10 Março 2021
Abdullah Kurdi, o pai do menino refugiado cuja morte há cinco anos despertou o mundo para a realidade da crise migratória, descreveu seu recente encontro com o Papa Francisco como o melhor presente de aniversário que já recebeu.
A reportagem é de Elise Ann Allen, publicada por Crux, 09-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Kurdi encontrou-se com o Papa Francisco em 07 de março, depois da missa celebrada pelo papa em Erbil, durante sua histórica visita ao Iraque.
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Papa Francisco se encontra com Abdullah Kurdi, pai do pequeno Aylan, que naufragou com seu irmão e sua mãe na costa turca em setembro de 2015
(Foto: Rudaw.net)
Ao Crux, Kurdi disse que quando recebeu uma ligação, duas semanas atrás, das forças de segurança curdas, dizendo que o Papa queria encontrá-lo em Erbil respondeu: “Eu não acredito”.
“Eu não acreditava nisso até que realmente acontecesse”, contou, acrescentando: “era como um sonho que se tornava realidade e foi o melhor de todos os presentes de aniversário”, pois o encontro aconteceu um dia antes do aniversário de Kurdi.
Kurdi e sua família foram manchetes globais em 2015 quando seu barco naufragou enquanto cruzavam o mar Egeu da Turquia para a Grécia, em uma tentativa de chegar à Europa.
Natural da Síria, Kurdi e sua esposa Rehanna, e seus filhos Ghalib, de 4 anos, e Aylan, de 2, fugiram do país devido à guerra civil e foram viver como refugiados na Turquia.
Depois de muitas tentativas de sua família apoiá-los financeiramente, por meio de sua irmã Tima, que vive no Canadá, falharem, Abdullah em 2015, quando a crise migratória estava no auge, decidiu levar sua família para a Europa depois de a Alemanha prometer um milhão de refúgios.
Em setembro daquele ano, Abdullah conseguiu, com a ajuda de Tima, quatro lugares para ele e sua família em um barco de Bodrum, na Turquia, para a ilha grega de Kos. No entanto, pouco depois da partida, o barco – que tinha capacidade para apenas 08 pessoas, mas no momento carregava 16 – naufragou, e enquanto Abdullah conseguiu se salvar, sua família encontrou um destino diferente.
Na manhã seguinte, a imagem do corpo de seu filho Aylan afogado em uma praia da Turquia explodiu na mídia internacional e nas redes sociais, depois de capturada pela fotógrafa turca Nilüfer Demir.
O pequeno Aylan Kurdi então se tornou um ícone global, simbolizando o risco que os refugiados frequentemente enfrentam na busca de uma vida melhor. Em outubro de 2017, dois anos depois do incidente, o Papa Francisco – um sonoro defensor dos migrantes e refugiados – recebeu uma escultura de Aylan do escritório da FAO-ONU em Roma.
Depois do incidente, foi oferecida moradia a Kurdi em Erbil, onde ele mora desde então.
Kurdi sonhava em se encontrar com o Papa há muito tempo, para agradecê-lo por sua defesa dos migrantes e refugiados e por honrar seu filho, ele disse que mal conseguia falar durante o emocionante encontro, o qual ele chamou de “milagre. Eu não sei como descrever em palavras”.
“O momento em que eu vi o papa, eu beijei suas mãos e lhe disse que era uma honra encontrá-lo e o agradeci por sua bondade e compaixão para com a minha família e todos os refugiados”. Kurdi afirmou, percebendo que havia outras pessoas aguardando para cumprimentar o papa depois da missa em Erbil, mas ele foi quem passou mais tempo com o pontífice.
“Quando beijei as mãos do papa, o papa estava orando e ergueu as mãos para o céu e me disse que minha família está no céu descansando em paz”, disse Kurdi, lembrando como naquele momento, seus olhos começaram a transbordar de lágrimas.
“Eu queria chorar”, disse Kurdi, “mas eu disse, ‘segure-se’, porque não queria que o papa se sentisse triste”.
Kurdi então deu ao papa uma pintura de seu filho Aylan na praia como um presente “para que o papa possa lembrar ao povo dessa imagem a fim de ajudar as pessoas que estão sofrendo, para que não se esqueçam”, disse ele.
A pintura foi feita por um artista local em Erbil que Kurdi conhecia. De acordo com Kurdi, assim que soube que iria se encontrar com o papa, ele ligou para o artista e pediu-lhe que pintasse o quadro “como mais um lembrete às pessoas para que possam ajudar os refugiados em sofrimento”, especialmente crianças.
“Em 2015, a imagem do meu filho despertou todo o mundo e tocou o coração de milhões de pessoas e os inspirou a ajudar os refugiados”, disse Kurdi, observando que quase seis anos depois, a crise não acabou, e milhões ainda vivem como refugiados, muitas vezes em condições inimagináveis.
“Espero que esta foto seja um lembrete novamente para que as pessoas possam ajudar (aliviar) o sofrimento humano”, disse ele.
Após a morte de sua família, Kurdi e sua irmã Tima lançaram a Fundação Aylan Kurdi, uma ONG que apoia especificamente crianças refugiadas, fornecendo-lhes comida, roupas e material escolar. Embora a fundação tenha ficado inativa durante a pandemia do coronavírus, eles esperam retomar as atividades em breve.
O próprio Kurdi agora é casado novamente e tem outro filho, que ele também chamou de Aylan, que fará um ano em abril.
Kurdi disse que tomou a decisão de nomear seu filho mais novo Aylan porque na cultura do Oriente Médio, uma vez que um homem se torna pai, ele não é mais chamado pelo nome, mas é referido como “Abu”, ou “o pai de” seu primeiro filho.
Desde o trágico incidente em 2015, as pessoas começaram a se referir a Kurdi como “Abu Aylan”, então quando seu filho nasceu, ele decidiu dar ao menino o nome de seu irmão mais velho.
Para Kurdi, a oportunidade de conhecer o Papa Francisco não só teve um significado pessoal monumental, mas ele espera que possa ser um lembrete para o mundo que, embora a crise da migração não esteja mais nas manchetes como costumava fazer, “o sofrimento humano continua”.
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“Encontrar-me com o Papa Francisco foi o melhor de todos os presentes de aniversário”, diz o pai de Aylan Kurdi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU