Catequese, a formação cristã e a espiritualidade: novos olhares. Artigo de Débora Regina Pupo, Lucimara Trevizan e Marlene Maria Silva

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22 Dezembro 2020

"Não podemos esquecer que a realidade da pandemia sobrecarregou as famílias. Se por um lado o encontro e o contato foram facilitados, por outro, situações de estresse e cansaço foram potencializadas. É preciso cuidar para que a catequese não seja mais um fardo a ser colocado nos ombros de catequizandos, catequistas e famílias", escreve Débora Regina Pupo, Lucimara Trevizan e Marlene Maria Silva em artigo publicado no Cadernos Teologia Pública, Nº 148, do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Conforme alertado pelas autoras: "não é possível dizer que a catequese ficou alheia aos efeitos da pandemia de Covid-19, causada pelo novo coronavírus. O fato de suspender os encontros presenciais colocou catequistas e catequizandos em um impasse: e agora, como devemos agir?".

Débora Regina Pupo. Doutoranda em Teologia pela PUC Paraná. Mestre em Teologia pala PUC Paraná Campus de Curitiba 9 (2014). Graduada em Teologia pela FAMIPAR (Cascavel, 2010). Atualmente é Coordenadora Regional da Dimensão Bíblico-Catequética da CNBB no estado do Paraná, Regional Sul 2. Autora da Editora Vozes, trabalha na formação de lideranças nas seguintes áreas: Catequese, Bíblia, Metodologia Catequética, Doutrina da Igreja.

Lucimara Trevizan. Possui graduação em Pedagogia (1987) e em Filosofia (1991) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e graduação em Teologia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (1995). Possui especialização em Teologia Pastoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2001). Atualmente é diretora executiva do Centro Loyola - BH. Tem experiência na área de Teologia Pastoral. É coordenadora do curso de Especialização em Catequética da CNBB-Regional Leste 2 e PUC-Minas e do curso de Especialização em Teologia Cristã Contemporânea da FAJE-Centro Loyola.

Marlene Maria Silva. Graduada em Pedagogia e Ciências Sociais na Faculdade Santa Doroteia (Nova Friburgo). Mestre em Catequética pela Universidade Salesiana de Roma (1976). Coordenadora da Revista Ecoando (Paulus) e membro da Comissão Bíblico-Catequética do Regional Leste 2, da CNBB. Professora no curso de Especialização em Catequética da PUC Minas – Regional Leste 2. Experiência em catequese e pastoral.

 

Eis o artigo.

 

Iniciativas da catequese durante a pandemia

Não é possível dizer que a catequese ficou alheia aos efeitos da pandemia de Covid-19, causada pelo novo coronavírus. O fato de suspender os encontros presenciais colocou catequistas e catequizandos em um impasse: e agora, como devemos agir?

Na tentativa de se adaptar à situação, a ação catequética se viu obrigada a migrar para um espaço até então, para muitos, quase desconhecido. As iniciativas foram várias, porém, gostaríamos de destacar três: a tentativa de alcançar os catequizandos pelos meios digitais, a formação online de catequistas, a aproximação das famílias dos catequizandos. Em todas as atividades o desafio era o mesmo: ocupar o espaço digital com qualidade e favorecer o crescimento na fé.

Tentativas de alcançar os catequizandos

Em um primeiro momento, pensava-se que as providências seriam temporárias e logo os encontros seriam retomados. Porém, a situação se agravou e o isolamento avançou por meses, levando várias comunidades paroquiais e dioceses a estabelecerem critérios para a continuidade das atividades catequéticas. Vários nomes surgiram: catequese online, encontros catequéticos com as famílias, catequese doméstica, catequese em casa etc. Apesar da variedade de nomes, um mesmo era o objetivo: dar continuidade à educação da fé de crianças, adolescentes, jovens e adultos.

As iniciativas tomadas pela catequese, no período da pandemia, levantaram vários questionamentos (que precisarão ser retomados e melhor aprofundados): o que é essencial em nossa catequese? O que desejamos garantir com os encontros? Sempre enfatizamos que a catequese não deve ser realizada somente em vista dos sacramentos, porém, alguns posicionamentos pendiam para a administração dos sacramentos sem o devido preparo, como se apenas as etapas próximas às celebrações sacramentais fossem importantes.

Outro dado constatado foi a dificuldade de muitos catequistas no uso das ferramentas digitais e com a linguagem desse universo. Mesmo assim, foi possível perceber uma grande migração para as plataformas digitais e tal fato permitiu perceber o quanto podemos alcançar realidades e pessoas.

No entanto, também foi possível perceber que nem todas as pessoas contam com as comodidades de aparelhos e sinal de internet para ter acesso a conteúdos, encontros e formações. Se, por um lado, o mundo digital aproximou, por outro, temos o risco de reforçar a exclusão, agora de maneira virtual, mas não menos prejudicial.

O desafio da formação de catequistas

Quanto à formação dos catequistas percebeu-se um incentivo às lives, congressos online, cursos via internet, escolas catequéticas, estudos de documentos, retiros e reuniões de equipes de coordenações. Talvez nunca um Diretório para a Catequese tenha sido tão “estudado” como foi o novo, lançado em Roma, em junho deste ano!

É possível dizer que a formação ganhou muito, pois chegamos a catequistas na base que, de outra maneira, jamais seriam envolvidos. Contudo, constataram-se grandes dificuldades com o mundo digital, no campo da formação. De certa maneira, um analfabetismo digital que dificultou o acesso e a participação, bem como formas de exclusão digital, pois muitos catequistas não têm computador ou, se o têm, este não oferece as ferramentas necessárias para o uso.

São vários os questionamentos que surgiram por meio de tais iniciativas: qual a qualidade das formações online? Qual será o sentido de retomar encontros presenciais, quando a situação assim permitir? Qual o investimento financeiro destinado a iniciativas no mundo digital para alcançar catequistas que não têm acesso facilitado? Qual a iniciativa no preparo de assessores e formadores para que a formação não seja mera informação ou transmissão acadêmica de conteúdo? É fato que não podemos mais esquecer o mundo digital e deixar passar as oportunidades que ele oferece para formações e reuniões, mas tem sentido pensar em formação de catequistas a distância? Será que de fato a virtualidade ajuda na participação?

Ainda que se possa reconhecer os esforços como tentativas de oferecer uma formação de qualidade, ainda é possível encontrar alguns amadorismos, linguagens acadêmicas demais e afastadas da realidade de tantos catequistas. Correu-se o risco de uma saturação, visto a quantidade de oferta disponível na rede.

Acreditamos que não será possível esquecer o espaço digital nas formações, mas também é preciso falar sobre o amadorismo e a falta de investimento financeiro em pessoas para cuidar da parte técnica e também de recursos até para assinar uma plataforma para encontros online de formação de catequistas. São pontos importantes que precisarão ser considerados quando se pensar em oferecer cursos online e escolas de formação para lideranças.

A aproximação das famílias dos catequizandos

A catequese sempre se ressentiu de um certo afastamento das famílias na caminhada catequética. A pandemia nos lançou para dentro das casas e, de repente, as famílias foram alcançadas e envolvidas em um processo que, até então, parecia apenas responsabilidade das/os catequistas nas comunidades.

É preciso dizer que não se trata de uma conversão instantânea, muito menos que, de uma hora para outra, as famílias se deram conta da importância da catequese e de seu papel na educação da fé dos filhos. É verdade que, em muitas experiências, o descaso e o distanciamento continuaram ou até mesmo aumentaram. Porém, é possível perceber um movimento interessante que não pode ser esquecido: a catequese passou a pensar na catequese dos pais, para que estes pudessem ajudar os filhos.

Esse movimento, ainda que impulsionado por uma situação de urgência, nos ajuda a compreender a necessidade de repensarmos nossa consciência de Igreja, de comunidade, de catequese e de família. Não se trata de se fechar em casa e evitar contatos, mas de perceber que em casa é possível rezar, celebrar e crescer na educação da fé. Aqui, também, percebemos um perigo: considerar a comunidade como “dispensável”, visto que, em muitas situações, em momentos celebrativos, se reclamava mais da falta do sacramento que da falta da comunidade.

Como tentativa de ajudar as famílias a rezar, celebrar e catequizar, um grande número de materiais foi amplamente disponibilizado via WhatsApp: material para grupos de encontros e círculos bíblicos, celebrações da Palavra etc. Sabe-se que tais materiais chegaram a muitos, mas não se sabe ao certo o quanto, de fato, foram aproveitados.
Também na busca de aproximação com as famílias percebemos um grande amadorismo e muita boa vontade, sem tanto preparo ou investimento. Acreditamos que mais do que cobranças, exigências, faz-se necessário recuperar a dimensão da gratuidade, do se fazer presente para facilitar o encontro com o Mestre.

Não podemos esquecer que a realidade da pandemia sobrecarregou as famílias. Se por um lado o encontro e o contato foram facilitados, por outro, situações de estresse e cansaço foram potencializadas. É preciso cuidar para que a catequese não seja mais um fardo a ser colocado nos ombros de catequizandos, catequistas e famílias.

E agora? Perspectivas para a catequese

Algumas perspectivas para a catequese já se faziam presentes antes da pandemia, mas torna-se mais urgente que sejam observadas daqui para frente. Apontaremos quatro situações que exigirão maior atenção das equipes de coordenação de catequese e de catequistas:

A acolhida, o cuidado e o acompanhamento de catequizandos e catequistas

A acolhida e o cuidado com catequizandos (crianças, jovens e adultos), bem como com catequistas, são muito importantes. Muitos carregam feridas desse processo vivido na pandemia e isolamento social. O calor humano e o carinho serão fundamentais para que se sintam acolhidos e amados. Muito importante será ouvir e pensar em maneiras de fazer um acompanhamento pessoal. O afeto, o cultivo da ternura e do amor fazem-se imprescindíveis em qualquer tempo.

Há que se partir da vida dos catequizandos e não de um livro. A mensagem cristã, a boa-nova de Jesus, precisa fazer sentido no chão da existência de cada um. Isso implicará também levar em conta toda a experiência vivida durante a pandemia. A vida vivida é conteúdo de todo processo de crescimento e amadurecimento da fé.
As coordenações de catequese precisam estabelecer estratégias para que os catequistas tenham espaço de partilha, de cultivo da espiritualidade, de abordagem de temáticas que possam ajudar na elaboração de processos pessoais vividos.

Valorizar a catequese em família

Este é um tema sempre tratado em documentos da catequese, mas pouco concretizado pelas equipes de catequistas. A pandemia evidenciou que é preciso ter a família realmente como parceira do processo catequético. Há que se pensar encontros (online ou presencial) com os pais, mas um itinerário de debates, com temas interessantes ligados à vida familiar e aos desafios da educação da fé. Um percurso criativo que envolva os pais ao longo da caminhada dos filhos.

As equipes de catequistas precisam fazer parcerias com outras pastorais. É preciso pedir ajuda, por exemplo, à Pastoral Familiar, para que auxilie nas visitas (quando possível de serem feitas) aos pais (da catequese eucarística e crisma). Uma visita amigável, simpática, pode ser início de um caminho bonito com os pais.

As redes sociais ou outras plataformas digitais serão importantes para continuar, semanal ou quinzenalmente, o contato com os pais de crianças e jovens. Há que se ter sabedoria para manter a amizade e não sobrecarregar os pais com excesso de materiais.

A catequese e a cultura digital

Mais do que nunca se torna urgente a formação dos catequistas sobre a catequese na cultura digital. Isto é muito mais do que aprender a utilizar as redes sociais, sites e plataformas digitais na catequese. Trata-se de conhecer as características dessa cultura digital e os “nativos” digitais, que são os atuais catequizandos.

O novo Diretório para a Catequese, que se dedica a esse tema, nos interpela: “No processo do anúncio do Evangelho, a verdadeira questão não é como utilizar as novas tecnologias para evangelizar, mas sim como se tornar uma presença evangelizadora no continente digital. A catequese, que não pode simplesmente digitalizar-se, certamente precisa conhecer o poder do meio e utilizar todo o seu potencial e sua positividade, com a consciência, porém, de que não se faz catequese utilizando somente ferramentas digitais, mas oferecendo espaços de experiências de fé. Isso evitará uma virtualização da catequese que corre o risco de tornar a ação catequética fraca e pouco influente” (DC 371).

Precisamos aprender a ser presença de qualidade, beleza e profundidade no continente digital. Isso implica repensar a linguagem e o conteúdo dos nossos sites e canais de catequese. E também oferecer, desde a formação inicial do catequista, aprofundamentos sobre a catequese na cultura digital e o uso das ferramentas digitais na catequese. Muitos catequistas ainda são analfabetos digitais. O uso de plataformas digitais e outras mídias permitirá melhorar a formação de catequistas, sobretudo, chegar até catequistas que normalmente não conseguem participar dos encontros formativos presenciais. E os encontros presenciais precisarão ser mais objetivos, envolventes e criativos.

Os encontros catequéticos, que oferecem vivências de fé aos catequizandos, não podem deixar de ter também o digital como espaço de aprofundamento da fé. Isso exige mais criatividade do catequista.

Priorizar a catequese com adultos

Ficou evidente que, durante a pandemia, mais do nunca, é preciso que tenhamos itinerários de educação da fé com adultos, se quisermos uma Igreja adulta e madura na fé, na esperança e na fraternidade.

É preciso reforçar os processos de iniciação cristã de adultos não batizados ou que não receberam a eucaristia e a crisma. É preciso também pensar em processos com adultos não suficientemente evangelizados, apesar de já terem recebido os sacramentos da iniciação cristã. Isso supõe investir na formação de catequistas especificamente para a educação da fé com adultos e em processos criativos, vivenciais, de amadurecimento da fé.

Em muitas comunidades, a catequese com adultos não batizados é muito mal feita e reduz-se a dois ou três encontros em vista do sacramento do matrimônio. É preciso repropor esse caminho, segundo as orientações da Igreja para a Iniciação Cristã de adultos.

Em muitos casos, o nome “catequese com adultos” espanta grande parte dos que não são suficientemente evangelizados. Será preciso ser criativo, dar outros nomes a esses itinerários de catequese. O mais importante será (re)apresentar o anúncio de Jesus Cristo de forma significativa no coração da vida das pessoas.

O amadurecimento da fé dos adultos transforma a vida comunitária e o testemunho cristão no mundo, como Igreja em saída, a serviço do Reino de Deus.

A formação cristã e a espiritualidade digital

As plataformas digitais e redes sociais permitiram que, logo no início da pandemia, os encontros de formação, os cursos de teologia com leigos, as manhãs ou tardes de espiritualidade e até mesmo os retiros espirituais migrassem para o formato digital, nas mais variadas plataformas.

Também neste aspecto explicitou-se o vasto lastro da exclusão digital, pois muitos não possuem internet suficientemente boa para sustentar as aulas e outros formatos de formação, ou ainda, não possuem nem mesmo computadores ou celulares que comportem as transmissões.

E houve inúmeras modalidades de formação e de cultivo da espiritualidade oferecidos na “rede”. Interessante observar que muita coisa boa foi ofertada em meio a outras com tendência um tanto duvidosa. Mas foi possível chegar a leigos e leigas que normalmente não tinham acesso a uma formação ou mesmo acompanhamento espiritual de qualidade. E são inúmeros os relatos de leigos que dizem que isso foi fundamental para que durante o isolamento social continuassem a manter viva a chama da fé. Não haverá retorno quanto a isso. Há um mundo a ser descoberto e explorado. Não basta migrar do presencial para o digital, será preciso integrar com harmonia as duas coisas e inovar no meio digital. Ganha a formação cristã e ganha o cultivo da espiritualidade.

A Igreja precisará investir nesse âmbito, não somente equipando-se devidamente, mas de modo especial, garantindo presença qualificada no meio digital com a formação de agentes atentos aos processos pessoais, verdadeiros evangelizadores e anunciadores da boa-nova do Reino, no desafiante universo da cultura digital.

 

Igreja e evangelização: provocações da pandemia

Igreja e evangelização: provocações da pandemia. Parte II - As dores do parto. Cadernos Teologia Pública Nº 148

 

Este artigo integra a segunda parte do projeto editorial intitulado “Igreja e evangelização: provocações da pandemia”, organizado pelo Grupo de Pesquisa “Teologia e Pastoral” – do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), publicado na 148ª edição de Cadernos Teologia Pública.

Acesse aqui os Cadernos Teologia Pública na íntegra.

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