18 Junho 2021
"Esses dados deveriam ficar na mesa de quem vai administrar o Plano de Recuperação Pnrr, para que a recuperação que esperamos que ocorra não deixe para trás aqueles que já sofreram tanto com os efeitos da pandemia, para evitar que as desigualdades e vulnerabilidades de vários tipos de que são expressão, não se cristalizem ainda mais", escreve a socióloga italiana Chiara Saraceno, membro honorária do Collegio Carlo Alberto de Turim, e professora emérita do Wissenschaftszentrum für Sozialforschung de Berlim e da Universidade de Turim, em artigo publicado por La Repubblica, 17-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como as estimativas provisórias do Istat já haviam previsto em março, o impacto da pandemia foi muito forte em termos de aumento da pobreza absoluta, apesar de as várias medidas implementadas pelo governo para subsidiar a perda de receita terem sido consistentes. Sem eles, o impacto teria sido mais severo tanto em termos de incidência quanto em termos de intensidade de pobreza.
Afinal, era difícil esperar que as coisas fossem diferentes. Entre trabalhadores/as com salários reduzidos, trabalhadores/as que perderam o emprego apesar do bloqueio das demissões, empresas que tiveram que fechar, muitas famílias perderam ou viram ser reduzida sua única renda disponível ou perderam um dos assalariados. A pequena diminuição na incidência da pobreza absoluta registrada em 2019 após anos de aumento constante se inverteu em um aumento de mais de um ponto para as famílias e quase dois pontos para os indivíduos. Isso representa, respectivamente, cerca de 330.000 famílias e um milhão de pessoas a mais do que no ano anterior.
Pode-se argumentar se, em um período excepcional como o que vivemos, em que todos reduzimos o consumo à força, o indicador de pobreza absoluta constituído pelo valor total da cesta de bens essenciais (alimentação, gastos com moradia, roupas e pouco mais) não deveria ser "desempacotado", visto que algumas despesas, como roupas, podem não ter sido realizadas não por falta de recursos, mas por falta de necessidade, dada a reduzida mobilidade e sociabilidade a que todos foram obrigados. Mas, com o mesmo raciocínio, pode-se argumentar que alguns bens, não incluídos na cesta, acabaram se revelando essenciais e sua falta constituiu um elemento adicional de pobreza.
Por exemplo, os dispositivos de informática, como um computador ou tablet, e a conexão suficiente para acompanhar o ensino à distância, cuja falta ampliou ainda mais as desigualdades entre crianças e adolescentes em termos de oportunidades de aprendizagem. Da mesma forma, a falta de alguns serviços, como a merenda escolar, durante o longo lockdown, reduziu a possibilidade de crianças pobres terem uma alimentação diária nutricionalmente adequada. Mesmo sem considerar esses aspectos, crianças e adolescentes se confirmam como os mais vulneráveis à pobreza, saltando para 13,5%, mais de 5 pontos percentuais acima da média. Com suas famílias, também experimentam uma intensidade de pobreza maior do que a média.
São também as crianças que têm irmãos e irmãs, especialmente mais de um, e suas famílias que vivem a condição de pobreza absoluta com mais frequência do que aqueles que não têm irmãos ou irmãs, ou apenas um. Antes de nos preocuparmos com as taxas de natalidade, devemos nos preocupar com as condições de privação e falta de oportunidades com que permitimos que mais de um milhão de crianças e adolescentes cresçam em um país que é um dos 7 mais desenvolvidos do mundo. Justamente porque o aumento da pobreza absoluta é um efeito direto das medidas de combate à pandemia, não é de estranhar que o maior aumento tenha ocorrido nas regiões do Norte, tanto porque no ano passado foram atingidas mais cedo e por mais tempo pelo lockdown, como porque têm uma maior concentração de empresas e atividades que tiveram que fechar ou desacelerar, mesmo que o Sul continue sendo a área com maior incidência de pobreza. A diferença Norte-Sul, portanto, se reduziu não por uma melhora da situação na segunda, mas por uma ampliação da área de vulnerabilidade também para regiões e grupos sociais que pareciam mais protegidos.
Finalmente, embora a grande maioria das famílias em situação de pobreza absoluta seja composta apenas por italianos, a incidência é muito maior nas famílias onde há pelo menos um estrangeiro (residente legalmente na Itália), fato que diz respeito a uma em cada quatro famílias, ao contrário do 6% de famílias exclusivamente italianas. De fato, entre os estrangeiros, concentram-se os trabalhadores pobres, muitas vezes sem ou com baixa cobertura previdenciária e assistencial. Esses dados deveriam ficar na mesa de quem vai administrar o Plano de Recuperação Pnrr, para que a recuperação que esperamos que ocorra não deixe para trás aqueles que já sofreram tanto com os efeitos da pandemia, para evitar que as desigualdades e vulnerabilidades de vários tipos de que são expressão, não se cristalizem ainda mais.
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Os novos pobres da pandemia. Artigo de Chiara Saraceno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU