional.
Segundo Neve, isso é problemático para a força de trabalho como um todo. “Há uma série de empregos que precisam cumprir horários específicos, e isso permeia a sociedade, mas há muitos e muitos empregos para os quais os horários específicos são completamente desnecessários”, diz ele.
“A minha sensação é de que haverá mais variações e diferenças entre esses trabalhos por vir. Infelizmente, isso provavelmente aumentará as desigualdades.”
Para aqueles empregadores que conseguem pensar em novas formas de trabalho, a pandemia abriu espaço para começar a pensar na melhor forma de fazer isso. Ao mesmo tempo, forçou aqueles que já haviam adotado uma mudança radical a repensarem as suas estratégias.
Na Califórnia, Aarstol diz que a Tower teve que abandonar os dias de cinco horas no verão de 2020, quando parecia que o negócio iria à falência. Em vez de se basear na perspectiva de aumento da produtividade para impulsionar as vendas, houve uma reversão para uma cultura da disponibilidade constante, em vez disso.
Na Alemanha, Rheingans diz que, depois de trabalhar em casa por mais de um ano durante a pandemia, a maioria dos funcionários deseja continuar fazendo isso. Isso dá aos funcionários a flexibilidade para ajustarem suas vidas pessoais em torno dos seus compromissos de trabalho, mas também significa que o elemento-chave que torna os dias de cinco horas um sucesso – um período sólido de concentração ininterrupta – é mais difícil de alcançar.
“Mudamos totalmente de modelo, porque alguns de nós têm filhos e precisamos acompanhar seus estudos. Não há como você trabalhar das 8h às 13h ao lado dos seus filhos”, diz Rheingans. A empresa introduziu uma regra dizendo que nenhum compromisso ou reunião pode ocorrer entre 12h e 14h porque as pessoas precisam cuidar dos seus filhos ou ter tempo para si mesmas.
“O restante do tempo é flexível: organize-se, esteja atento e fique saudável. Eu quero que as pessoas trabalhem menos, e não mais, porque no longo prazo é muito melhor. E eu quero que as pessoas trabalhem com todas as suas forças.”
Aarstol, por sua vez, diz que ajustou o modelo da Tower para que a equipe pudesse continuar se beneficiando dele sem vê-lo como um direito. “Quando eu disse à equipe que não faríamos o trabalho de cinco horas por dia, houve uma decepção genuína”, diz ele. “Foi então que eu descobri que isso havia se tornado um direito muito rapidamente. Agora, estamos fazendo isso por quatro meses, de agosto a novembro, mas apenas nos anos em que aumentamos a receita. Agora é um benefício para toda a empresa, como um bônus de Natal pelo qual todos trabalham.”
De volta a Liverpool, Corcoran acredita que um modelo híbrido, que incorpore os aspectos positivos das jornadas de trabalho mais curtas para os funcionários, ao mesmo tempo que leva em consideração os potenciais aspectos negativos para o negócio, é o melhor caminho a seguir. A Agent, diz ele, opera seu modelo de dois dias de jornada curta e de três dias de jornada longa há quatro anos e descobriu que ele “funciona perfeitamente”.
“É um ambiente adulto, não se trata de microgerenciar pessoas. Elas têm a liberdade de poder ter dois dias mais curtos por semana”, diz ele. “Quando você soma essas horas, isso equivale a dois dias extras por mês, e isso é um bônus realmente grande.”
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Qual o número ideal de horas para trabalhar todos os dias? Cinco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU