02 Junho 2021
“A propagação da Covid-19 e seus efeitos econômicos, sociais, políticos e ambientais são agravados por problemas estruturais na América Latina e Caribe: principalmente, os altos níveis de desigualdade, a precariedade e informalidade no trabalho, a falta de proteção social, a degradação ambiental, pobreza e vulnerabilidade”. Além disso, “a região é caracterizada por sistemas de saúde e proteção social frágeis e fragmentados e por assentamentos urbanos marginalizados em expansão, sem acesso a serviços básicos. A região também tem grandes fluxos migratórios e deslocamentos populacionais, além de conflitos de vários tipos, e é afetada de forma desproporcional pelas consequências da crise climática”. Esta é a análise dura, mas extremamente documentada e fiel aos fatos proposta pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), que publicou recentemente o relatório "A questão social no contexto do Covid-19 na América Latina".
A reportagem é de Bruno Desidera, publicada por Agência SIR, 01-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um estudo (nos próximos dias também estará disponível em italiano no site da entidade), que foi apresentado oficialmente na assembleia geral do Celam, que se realizou na modalidade virtual de 18 a 21 de maio. E isso é duplamente importante: por um lado, pela atualidade do conteúdo e pela completude dos dados, por outro porque representa o primeiro trabalho desenvolvido por um novo serviço do reestruturado Celam, o Centro de Gestão do Conhecimento. O centro contou com a colaboração de duas "redes": a das universidades católicas do continente e a dos Observatórios da divisão social e da pobreza. Partindo do mais estruturado e enraizado, o Observatório da desigualdade social da Universidade Católica Argentina (Uca).
O coordenador do estudo, aliás, é justamente quem dirige o Observatório da UCA, o sociólogo Agustín Salvia, que explica ao SIR: “O impacto da pandemia nas sociedades latino-americanas foi devastador, também porque ampliou situações já existentes, a começar pela desigualdade, a maior do planeta. No continente há muitas pessoas que praticamente moram na rua, ou que moram em casas superlotadas e deterioradas na periferia das grandes cidades. As restrições e o isolamento atingiram essas pessoas com maior gravidade”. Sem falar nos serviços de saúde inadequados, que ficaram evidentes de forma dramática durante as ondas que foram ocorrendo nos vários países, principalmente no Brasil, México, Colômbia, Peru e Argentina.
Salvia apresenta dados eloquentes, em parte retirados do trabalho dos Observatórios, em parte de estudos da Cepal, a Comissão das Nações Unidas para a América Latina. “Em 2020, 8,4% da população mundial vivia na região da América Latina e do Caribe. Em dezembro do ano passado, 18,6% das infecções acumuladas de Covid-19 e 27,8% das mortes causadas por essa doença concentravam-se nesta parte do mundo”. Com graves consequências: “Uma em cada 5 crianças no continente está subnutrida, 47% vive em ambientes pobres. Estima-se que 47 milhões de pessoas perderam seus empregos”.
A América Latina "não está saindo da pandemia melhor do que antes", denuncia o sociólogo, que se refere à forte desigualdade (10% da população concentra 70% da riqueza), aos atentados à criação, a uma economia que continua a focar no extrativismo, no aumento das migrações, que veem protagonistas os venezuelanos, de um lado, e as populações da América Central do outro, na incapacidade dos governos de resolver as tensões sociais.
Como se sabe, de fato, a chegada das pandemias “esvaziou” repentinamente as praças que poucas semanas antes estavam lotadas por milhões de pessoas, na maioria dos países latino-americanos. O exemplo da Colômbia nas últimas semanas sugere que as tensões neste período tenham aumentado e estão prestes a explodir. “Os governos - comenta o professor Salvia - são incapazes e fracos para enfrentar o problema do descontentamento popular generalizado, como estamos vendo na Colômbia. Uma nova forma de autoritarismo político pode ser vislumbrada em alguns contextos”.
O estudo do Celam, pelo contrário, em continuidade com a encíclica "Fratelli tutti", apela a um novo tempo de participação, uma cultura do diálogo, um novo pacto social "como instrumento político para uma mudança verdadeiramente estrutural", aberto às contribuição dos “principais movimentos e setores sociais, dos trabalhadores aos setores mais marginalizados da sociedade”. Segundo Salvia, “somente podemos sair da crise através de um desenvolvimento sustentável”. E, mesmo entendendo a utilidade, na situação atual, de mecanismos de renda mínima de cidadania, “somente por meio da recuperação do trabalho e da produção de riquezas. Precisamos investir mais em capital humano e social, mas para isso não se pode prescindir do trabalho”.
Em vez disso, o atual aumento dos preços das matérias-primas corre o risco de dar lugar ao velho “atalho” da economia que se concentra nas atividades de mineração, ou nas monoculturas.
Nesse contexto, o relatório do CELAM delineia um papel renovado para as comunidades cristãs. “A renovação do Celam e o colocar em rede Universidades católicas e Observatórios já me parecem uma resposta forte”, conclui Salvia.
E, ao apresentar o estudo, que contém uma grande parte dedicada justamente aos desafios pastorais desta situação, o secretário geral do órgão eclesial continental, Mons. Jorge Eduardo Lozano, arcebispo de San Juan de Cuyo, escreve entre outras coisas: “Transformar a realidade social com a força do Evangelho, no qual o próprio Jesus se identifica com os famintos, os sedentos, os migrantes, os sem-teto. É necessário assumir este ensinamento radical, que continua a ser o horizonte das mulheres e dos homens fiéis a Jesus Cristo, no início do terceiro milênio da era cristã”.
Nesse contexto, “estamos convencidos de que os estudos sociais sistemáticos ajudarão a Igreja latino-americana a compreender os sinais dos tempos e a responder aos problemas e às exigências do nosso tempo”. Hoje, escreve ainda o secretário-geral do CELAM, é necessária uma mudança de estrutura, porque esse sistema social não é mais sustentável. Francisco nos fala da necessidade de globalizar a esperança, em contraste com a globalização da exclusão, para pôr um fim à desigualdade e o modelo do descarte. Mas uma transformação estrutural desse tipo começa com uma mudança de mentalidade”. E justamente o magistério de Francisco é, positivamente, o "fio condutor" da relação, como evidenciado pelo desenvolvimento de um triplo sonho, "ecológico", "social" e "cultural", retirado pela exortação "Querida Amazônia", que oferece um horizonte de esperança em uma situação tão difícil.
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“O impacto da pandemia sobre as sociedades latino-americanas foi devastador”, aponta estudo do Celam sobre Covid-19 e questão social - Instituto Humanitas Unisinos - IHU