01 Junho 2021
Diante dos meios postos sobre a mesa pela Administração Biden para a retomada da economia, alguns economistas alertam para o risco de superaquecimento. Este receio é justificado?
A reportagem é de Christophe Blot, publicada por Alternatives Économiques, 31-05-2021. A tradução é de André Langer.
Assim que chegou à Casa Branca, Joe Biden, logicamente, começou a priorizar o combate à epidemia do coronavírus e suas consequências econômicas. Já em março, enviou ao Congresso um plano de recuperação (American Rescue Plan) de 1,9 trilhão de dólares, completando assim aquele aprovado pelo Congresso em dezembro. Este estímulo se soma às medidas votadas sob a Administração Trump (Coronavirus Aid, Relief, and Economic Security Act) na primavera de 2020, que já totalizava 2,4 trilhões de dólares.
Assim, o Estado federal dos EUA terá comprometido 5,2 trilhões de dólares, ou 24 pontos percentuais do PIB de 2019, a maior parte desses gastos incorridos ao longo dos anos 2020-2021.
A necessidade de um novo estímulo foi certamente consensual, mas sua magnitude está provocando mais debates, uma vez que a recuperação já está em andamento e a economia ainda se beneficiará das medidas de apoio votadas em 2020. A retomada de Biden correrá o risco de superaquecer a economia americana e alimentar o retorno da inflação, como temem economistas como Lawrence Summers ou Olivier Blanchard?
O debate centrou-se particularmente na curva de Phillips que faz a relação entre a atividade e a inflação, com Paul Krugman destacando que o risco inflacionário não deve ser sobrestimado enquanto as expectativas de inflação se mantiverem ancoradas em patamar baixo e consistentes com a meta do Federal Reserve. Além desse ponto crucial, o risco inflacionário dependerá também do impacto dos planos de estímulo sobre a atividade e o desemprego, mas também sobre a posição da economia americana no ciclo, aspectos sobre os quais pairam algumas incertezas.
Como em outros países industrializados, as medidas de emergência adotadas primeiro em 2020 e depois estendidas com o plano Biden visavam inicialmente financiar despesas de saúde relacionadas à pandemia – campanhas de diagnóstico e de vacinação –, bem como apoiar a renda de famílias e empresas afetadas pela crise e pelas medidas profiláticas. O Estado federal também aumentou as transferências para os Estados americanos para compensar a perda de receitas tributárias e impedi-los de cortar gastos.
Apesar das diferenças notáveis na distribuição das medidas de apoio, os planos adotados primeiro por Donald Trump e depois por Joe Biden têm alguns pontos em comum. Em particular, eles apoiam fortemente a renda familiar através do pagamento de um subsídio federal de taxa fixa adicional e do envio de cheques. Essas medidas de apoio mais do que compensaram a perda de renda ligada à crise e resultaram primeiro em um aumento acentuado na taxa de poupança das famílias em 2020. Mas com o levantamento gradual das medidas profiláticas e a possibilidade de alcançar a imunidade coletiva, as famílias têm uma reserva de receitas que deverá traduzir-se numa forte aceleração da demanda em 2021.
Na verdade, a recuperação da economia já está bem encaminhada, uma vez que, no primeiro trimestre de 2021, o PIB superou o nível do quarto trimestre de 2019. Os números mais recentes indicam uma recuperação do consumo das famílias em 2,6% em ritmo trimestral. Em abril, a inflação acelerou fortemente, atingindo 4%. Sugerem esses sinais o início do superaquecimento? Devemos, obviamente, permanecer cautelosos.
A variação do índice de preços ao consumidor inclui um efeito associado ao aumento do preço do petróleo. O chamado núcleo de inflação, ou inflação subjacente, que exclui do cálculo do índice as variações nos preços de energia e alimentos, teve alta de 3%. Acima de tudo, não se deve extrapolar um cenário a partir de um indicador observado ao longo de um único mês.
Dada a magnitude do choque, não é tanto a oportunidade do plano de estímulo de Joe Biden que é objeto de debate, mas sua magnitude. De fato, uma abordagem um tanto keynesiana do funcionamento da economia supõe que os mecanismos de mercado são insuficientes para restabelecer o equilíbrio – o crescimento – no caso de um choque negativo. As políticas anticíclicas são então necessárias e sua calibragem deve ser de molde a trazer a economia de volta ao seu potencial de crescimento.
Um estímulo insuficiente manteria a economia em situação de subemprego e de desemprego. Por outro lado, uma política excessivamente expansionista apresenta um risco de desequilíbrio, materializado pelo superaquecimento e pelas pressões inflacionárias. No entanto, existem duas incógnitas importantes.
Por um lado, o tamanho do chamado “multiplicador fiscal”, que mede o efeito de uma política fiscal sobre o PIB (por meio de variações nas despesas ou nos impostos), não é conhecido com precisão.
Por outro lado, a diferença entre o nível de atividade e o PIB potencial – que corresponde ao nível de PIB que a economia pode atingir quando todos os fatores de produção (capital e trabalho) são utilizados ao máximo sem pressionar os preços – também é incerto. A estimativa desse hiato de atividade é fundamental, pois dá uma indicação do déficit de atividade caracterizado por uma demanda insuficiente e que geralmente resulta em subemprego ou, ao contrário, em excesso de demanda, gerando pressões inflacionárias.
Em 2020, as restrições às atividades limitaram as despesas e, sem dúvida, perturbaram a eficácia das medidas que já foram tomadas. Um recente resumo de estudos empíricos sugere um efeito multiplicador para as despesas públicas entre 0,5 e 2. Nessas condições, com um impulso fiscal acumulado de quase 11 pontos do PIB, o impacto econômico dos planos de estímulo sobre o PIB dos Estados Unidos poderia oscilar entre 5 pontos e potencialmente 20 pontos do PIB. Há, portanto, relativa incerteza sobre o efeito que pode ser previsto, especialmente porque o contexto da pandemia provavelmente torna esta avaliação ainda mais frágil.
E qual é a posição da economia americana no ciclo? Como o nível de PIB potencial não é observado, ele deve ser estimado. De acordo com o CBO (Congressionnal Budget Office), essa diferença foi levemente positiva em 2019 (+ 0,9%), refletindo um nível de atividade acima do potencial. A diferença diminuiu fortemente com a recessão de 2020 e situar-se-ia em - 3,2%, refletindo bem a queda da demanda num contexto em que as capacidades de produção se mantiveram inalteradas. O resultado é um aumento acentuado do desemprego, como aquele observado ao longo do ano.
É, portanto, à luz dessas duas hipóteses – o efeito multiplicador e a diferença de crescimento – que podemos julgar a extensão do estímulo fiscal adequado, que deve ser determinado de fato para trazer a economia de volta ao seu potencial. No contexto atual e sob a premissa cautelosa de um multiplicador unitário, as medidas cumulativas tomadas seriam três vezes maiores do que a diferença de crescimento. É provável que a economia tenha se beneficiado de algumas das medidas tomadas por Donald Trump, apesar das medidas profiláticas adotadas em 2020, de modo que seria excessivo antecipar um hiato de crescimento de mais de 7% no final de 2021. Mas o fato é que a combinação desses pacotes de estímulo parece estar levando a economia a um pico cíclico raramente visto desde 1950.
Mas a estimativa do potencial de crescimento do CBO pode subestimar a falta de demanda. Outras abordagens para calcular o potencial são possíveis e, embora nenhuma esteja isenta de limites, alguns sugerem que antes da crise a situação estava muito mais degradada, com diferenças relativamente à estimativa do CBO de 2017 variando de 5 a 10 pontos.
Nessas condições, o incentivo adicional de Joe Biden poderia ser muito menos desproporcional. Com um multiplicador ainda unitário, o acúmulo de medidas só então possibilitaria o retorno ao equilíbrio. Entre os elementos que defendem uma diferença menor de crescimento, destaca-se que a taxa de emprego americana era 3,6 pontos inferior ao seu pico de 2000 antes da crise de Covid, e que no final de 2020 a defasagem atingiu 7 pontos.
Por outro lado, os dois últimos picos cíclicos de 2019 e 2007 não provocaram uma aceleração acentuada da inflação, suscitando um debate sobre o achatamento da curva de Phillips. Em janeiro de 2020, a taxa de desemprego havia chegado a 3,5%, nível não observado desde o final dos anos 1960. No entanto, a inflação não voltou a ultrapassar a meta de 2% do Federal Reserve, sugerindo um achatamento da curva de Phillips ou mesmo o desaparecimento dessa famosa relação entre desemprego e inflação.
Aqui, novamente, as incertezas são importantes. Com base em estimativas recentes, economistas americanos, entre os quais estão Laurence Ball e Gita Gopinath, esperam que a inflação não ultrapasse os 3% até 2023, mesmo com uma taxa de desemprego que atinja o mínimo histórico de 1,5%. Seus cálculos, portanto, imploram para não superestimar o risco inflacionário, mesmo se o plano de Biden for bem-sucedido.
No entanto, essas estimativas partem do pressuposto de que as expectativas de inflação dos agentes privados – famílias e empresas – permanecem ancoradas, ou seja, estáveis e próximas do nível de inflação estipulado pelo Federal Reserve. Na verdade, desde os trabalhos de Milton Friedman e Edmund Phelps na década de 1960, os economistas consideram que as expectativas de inflação exercem um papel importante na curva de Phillips. Esse é o argumento apresentado por Paul Krugman para mitigar o risco destacado por Oliver Blanchard. É, portanto, para essa variável que devemos nos voltar. Mas aí, novamente, parece excessivo por enquanto anunciar uma volta da inflação como os países industrializados a conheceram nos anos 1970. Os indicadores de mercado certamente sugerem um aumento da inflação esperada de longo prazo, mas que deve ficar em torno de 2,5%.
Esses vários elementos, portanto, sugerem que existe o risco de superaquecimento, mas que não deve ser superestimado. Também deve ser avaliado na perspectiva do custo de não produzir uma retomada a contento, o que dificultaria a recuperação e desaceleraria a queda do desemprego. Risco que as economias europeias estão enfrentando.
No entanto, o plano Biden envolve certos riscos de natureza diferente. O primeiro é financeiro. Ao estimular tanto a renda das famílias, e mesmo que os mais ricos se beneficiem menos das várias medidas, os planos de apoio levaram primeiro a um forte aumento da poupança, o que poderia alimentar uma explosão dos preços imobiliários e das ações.
O outro risco é político. Por acertar com tanta força desde o início de seu mandato, Joe Biden não corre o risco de não ter apoio político para que seus outros projetos sejam adotados? Nomeadamente, aqueles apresentados recentemente, que visam estimular o investimento público e aumentar a redistribuição, aumentando os impostos sobre as empresas e as famílias mais ricas. Esses projetos são importantes para reduzir as desigualdades de maneira estrutural, mas seria uma pena se todo o crédito político do novo inquilino da Casa Branca fosse usado para uma retomada da economia mal calibrada.
O equilíbrio dos poderes é frágil nos Estados Unidos e o presidente deve convencer o Congresso, onde tem apenas uma pequena maioria. As eleições de meio de mandato sempre podem mudar esse equilíbrio e devolver a maioria aos republicanos que, sem dúvida, se oporão aos aumentos de impostos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Existe realmente o risco de superaquecimento da economia americana? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU