13 Dezembro 2013
A pobreza dos menores não consegue entrar em nenhuma agenda política, em nenhuma escala de prioridade. Ao contrário, muitas decisões de política econômica afetam e afetaram particularmente eles, reduzindo ainda mais os recursos disponíveis para atividades e serviços destinados a eles.
A análise é da socióloga italiana Chiara Saraceno, membro honorária do Collegio Carlo Alberto de Turim, e professora emérita do Wissenschaftszentrum für Sozialforschung de Berlim e da Universidade de Turim. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 12-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O que significa para uma criança ou jovem estar em condição de pobreza absoluta? Significa não poder ter uma alimentação adequada, não fazer prevenção de saúde (com a crise, desabaram as visitas ao dentista, que na Itália não fazem parte do serviço de saúde nacional), viver em espaços domésticos superlotados e em espaços externos muitas vezes degradados, não poder se aquecer suficientemente, não ter livros e brinquedos, às vezes não ter a roupa adequada ao tamanho do próprio corpo.
Significa ter à disposição serviços para a infância e escolas em menor grau, e de mais baixa qualidade ambiental, da já não excelente média nacional. Significa experimentar já desde pequenos, através da experiência dos pais, que o trabalho muitas vezes não existe e, quando existe, não paga o suficiente para viver decentemente. Significa, também, entender muito cedo que não se conta nada para quem tem o poder de decidir.
São cerca de um milhão as crianças e jovens que vivem em condição de pobreza absoluta na Itália dos quais a Save the Children, no seu último "Atlas" traçou, em colaboração com os pesquisadores do Istat, uma fotografia (para todos nós) tão impiedosa quanto dramática.
São o dobro daqueles que (já muitos) estavam nessa condição em 2007. A metade vive no Sul, onde mais de um menor em cada 10 vive em condições de pobreza absoluta (na Sicília, quase um em cada cinco). Mas o aumento foi relativamente maior nas regiões centro-setentrionais. Os menores, junto e mais do que os jovens, são as grandes vítimas da crise, que os atinge até mesmo dentro das condições de crescimento, de saúde, de capacidade e possibilidade de planejar um futuro, constituindo previamente um percurso que vai levar muitos deles a engrossar as listas dos NEETs [Not in Education, Employment, or Training] – jovens entre 18 e 24 anos que não estudam nem trabalham –, para os quais a Itália tem um não invejável primado.
Porém, a pobreza dos menores não consegue entrar em nenhuma agenda política, em nenhuma escala de prioridade. Ao contrário, muitas decisões de política econômica afetam e afetaram particularmente eles, reduzindo ainda mais os recursos disponíveis para atividades e serviços destinados a eles.
A drástica redução do Fundo Social, juntamente com os becos sem saída do Pacto de Estabilidade, resultou em uma redução dos serviços para a primeira infância, tão importantes para combater as desigualdades de partida. A redução dos fundos para a escola levou à forte redução do tempo integral, especialmente nas regiões (do Sul) onde ele tinha se consolidado menos, mas onde seria mais necessário para combater situações de mal-estar e de carência de recursos familiares, e também dos serviços integrativos.
Certamente, ao lado dos vínculos do orçamento (e da forma como são definidos), houve e há uma forte carência de programação e de utilização dos fundos, especialmente europeus. Mas, a meu ver, teve e ainda tem importância o entrelaçamento entre marginalidade e fragmentação das políticas de combate à pobreza, de um lado, marginalidade das políticas dirigidas à infância e à adolescência, de outro. Elas são cada vez mais ocasionais, temporárias, nascem e morrem com o político e o fundo do momento, sem nunca se tornarem medidas consolidadas, embora possam ser revisadas, com financiamentos certos. Isso produz dispersão de energia e recursos, e também desconfiança e alienação, não só entre os menores e as suas famílias, mas também entre os operadores sociais e as comunidades.
Um exemplo, apenas aparentemente marginal, é o que está acontecendo em Nápoles nas últimas semanas. Há anos, existe naquela cidade uma atividade educativa territorial, cerca de 25 laboratórios que, todas as tardes, de segunda a sexta-feira, acolhem crianças e adolescentes dos bairros de maior risco da cidade, fornecendo-lhes apoio escolar e enriquecimento curricular, e removendo-os das ruas e do recrutamento por parte da Camorra.
Em 15 anos de existência, foram acolhidas centenas de jovens, reduzindo o risco de abandono escolar, infelizmente muito alto naquela cidade. Em todo esse tempo, nunca se encontrou uma forma para financiar essas atividades de modo regular e contínuo, e muito menos para decidir se e de que modo seria necessário ter uma política de combate à exclusão escolar e à marginalidade social dos jovens mais desfavorecidos.
Os operadores, mas também os jovens e as suas famílias, foram sistematicamente deixados em um estado de perene incerteza. Nestes dias, o atraso em fazer a deliberação necessária (ou em encontrar uma solução alternativa, se for considerada melhor) também provocará o fechamento dos laboratórios, deixando cerca de 2 mil famílias pobres sem uma solução segura para seus filhos depois das férias de Natal.
Está pronto o presente de Natal às crianças e jovens pobres de Nápoles (mas fenômenos semelhantes estão ocorrendo também em outras cidades).
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O presente de Natal para os filhos da crise. Artigo de Chiara Saraceno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU