16 Abril 2021
"É provável que outros modelos que não o dominante da economia capitalista - estou pensando na economia de comunhão ou na economia civil, que visam não se submeter à ditadura do mercado e do lucro - não possam representar uma alternativa sistêmica", escreve Franco Monaco, ex-deputado e ex-senador italiano, em artigo publicado por Settimana News, 15-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com uma das expressões diretas e retumbantes a que nos acostumou, o Papa Francisco voltou ao tema da propriedade privada: compartilhá-la, disse ele, "não é comunismo, é Cristianismo puro ". De forma mais ampla e argumentada, já havia tratado do tema na encíclica Fratelli tutti (cf. n. 120).
Ali ele se referia ao magistério papal anterior segundo o qual "o princípio do uso comum dos bens criados para todos é o primeiro princípio de toda a ordem ético-social, é um direito natural, primordial e prioritário" e citava a Populorum Progressio de Paulo VI: “todos os outros direitos, incluindo o da propriedade privada, não devem impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização”.
Para reforçar seu conceito, Francisco concluía assim: “isto tem consequências muito concretas que se devem refletir no funcionamento da sociedade. Mas acontece muitas vezes que os direitos secundários se sobrepõem aos prioritários e primordiais, deixando-os sem relevância prática”.
Vale a pena insistir no significado e no peso dessas palavras. Enquanto isso, Francisco se insere na mais testada tradição do ensinamento social da Igreja.
A substância já está toda ali presente. Incluindo a distinção de molde tomista mencionada pelo Papa Montini entre direito natural, primordial e prioritário (a destinação universal dos bens) e direito natural secundário e derivado (a propriedade privada). O que Francisco acrescenta de forma significativa pode ser reconduzido ao discernimento prático sobre a concreta evolução do capitalismo contemporâneo.
Com as palavras destacadas acima, ele destaca dois pontos:
- a mencionada hierarquia dos valores e dos direitos não é uma "teoria" sem implicações, ela deveria ter implicações práticas decisivas nas relações econômicas, sociais e políticas, na distribuição dos recursos e do poder;
- mas, na realidade, não é assim: as hierarquias são frequentemente subvertidas, o direito à propriedade privada acaba prevalecendo sobre o princípio - superior - da destinação universal dos bens.
Portanto, Francisco não se afasta da tradição e de seus predecessores. Mas, ao mesmo tempo - convém notar e não é pouca coisa - seu magistério é marcado por uma abordagem histórico-concreta (talvez um traço da espiritualidade inaciana), por uma adesão aos desenvolvimentos das economias e das sociedades capitalistas; vamos ser claros, por um juízo franco e severo sobre suas contradições, sobre os custos humanos, sociais e ambientais que aquele modelo de desenvolvimento acarreta.
Se quisermos, aqui podemos encontrar vestígios de um ponto de vista ao qual não é estranha a origem de um Pontífice que vem "do fim do mundo", para quem é mais fácil ver os limites e os danos (e não só as indiscutíveis conquistas) do norte do mundo e do ocidente desenvolvido. Colocando em questionamento de forma proveitosa a opinião segundo a qual haveria uma consonância natural, uma afinidade eletiva, entre cristianismo e ocidente. Tese cara a quem se entrega à ideia do cristianismo como religião civil.
Mesmo antes do Fratelli tutti, ele já havia tratado do tema na Laudato si' e voltou a isso várias vezes em intervenções ocasionais. Por exemplo, na denúncia da cultura do descarte ou da economia que mata; às suas palavras sem concessões sobre armamentos, imigração, vacinas, desigualdades, pobreza. Contradições que o flagelo global da pandemia, aliás, pode ter agudizado e tornado mais manifestas.
Uma contribuição, a do Papa, para um discernimento concreto e um estímulo, dirigido aos cristãos, à lucidez e à coragem de um juízo profético, que, mesmo sem integrismos, possa se mensurar com a radicalidade da "justiça maior" proclamada pelo Evangelho.
É difícil não ver, mesmo nas entrelinhas, um apelo aos cristãos a não se conformarem, a não se renderem a um realismo mal compreendido, a não se juntarem ao já numeroso "partido" do TINA (o thacheriano "there is no alternative", não há alternativas ao sistema atual). Daí também as palavras de encorajamento do Papa aos movimentos populares que lutam pela elevação social dos trabalhadores.
Para evocar o antigo e sempre novo paradigma da Carta a Diogneto, está presente o apelo a uma permanência cordial na cidade dos homens, porém preservando a "diferença cristã", também graças à participação em experiências concretas de "comunidades alternativas" (tema caro a Martini). Alternativas às lógicas e às práticas, principalmente funcionais e contratuais, que informam as relações sociais. Não da mesma forma concreta, mas, isto sim, inspirando-se nas comunidades primitivas e nos sermões dos Padres da Igreja.
Não é por acaso que Francisco citou os Atos dos Apóstolos onde "ninguém considerava sua propriedade o que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum". Seria ingênuo imaginar que a macrossociedade possa instaurar um regime de comunhão de bens, mas não são ingênuas:
a) a ideia de que nem todas as relações humanas e sociais sejam por definição e sempre de caráter utilitário, que também conhecem a dimensão gratuita, oblativa da troca desigual;
b) a ambição de construir comunidades, mundos vitais generativos e regenerativos, que possam testemunhar e irradiar na sociedade mais ampla lógicas alternativas às dominantes da troca mercantil.
É provável que outros modelos que não o dominante da economia capitalista - estou pensando na economia de comunhão ou na economia civil, que visam não se submeter à ditadura do mercado e do lucro - não possam representar uma alternativa sistêmica.
Eu ficaria contente se nos ancorássemos nos art. 41-43 da Constituição italiana que delineiam as características de uma economia social de mercado hoje minada pelas lógicas oligopolistas e pela financeirização do capitalismo internacional. Lógicas que prevaricam amplamente sobre o poder dos Estados nacionais e que, consequentemente, correm o risco de atropelar a "função social" da livre iniciativa econômica, que por sua vez está baseada na propriedade privada dos meios de produção.
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Francisco e o capitalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU