Em seu blog Come Se Non, 14-05-2021, o teólogo italiano Andrea Grillo escreve: “Com um olhar sereno e estilo seguro, Riccardo Saccenti examina o novo texto sobre o ‘ministério do catequista’ à luz dos desdobramentos históricos e das tensões entre abordagem teológica, evidências eclesiológicas e tradição jurídica: um quadro em movimento, que apresenta aberturas e fechamentos. Agradeço-lhe por ter me permitido publicar esta sua importante reflexão”.
Saccenti é filósofo e medievalista italiano, pesquisador do King’s College, de Londres, e da Fundação para as Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
1. A assinatura do documento Antiquum ministerium marca, como foi oportunamente observado, uma passagem relevante na recepção do Concílio Vaticano II. A 56 anos do seu encerramento, o motu proprio marca a instituição de um ministério novo, o do catequista, que amplia as fronteiras da ministerialidade dentro da Igreja, colocando-o expressamente dentro do horizonte de uma pluralidade de munera expressada “no serviço de homens e mulheres que, obedientes à ação do Espírito Santo, dedicaram a sua vida à edificação da Igreja” (n. 2).
Se o texto reconhece o exercício da catequese como um ministério enraizado na história longa e plural da Igreja, ele o liga, porém, expressamente, à condição laical. Observou-se corretamente que essa modalidade específica de apresentar o ministério do catequista não é neutra: falar de “ministério laical de catequista” liga esse ministério a uma condição específica do cristão, conotada no campo jurídico da codificação canônica. Na escolha de ligar o ministério do catequista à condição laical, emerge uma espécie de contradição teológica dentro do magistério, que também se revela dentro do próprio texto do Antiquum ministerium.
2. As referências explícitas aos documentos do Concílio e ao Código de Direito Canônico esclarecem como o motu proprio fala de leigos com referência àqueles cristãos que não receberam o sacramento da ordem e são qualificados por um exercício do apostolado que “possui, indiscutivelmente, uma valência secular” (n. 6). A catequese, por assim dizer, é “reservada” àqueles que se encontram na condição canônica específica de “leigo” e é definida, com base na Lumen gentium 33, nos termos de uma colaboração dos leigos ao apostolado da hierarquia.
Nesse sentido, o Antiquum ministerium parece se colocar em continuidade com a linguagem do Concílio e veicular uma tradução da ideia de Igreja na qual a noção de povo de Deus permanece marcada por uma articulação jurídica entre laicato e clero que, porém, é jogada como se tivesse o peso e o alcance de uma articulação teológica.
Porém, é precisamente o texto do motu proprio que dá um passo a mais em relação à própria eclesiologia conciliar no que diz respeito à natureza dos ministérios, ao seu fundamento teológico e à sua função na vida do corpo eclesial.
Ele faz isso nos dois primeiros números do documento, que se apresentam como uma articulada perícope do capítulo 12 da primeira epístola de Paulo aos Coríntios, onde o Apóstolo se detém a investigar a teologia dos carismas presentes na Igreja e esclarece o seu fundamento. “E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo, profetas; em terceiro, mestres; em seguida, há o dom dos milagres, depois o das curas, o das obras de assistência, o de governo e o das diversas línguas. Porventura são todos apóstolos? São todos profetas? São todos mestres? Fazem todos milagres? Possuem todos o dom das curas? Todos falam línguas? Todos as interpretam? Aspirai, porém, aos melhores dons. Aliás vou mostrar-vos um caminho que ultrapassa todos os outros” (1Cor 12,28-31).
A passagem paulina é muito mais do que uma lista de funções desempenhadas dentro da Igreja: pelo contrário, ela remete o exercício de determinadas tarefas dentro da comunidade à posse de carismas que são dom do Espírito. É o Espírito, de fato, quem age por meio da obra dos cristãos, em uma manifestação voltada à utilidade comum (1Cor 12,7) e que, portanto, não opera uma hierarquização nem entre os carismas, nem entre as obras que esses carismas determinam.
Se é o Espírito quem age, na economia do agir do próprio Espírito não há uma diferenciação de ordem jurídico-hierárquica, mas sim o reconhecimento da especificidade de cada carisma em razão da específica exigência a que responde.
O ponto é explicado no mesmo capítulo 12, em outra passagem citada pelo Antiquum ministerium: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito, para proveito comum. A um é dada, pela ação do Espírito, uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé, no mesmo Espírito; a outro, o dom das curas, no único Espírito; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fim, a interpretação das línguas. Tudo isto, porém, o realiza o único e o mesmo Espírito, distribuindo a cada um, conforme lhe apraz” (1Cor 12,4-11).
O Espírito, então, é a fonte unificante de uma pluralidade de carismas e ministérios, que são dispensados na comunidade cristã por causa do batismo que funda a capacidade de cada um de acolher o dom de um ou mais carismas e, ao mesmo tempo, faz da implementação desse carisma uma manifestação do agir do Espírito, cujo valor reside no fundamento pneumatológico e no múnus batismal, e não na posição hierárquica que lhe é atribuída em uma fase específica da história da Igreja.
3. A teologia enucleada por meio da passagem paulina é uma teologia dos ministérios que não supõe uma distinção interna por causa do ordo jurídico segundo o qual o povo de Deus está estruturado. E esse é um aspecto justificado pelo fato de que a dimensão sociológica e jurídica na qual a fé cristã se traduz não é estável, mas historicamente mutável, também e sobretudo no que diz respeito às formas que a ministerialidade vai assumindo ao longo dos dois milênios de história cristã.
Prova disso é a multiplicidade de formas que o presbiterado assumiu ao longo dos séculos ou o modo como os próprios sacramentos encontram a sua plena inteligência teológica – com a consequente tradução litúrgica e jurídica – só depois de um longo e complexo processo entre os séculos XII e XIII, que será codificado definitivamente apenas com o Concílio de Trento.
No campo estritamente teológico, a segunda parte do Antiquum ministerium, explicitamente ancorada na ideia da catequese como ministério claramente “laical”, entra em conflito com esses dois primeiros números do documento, nos quais todos os ministérios, indistintamente, são remetidos a “uma forma difusa de ministerialidade, concretizada no serviço de homens e mulheres que, obedientes à ação do Espírito Santo, dedicaram a sua vida à edificação da Igreja” (n. 2).
No entanto, se visto com um olhar histórico-crítico, o documento pontifício reflete um estado de coisas que não é novo na Igreja e permite uma tomada de consciência mais clara das características qualitativas do processo histórico no qual a inteligência da fé e a consciência eclesial estão inseridas neste momento.
O motu proprio, de fato, certamente reflete uma continuidade com o léxico verbal e mental do Concílio, que, justamente sobre a noção de “leigo”, ainda está ligado a uma abordagem tridentina. Nesse sentido, ele parece ser um prolongamento do Vaticano II ao dar uma definição “positiva” da condição canônica do leigo, que não é mais o cristão desprovido do ministério ordenado, mas alguém ao qual pode ser atribuído um ministério específico, o de catequista.
No entanto, mantendo uma lógica de distribuição dos sacramentos em razão do status jurídico de quem os recebe, permanece-se dentro de um esquema binário entre leigos e clérigos que, há séculos, dá aos segundos o primado qualitativo que se torna primado de autoridade.
Ao mesmo tempo, porém, a perícope paulina com a qual o motu proprio começa inverte esse sistematização, porque não levanta o problema de quais ministérios distribuir na Igreja e para quem, mas parte do reconhecimento de que o carisma, que funda os ministérios, é dom do Espírito e de que a Igreja como comunidade é chamada a reconhecer a presença de tais carismas em seu interior e a encorajar uma vocação à ministerialidade que se funda no batismo, portanto, própria de cada cristão.
Ressoa aqui a exortação com que Paulo fecha o capítulo 12: “Aspirai aos dons mais elevados” (1Cor 12,31).
4. A combinação de uma inteligência da ministerialidade enraizada em uma releitura neotestamentária dos carismas, com a sua raiz batismal, e de uma tradução normativa dela dentro de uma eclesiologia dual de clérigos e leigos explicita um estado de coisas em que o surgimento de elementos que enriquece a compreensão da fé ainda não encontra correspondência com a capacidade de expressar essa novidade nas linguagens faladas e mentais da Igreja. Uma circunstância recorrente na história da Igreja, que exige tempos longos e, portanto, paciência.
O Vaticano II, aliás, na sua reflexão eclesiológica sobre o Povo de Deus, “intui” uma ministerialidade batismal, portanto não fundada na sacralização de uma determinação jurídica. No entanto, também por razões próprias do contexto específico da cultura teológica dos anos 1960 e 1960, ele ainda não tem as categorias adequadas para explicitá-la plenamente e para proceder a uma reavaliação do nível jurídico capaz de responder à nova inteligência teológica.
A construção e a elaboração de uma forma mentis e de um léxico adequados para dar voz à consciência teológica de uma Igreja que sabe que é Povo de Deus e que sabe que está enraizada no batismo permanecem, ainda hoje, como algo não concluído, que interpela não só os teólogos, mas também todos os batizados, porque investe sobre o mandato da Igreja inteira e o agir do próprio Espírito que “opera tudo em todos” (1Cor 12,6) e funda a diversidade dos carismas e dos ministérios.
Nesse sentido, precisamente os dois primeiros números do Antiquum ministerium representam o elemento teologicamente mais relevante nesse itinerário de amadurecimento eclesial. Eles explicitam, com a linguagem neotestamentária, os fundamentos de uma ministerialidade que não é “de iure”, mas surge da “aspiração” a que todos os batizados são chamados (vocacionados) e, portanto, do reconhecimento de que os dons do Espírito são dispensados no povo de Deus.
Esse fato faz da ministerialidade não uma concessão, mas o ato eclesial de reconhecimento da presença dos carismas doados pelo Espírito.