17 Fevereiro 2021
"A Campanha da Fraternidade, que ao longo da Quaresma acompanha a vida da Igreja do Brasil desde o início da década de 1960, tem neste ano um caráter ecumênico, algo que começou no ano 2000 e que “representa uma das experiências mais valiosas de missão evangelizadora em nosso país”, segundo a pastora luterana Romi Márcia Bencke, Secretária-Geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC.
O comentário é de Luís Miguel Modino.
Estamos ante um chamado a afirmar que “a fraternidade e o diálogo são compromissos de amor, porque Cristo fez uma unidade daquilo que era dividido”, como recolhe o hino da campanha. A Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 é um desafio “para o diálogo e a construção de pontes de amor e paz em lugar dos muros de ódio”, mostrando que é possível “viver em comunhão”, superando “as polarizações e violências através do diálogo amoroso”, o que é expressado nos objetivos da campanha.
A Campanha, que foi organizada quase que inteiramente on-line, faz a proposta de conversão ao diálogo e ao compromisso de amor, afirmando que “a conversão é um processo permanente e diário”, que nos leva a “repensarmos cotidianamente nossa forma de estar no mundo”. Daí nasce “a possibilidade de novas formas de relações humanas e sociais”, de assumir “um jejum que agrada a Deus e que conduz à superação de todas as formas de intolerância, racismo, violências e preconceitos”.
O Texto Base da Campanha tem como elo a história dos discípulos de Emaús, fazendo um chamado a refletir a partir de quatro paradas: ver, julgar, agir e celebrar, uma metodologia que acompanha a vida da Igreja latino-americana nas últimas décadas.
A pandemia da Covid-19 e suas consequências é o ponto de partida do ver, afirmando que, no Brasil, onde tem morrido 10% das vítimas mundiais, “a pandemia dilacerou famílias e deixou espaços vazios na cultura nacional”. O texto reflete sobre “a incerteza, a insegurança, o descaso político para com as pessoas, a desestruturação repentina de nosso modo de vida”, provocando sensação de medo e impotência. Também aparecem relatos sobre diferentes reações diante da pandemia nas igrejas.
A reflexão em torno da Campanha, denuncia que “no Brasil, a pandemia escancarou as desigualdades e a estratificação racial, econômica e social”, refletindo sobre a resistência ao isolamento, o negacionismo, a volta da fome, a continuação da violência policial, doméstica e do racismo. Também aparece a análise das tensões e conflitos, das reformas, do aumento do desemprego, da pobreza, das desigualdades os das notícias falsas nos últimos anos. O Brasil se tornou uma sociedade cheia de muros, com muitas crises que afetam a todos, também àqueles que fazem parte das Igrejas.
Diante disso, a Campanha chama a interpretar a realidade, em uma sociedade onde “ainda permanecem as estruturas racistas e excludentes”, que beneficia os poderosos e ignora as políticas públicas. Isso gera insatisfação, que se transforma em ódio contra o diferente, relações injustas, destruição da Casa Comum, novas cruzes que não são respostas para a paz, “necropolítica”, onde o Estado se julga soberano para escolher quem morre e quem vive. Isso é algo que se faz presente de diferentes modos no Brasil, através da violência, que nunca será a saída, e de leis que acabam com direitos históricos conquistados.
A reflexão sobre a catástrofe ambiental, uma realidade muito presente no Brasil, que atinge especialmente os povos tradicionais, grandemente afetados pela pandemia da Covid-19, também está presente na Campanha da Fraternidade de 2021. O Texto Base denuncia que “a violência contra a terra e os povos originários é, muitas vezes, legitimada por um discurso religioso reativo”, que manipula a religião. Também é colocada a reflexão sobre o racismo contra negros e indígenas, que se traduz em intolerância religiosa, algo que tem uma raiz histórica e que se perpetua, criando muros que demandam “rever a forma como vivemos a nossa fé”.
A segunda parada, identificada com o julgar, faz uma análise desde a perspectiva bíblica. O texto afirma que “a fé é diretriz de conduta, tanto para o bem quanto para o mal”. Nesse sentido, as origens do cristianismo nos mostram que “a opção pelo Evangelho trazia consigo a busca pela compreensão mútua e um processo de conversão”, algo recolhido nas cartas paulinas. Isso levava a derrubar “o muro da separação” e construir “um mundo de comunhão na gratuidade do amor de Deus, que acolhe e perdoa”. Eram comunidades diversas, mas que procuravam a unidade, a partir da fé em Jesus Cristo, “vínculo que une a comunidade e garante que experimentemos os sinais do Reino de Deus”.
Isso é recolhido no lema da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. O apóstolo Paulo faz um testemunho conciliador e promotor da unidade na diversidade, que não é razão para conflitos. Tudo em vista da paz, que para a cultura hebraica, “é sinônimo de vida plena”, sinal do Reino de Deus, algo que as comunidades indígenas chamam de “bem viver”. Uma Igreja que nasce “da graça misericordiosa de Deus revelada em Cristo”, imagem do Evangelho da graça e da misericórdia, que “revela-se como a força de Deus, que derruba os muros do preconceito que separam”.
A paz “é um tema genuinamente bíblico”, uma paz que “brota da fé em Cristo” e provoca “a superação da inimizade e do ódio”, permitindo “cuidar e reconstruir a convivência social”. Frente a isso, a Campanha nos faz ver que o orgulho religioso, que é contrário ao Evangelho, levanta muros, derrubados por Cristo, que constrói uma nova humanidade, “animada e alicerçada no amor, na graça de Deus e na unidade que se realiza pelo Espírito Santo”. Daí surge a maturidade cristã, que “respeita e acolhe a diversidade e só alcança a plenitude mediante a cooperação mútua”.
No agir, a terceira parada, seguindo o caminho dos discípulos de Emaús, surge o compromisso de derrubar “os muros das divisões”, algo concretizado em boas práticas ecumênicas. O texto mostra alguns exemplos, como a Semana de Oração pela Unidade Cristã, a convivência inter-religiosa, as missões ecumênicas, realizadas em diferentes locais do Brasil, os encontros ecumênicos de mulheres, em vista da superação da violência contra as mulheres, o cuidado da casa comum, um tema abordado na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2016, que provocou o envolvimento do CONIC em muitas ações e iniciativas voltadas para o direito ao acesso à água potável de qualidade.
Essas são práticas assumidas por “muitas comunidades, grupos ecumênicos, pastorais e serviços diaconais”, enfatiza o Texto Base, que na quarta parada faz uma proposta celebrativa ecumênica.
Finalmente, é explicado o significado da Coleta da Solidariedade, “um gesto concreto da fraternidade, partilha e solidariedade, realizado em âmbito nacional, em todas as comunidades cristãs, paróquias e dioceses”, rebatida nas últimas semanas por diferentes grupos e que provocou uma mensagem da presidência do episcopado brasileiro.
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Campanha da Fraternidade Ecumênica: “diálogo e construção de pontes de amor e paz em lugar dos muros de ódio” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU