28 Mai 2021
“70072, é o número de matrícula que me tatuaram no campo de Auschwitz Birkenau quando me deportaram. Eu tinha menos de três anos. Hoje Francisco quis beijá-lo. Significa muito para mim. Essa tatuagem, embora seja uma lembrança de fatos terríveis, me ajudou a encontrar minha mãe dezessete anos depois. Eu pensava que ela estava morta. Não era assim.”
Lidia Maksymowicz, 81, polonesa de origem bielorrussa, passou dezoito meses no “bloco das crianças” de Auschwitz, libertada em 27 de janeiro de 1945, o período mais longo vivido por uma criança ali dentro. Sofreu experimentos médicos, como a inoculação de vírus e solução salina, pelo doutor Mengele, de quem lembra "as botas lustrosas e o olhar frio". Quando foi libertada, foi adotada por uma família polonesa. Ontem ela compareceu à audiência geral de Francisco no Vaticano. No final, ele se aproximou dela para um cumprimento. O Papa ouviu parte de sua história - reproduzida hoje no docufilme "70072: A menina que não sabia odiar. A verdadeira história de Lidia Maksymowicz", dirigido por Elso Merlo e produzido pela Associazione La Memoria Viva. Umanità Senza Confine - e quis beijar a sua tatuagem.
A entrevista com Lidia Maksymowicz é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 27-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como você se sentiu quando o Papa beijou sua tatuagem?
Aquele beijo me deu força e me reconciliou com o mundo. Olhamos um para o outro e nos entendemos sem a necessidade de palavras. O Papa Francisco é importante na minha vida. Eu sigo tudo o que ele faz. Para mim foi um grande dia.
Papa Francisco beija a tatuagem de Lidia (Foto: Vatican Media)
Esse número de registro significa muitas coisas para a senhora?
Só aprendi muitos anos depois da minha libertação, quando já vivia com a minha ‘segunda’ mãe polonesa, que a minha mãe estava viva. Fui eu quem escreveu para o escritório de pesquisas em Hamburgo, na Alemanha, contando minha história. Durante três anos trocamos informações. Um dia eles me disseram: ‘Sua mãe está viva. Mas ela mora na União Soviética’. Eles haviam encontrado informações sobre o transporte para Bergen-Belsen e a subsequente liberação nos arquivos especiais. Disseram-me que há anos ela também me procurava com o número de matrícula.
Vocês conversaram ao telefone?
A primeira mensagem foi um telegrama. Ela me perguntou onde eu estava e quem estava cuidando de mim. Eu tinha vinte e um anos. Eu estava um pouco triste. Achei que ela nunca tivesse me procurado.
Como aconteceu o primeiro encontro?
Fui para Moscou de trem. Ela esperava uma menina de quatro anos ... Mas, era eu que estava lá, uma adulta. Ela desmaiou. Havia muitos repórteres. Todos queriam nos ver e não conseguíamos falar uma com a outra. Só conseguimos nos falar quando chegamos na casa onde ela morava. Ela me contou que lhe haviam contado que todas as crianças de Auschwitz haviam sido levadas para orfanatos na União Soviética. Ela tinha me procurado em todos os lugares. Estava feliz, mas ao mesmo tempo sofrendo por todo o tempo que passou sem mim. Ela me disse: ‘Não é minha culpa’. Parei de sentir mágoa e amei-a.
O que lembra de Auschwitz?
O galpão onde vivia: havia tantas crianças. Nós estávamos sozinhos. Eles nos davam uma fatia de pão preto de manhã, sopa ao meio-dia. Cada um lutava pela sobrevivência. Minha mãe vinha até mim de vez em quando dos fornos crematórios, arriscando a vida. Eu dizia a ela: ‘Não me traga comida, apenas me deixe ficar em suas mãos que não me sinto sozinha’. Eu tentava não pedir nada, estava sempre em silêncio. Havia um cheiro horrível, a praga das aranhas, não havia água para se lavar. Sempre estava escuro. O telhado tinha vazamentos. Quando chovia ou nevava, tudo entrava lá dentro. Havia uma guarda que mantinha a ordem com um chicote.
O galpão era o tanque do qual Mengele se servia para realizar seus experimentos?
Sim. Fui enviada para lá porque era uma ‘criança bonita e saudável’. Não me lembro exatamente o que Mengele fazia. Mas me lembro bem da dor e de seu olhar. Ele era uma pessoa atroz, sem limites ou escrúpulos. Depois da guerra, foram encontrados alguns livros sobre as experiências com referências aos números tatuados, entre os quais o meu.
A senhora guarda rancor?
Não sei odiar. Sei que, se odiar, sofrerei ainda mais do que aqueles que contribuíram para esta má sorte que me coube.
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Lidia e o beijo do Papa: “Sobreviveu a Mengele, mas não esquece a dor” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU